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Movimentos com o objetivo de espalhar desinformação e negar a ciência não são novidade, mas têm alcançado cada vez mais pessoas nos últimos anos. “Os negacionistas têm todos os canais possíveis para serem ouvidos com o advento da internet e redes sociais. E esse é um dos motivos para essa desinformação se espalhar exponencialmente”, acredita o professor do Instituto Federal de São Paulo e colaborador no programa de pós-graduação em Ciências e Matemática da Universidade Federal do Maranhão Aldo Aoyagui Gomes Pereira. Para ele, as aulas de ciências na educação básica podem ser uma forma de combater o problema. Especialmente, se elas forem baseadas no conceito de Alfabetização científica, ou seja, se apresentarem ferramentas aos alunos que permitam fazer conexões entre o conhecimento científico e o mundo real.

A professora da educação básica Camilia Aoyagui dos Santos, coautora de Pereira na pesquisa “Desinformação e negacionismo no ensino de ciências: sugestão de conhecimentos para se desenvolver uma alfabetização científica midiática”, cita algumas perguntas essenciais que considera importante de serem ensinadas aos alunos. “Esses supostos especialistas têm expertise? Ele estudou esse assunto? Ele tem livro publicado? Ele tem artigo publicado? Tem credenciais, ou seja, como que ele é aceito na comunidade científica? Será que ele tem uma especialidade nesse assunto?”, enumera.

No áudio, os pesquisadores trazem mais exemplos de como aplicar, na prática, a alfabetização científica e citam o documentário “Mercadores da dúvida”, baseado em livro da historiadora da ciência Naomi Oreskes, como uma boa maneira de entender como o negacionismo se constrói.

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Transcrição do Áudio

Música “O Futuro que me alcance”, de Reynaldo Bessa, em versão instrumental, fica de fundo

Camilia Aoyagui dos Santos:
Então você tem exemplos aí, principalmente Youtube, de supostos especialistas colocando jaleco, falando com termos da área científica, com essa retórica científica, com termos científicos, citando estudos, porém, sem referenciar esses estudos; dizer da onde foram retirados esses estudos.
Eu sou a Camilia Aoyagui dos Santos, professora da educação básica e do ensino superior e, atualmente, estou desenvolvendo projeto de pesquisa na temática de alfabetização midiática, voltada, especificadamente, para alimentos.

Aldo Aoyagui Gomes Pereira:
Esses indivíduos denominados negacionistas têm todos os canais possíveis para serem ouvidos com o advento da internet e redes sociais. E esse é um dos motivos, é uma explicação, do porquê dessa desinformação, fatos alternativos – fake news, né – se espalharem, exponencialmente, nos últimos anos.
O meu nome é Aldo Aoyagui Gomes Pereira, professor do Instituto Federal de São Paulo, no campus Piracicaba; e sou professor colaborador no programa de pós-graduação em Ciências e Matemática da Universidade Federal do Maranhão.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Marcelo Abud:
De que forma as aulas de ciências podem combater afirmações falsas e distorcidas? Especialistas no assunto, Aldo e Camilia afirmam que, o primeiro passo, é entender a origem e os motivos que têm permitido o crescimento do negacionismo.

Aldo Aoyagui Gomes Pereira:
Todos os indivíduos, todas as pessoas, possuem conhecimentos prévios, crenças, valores; possuem um viés ideológico, construídos, ao longo da nossa vida, através dos nossos familiares, através da sociedade, dos nossos amigos, do ambiente religioso do qual a gente participa. Então todos nós possuímos esses conhecimentos.
O problema é que muitas vezes o conhecimento científico entra em conflito com esses conhecimentos que nós já temos. E o resultado disso são vários, entre eles, o negacionismo. Ele se manifesta de várias formas, mas, a principal, é quando os indivíduos criam uma realidade paralela, onde, nessa realidade paralela, as verdades científicas elas são ressignificadas. Então quais são as verdades científicas nessa realidade paralela? São que: máscara não é eficiente para combater vírus; a Terra é plana; o aquecimento global é uma farsa. Essas são as verdades criadas nessa realidade paralela.

Música: “Terra Plana” (John Ulhôa), com Fernanda Takai
E se alguém te contar
Que a terra é plana
E que não dá para o espaço viajar
Será que você vai acreditar?

Marcelo Abud:
O professor Aldo explica que a alfabetização científica envolve três dimensões e que, por meio delas, é possível mostrar que o negacionismo não se sustenta.

Aldo Aoyagui Gomes Pereira:
Todo tipo de conhecimento científico envolve praticamente a dimensão de você conhecer os significados, os conceitos, as definições de ciência; uma segunda visão seria você entender a ciência por dentro: os processos da ciência, a metodologia científica, como que a ciência trabalha – é você entender como que a ciência produz conhecimento; e a terceira visão, que está mais associada ao tipo de pesquisa que nós fazemos, seria a seguinte: ‘olha, como que eu posso aplicar esse conhecimento na minha vida?’.
Ou seja, pra me ajudar a ter uma qualidade de vida melhor enquanto indivíduo e enquanto coletividade? Mas por que isso é tão importante atualmente? Porque a ciência faz parte do nosso cotidiano desde o momento que nós acordamos: nas nossas opções do que vamos consumir; nos instrumentos que nós estamos utilizando, sejam instrumentos de comunicação, como mídia convencional, internet, redes sociais. Daí a importância da alfabetização científica no momento atual que nós estamos vivendo.

Marcelo Abud:
A professora Camilia apresenta perguntas que estudantes devem aprender a fazer, para que identifiquem se o dado científico é verdadeiro ou não.

Camilia Aoyagui dos Santos:
Esses supostos especialistas têm expertise? Ele estudou esse assunto? Ele tem livro publicado? Ele tem artigo publicado? Tem credenciais, ou seja, como que ele é aceito na comunidade científica? Será que ele tem uma especialidade nesse assunto? Ele pode apresentar todos os gráficos lindos ali, direitinho, explicando que cura isso, cura aquilo, quantas pessoas foram curadas, porém… a credibilidade? O que a comunidade científica diz sobre? O que a Organização Mundial da Saúde diz? Então ele pode ser um dissidente dentro da comunidade científica. E a gente tem inúmeros exemplos: é óleo essencial, é quiabo que cura diabetes, abacaxi que cura isso, aquilo, diminui colesterol, né?

Música: “Anjos Tronchos” (Caetano Veloso)
Um post vil poderá matar
Que é que pode ser salvação?
Que nuvem, se nem espaço há
Nem tempo, nem sim nem não
Sim nem não

Marcelo Abud:
Outro ponto importante é tratar em aula sobre como se chega a um conceito científico.

Camilia Aoyagui dos Santos:
Por exemplo, de que o antibiótico realmente mata bactéria. Como que a comunidade científica chegou nesse embate? A partir do quê? A partir de vários cientistas com pontos de vistas diferentes, muitas vezes, mas que houve esse debate, para que eles chegassem num senso comum. Para chegar a uma conclusão que chegue à sociedade.
Esse seria, a meu ver, um caminho. Mostrar que sim: há a diversidade, que reflete o que é a sociedade dentro da comunidade científica. Então essa diversidade de crenças, valores, opiniões, divergências, mesmo dentro da ciência, de experimento, de dado científico, ele tem que chegar num consenso para que isso chegue na sociedade. Esse tipo de atividade daria pra se trabalhar muito bem, por exemplo, no ensino médio, porque isso é a construção da ciência e o aspecto social da ciência sendo colocado em sala de aula.

Marcelo Abud:
O documentário “Mercadores da dúvida”, de 2014, mostra que, muitas vezes, assuntos como mudanças climáticas são tratados por supostos especialistas, quando, na verdade, são pessoas que se comunicam bem e estão a serviço de grandes corporações.

Camilia Aoyagui dos Santos:
Esse conceito dos ‘mercadores da dúvida’, foi colocado nesse livro da Naomi Oreskes, uma historiadora da ciência, e tem um documentário, aliás, muitíssimo interessante que os professores também poderiam trabalhar em sala de aula.

Aldo Aoyagui Gomes Pereira:
Eu vou citar em relação ao investimento global: se existe um consenso de que o aquecimento global existe e é antropogênico, a sociedade vai cobrar do Estado políticas de regulação, políticas de diminuição do CO². E isso afeta, nitidamente, nesse caso, as indústrias do petróleo. Então, já é bem documentado, em vários artigos, em vários trabalhos, que essas estratégias foram utilizadas pela indústria petrolífera para retardar possíveis políticas públicas de diminuição do CO². E isso tem um nome: isso se chama conflito de interesse.

Camilia Aoyagui dos Santos:
E aí ao apresentar esses dados para a sociedade, para os congressos, usam toda a retórica e estratégias, por exemplo: dados, gráficos, falas, dramaticidade, dramatização, técnicas de persuasão, que convencem muito mais a população do que, às vezes, o próprio cientista. Então eles geram essas dúvidas, eles são ‘mercadores da dúvida’, eles vendem a dúvida. Colocam dúvida em questões, como no caso do aquecimento global, onde não existe!

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
No momento em que crescem movimentos com objetivo de espalhar desinformação, a alfabetização científica traz argumentação e análise crítica como antídotos ao negacionismo.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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