Ouça também em: Ouvir no Claro Música Ouvir no Spotify Ouvir no Google Podcasts Assina RSS de Podcasts

Um dos clássicos da literatura universal, a obra “Crime e castigo”, de Fiódor Dostoiévski, ganha uma adaptação em formato de graphic novel, feita por Bastien Loukia. A obra foi traduzida para o português pela mestre em Letras e tradutora Carolina Selvatici. Ela discorre sobre a HQ e suas interpretações neste podcast.

“As discussões se mantêm. A emoção que você sente se mantém. Esse tipo de adaptação é extremamente importante para aproximar o público da literatura. Um adolescente não leria um livro de Dostoiévski de outras forma, porque você tem que ter uma dedicação que não é todo mundo que tem”, acredita Selvatici.

crime e castigo hq
Ilustrações do livro reproduzem a passagem bíblica da ressurreição de Lázaro como se fosse uma peça representada no teatro de arena grego, segundo Carolina Selvatici (crédito:divulgação/ editora Leya)

Já a atualidade dos temas abordados pelo escritor russo em “Crime e castigo” é ressaltada pela outra entrevista deste podcast, a professora do curso das Letras Russas da Universidade de São Paulo (USP) Elena Vássina. “Lendo Dostoiévski, a gente está dentro de problemas que nos tocam como seres humanos. Ele toca muitas questões que a humanidade – com tantos milênios de existência – não conseguiu resolver até hoje”, reflete.

Veja mais:

7 adaptações de livros clássicos para HQ

6 histórias em quadrinhos que ajudam a explicar conteúdos da educação básica

Transcrição do Áudio

Música: “1812 – Overture” (Tchaikovski) fica ao fundo

Carolina Selvatici:
Todos os personagens, basicamente, falam sobre como a decisão que você toma, o crime que você comete ele sempre é castigado, merecendo ou não. Castigado eu estou botando muito entre aspas, mas ele sempre tem consequências.
E a gente não vive isolado, a gente tem que pensar no que os seus atos fazem em relação às outras pessoas. Não é só ‘esta é minha filosofia de vida e é assim que eu vou viver’. Isso não existe, né? A gente num grupo, num conjunto. Você precisa pensar no outro: ‘Peraí, qual é a consequência que isso vai ter para o outro?’
Meu nome é Carolina Selvatici. Sou tradutora de inglês e de francês e trabalho muito com literatura e com audiovisual.

Elena Vássina:
Dostoiévski é muito atual. Lendo Dostoiévski, a gente está dentro de problemas que nos tocam como seres humanos. Ele toca muitas questões que a humanidade – com tantos milênios da sua existência – não conseguiu resolver até hoje.
Eu sou Elena Vássina. Sou russa e sou professora do curso das Letras Russas da Universidade de São Paulo. Trabalho com a literatura clássica russa e com o teatro russo também.

Vinheta: Livro Aberto – Obras e Autores que fazem História

Música: “1812 – Overture” (Tchaikovski) permanece de fundo

Marcelo Abud:
Um dos clássicos da literatura mundial, a obra “Crime e Castigo”, de Dostoiévski, ganha uma adaptação em HQ, no formato de graphic novel. As ilustrações são do artista francês Bastien Loukia. A tradutora da versão brasileira conta por que acha importante essa nova versão do romance, publicado pela primeira vez em 1866.

Carolina Selvatici:
Traz uma literatura que é muito árida pra um público mais amplo. Especialmente boas adaptações. Ele acaba deixando você interessado na obra, se você gosta do livro, você vai se dedicar a ler o livro, que é um livro de 400 páginas – bastante pesado e denso.
Eu acho extremamente interessante quando a pessoa que adapta, consegue pegar esta sacada: ‘o que que é o mais importante da obra?’. Você fica com aquela mesma sensação que você teria ao ler a obra original.
As discussões elas se mantêm. A emoção que você sente, ela se mantém. Esse tipo de adaptação é extremamente importante para aproximar o público da literatura. Senão, um adolescente não leria um livro de Dostoiévski, porque você tem que ter uma dedicação que não é todo mundo que tem.

Elena Vássina:
O conteúdo – apesar de que Dostoiévski escreveu este romance mais de que um século e meio – quando a gente começa a ler, a gente encontra tantos paralelos com as questões que machucam, que doem, que fazem sofrer os leitores, sabe, a humanidade ainda hoje.

Carolina Selvatici:
O próprio autor da adaptação ele fez um prefácio no livro explicando qual foi a escolha dele. Ele escolheu realmente muito a coisa da culpa. O personagem principal, depois de matar a velha e a irmã dela, passa o tempo todo tentando se convencer de que não sente culpa e que não merece castigo por aquilo, porque a velha era uma pessoa que maltratava as pessoas e merecia morrer. Mas ele mesmo ele não se convence disso, no íntimo assim. Ele realmente só se sente aliviado quando ele confessa. Esse foi o ponto que ele escolheu pegar: vivemos em sociedade, então, a gente tem que seguir determinadas regras da sociedade. É meio isso. Por mais que você pense diferente.

Elena Vássina:
O maior segredo do romance não está no crime, mas nos motivos do crime, porque desde o início nós sabemos quem matou. O Raskólnikov que matou. Mas, depois, a gente passa esse caminho todo, sabe, de sofrimento do personagem, pós-crime, tormentos da consciência para sentir junto com o personagem.

Carolina Selvatici:
É muito difícil você pegar um livro, que é basicamente diálogo interior, e passar isso em balões. Então, tem muitas cenas da HQ em que ele usa o desenho, a expressão dos personagens, pra mostrar o que as pessoas estão pensando, sem precisar da fala especificamente. Esta adaptação foi muito feliz nisso. Te dá bastante assim essa sensação de desespero, você fica o tempo todo…
Quando a polícia chega perto dele e ele se safa e ele mesmo assim, você passa o tempo inteiro achando que ele não quer se safar. E eu acho que a tradução ficou legal, até porque a editora falou ‘olha, não deixa empolado demais’. ‘A gente está querendo trazer um pouco mais para um público mais amplo, tenta facilitar a compreensão delas, use expressões mais correntes’. Porque o foco é um pouco menos o texto e mais a imagem. Você tinha que fazer uma tradução que fluísse.

Marcelo Abud:
Carolina descreve uma das cenas que mais a impactaram na graphic novel. As imagens podem ser conferidas no texto que acompanha este áudio, no site do Instituto Claro.

Som de página de livro sendo virada

Carolina Selvatici:
Dessa adaptação, eu vou te falar que a cena que eu mais gosto é quando, já no final do livro, ele vai até a casa da moça com quem ele se envolve, depois do pai dela ter morrido – ele morre bêbado, sendo atropelado por uma carruagem – e o personagem principal acaba ficando com pena da família e acaba deixando o dinheiro que nem tem, assim, pra eles. Então, fica todo muito extremamente grato a ele, como se ele fosse o salvador da pátria e tal.
E ele vai até o apartamento da moça, pede pra ela ler um trecho da bíblia, sobre a ressurreição de Lázaro. No desenho, ao contar a história, né? – a moça tá lendo o trecho da bíblia mesmo – e ele fez todo o desenho como se fosse uma peça grega. Como se estivesse numa arena, assim. Até os quadrinhos, em vez de ser quadradinho, ele fez um círculo e são triangulares. E aí, em cada triângulo, tem uma cena da ressurreição de Lázaro.
Os personagens usam máscara, eles estão num cenário realmente como se fosse uma arena de um teatro grego. Eu achei essa sacada assim genial, porque é literalmente alguém encenando uma história que ele está querendo usar como exemplo assim, ele está querendo se denunciar de alguma maneira, só que ele não pode falar. Então, ele põe na cabeça dos “atores”, que são personagens da bíblia. Como se fosse uma cena de teatro grego. E não tem nada a ver, é uma cena da bíblia, mas é uma sacada muito boa, eu gostei bastante.

Marcelo Abud:
A tradutora do texto da HQ para o português lê uma fala presente nesta mais recente versão de Crime e Castigo.

Som de página de livro sendo virada
De fundo, voltamos a ouvir composição de Tchaikovski

Carolina Selvatici:
Então, essa cena ele está conversando com o policial que está investigando o assassinato que ele cometeu. E já desconfiando um pouco dele. Ele fala assim:
– Você acredita na Jerusalém celeste?
E o personagem principal responde:
– Claro!
– E em Deus, desculpe minha indiscrição?
– Acredito!
– E na ressurreição de Lázaro?
– Sim!
– Ao pé da letra?
– Sim, mas por que todas essas perguntas?
– Por nada, só por curiosidade. Bom, tudo isso é muito sério. Eu acho que a autorização moral de matar é muito pior do que a autorização legal. E os impostores, meu caro Ródion, onde você os coloca?
– Eu admito que eles existem. São idiotas, cuja vaidade foi sua armadilha. Mas o que eu posso fazer? A sociedade é protegida o bastante para ter que se preocupar com eles.
– E você, meu caro Ródion, já pensou que era um desses revolucionários que traziam ideias novas? E se sim, já se sentiu capaz de roubar ou de matar para sair de um atoleiro ou obter o bem de toda a humanidade?
E o Ródion responde:
– Olhe, eu não nunca me considerei um Napoleão nem ninguém parecido. Acho que eu não poderia ser mais claro.

Carolina Selvatici:
E ele tentando assim se justificar: não, não, eu nunca achei que eu fosse melhor do que os outros, mas o resto do livro, ele passa dizendo que é sim e ele tem o direito de decidir sobre a vida dos outros. E acaba matando duas pessoas.

Sobe som da música “1812 – Overture” (Tchaikovski)

Marcelo Abud:
A versão em história em quadrinhos de “Crime e Castigo” permite que a obra de Dostoiévski pode ser usada para discutir diversos assuntos da atualidade, como guerras e justiça.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Livro Aberto, do Instituto Claro.

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Receba NossasNovidades

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.