Tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4439, movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que questiona a forma como o ensino religioso vem sendo praticado nas escolas públicas. A disciplina não vem sendo ministrada de forma facultativa, como o esperado para um estado laico, confundindo com uma abordagem optativa.
“O conteúdo optativo integra o currículo escolar e significa a possibilidade da escolha, por parte do aluno. Essa escolha deverá ser necessariamente feita. Já o facultativo não pode integrar o currículo de modo obrigatório. Facultativo significa que deve ser solicitada a matrícula, e não que se solicite a retirada de matrícula já feita. Ou seja, na prática, não tem sido facultativo e tem provocado diversos modos de violação do direito à liberdade de consciência e de crença”, descreve a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo (SP), Roseli Fischmann.
A PGR também questiona o ensino religioso confessional nas escolas públicas, quando são ensinados fundamentos ligados à determinada religião. Confira abaixo a entrevista concedida por Roseli ao NET Educação para esclarecer o assunto.
Roseli Fischmann em audiência pública sobre ensino religioso nas
escolas (Crédito: Carlo Humberto/STF)
NET Educação – O que diz a legislação sobre o ensino religioso nas escolas públicas?
Roseli Fischmann – O principal marco legal, em nível nacional, sobre ensino religioso nas escolas públicas é o Art. 210, §1º, da Constituição Federal, de 1988 [disponível aqui],que afirma: “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.”
NET Educação – Na prática, a disciplina é realmente facultativa?
Roseli – O tratamento que acabam por dar ao ensino religioso em escolas públicas confunde o caráter facultativo com uma abordagem optativa. O conteúdo optativo integra o currículo escolar e significa a possibilidade da escolha, por parte do aluno. Essa escolha deverá ser necessariamente feita. Já o facultativo não pode integrar o currículo de modo obrigatório. Facultativo significa que deve ser solicitada a matrícula, e não que se solicite a retirada de matrícula já feita. Ou seja, na prática, não tem sido facultativo e tem provocado diversos modos de violação do direito à liberdade de consciência e de crença.
NET Educação – Por que o ensino da religião nas escolas públicas é considerado inconstitucional?
Roseli – Promover o ensino religioso é matéria das famílias e das comunidades religiosas. Escolas confessionais, nos termos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), são detentoras da missão social de cuidar de garantir a diversidade religiosa entre as escolas, enquanto as escolas públicas são voltadas para todos da cidadania. Abrir as portas das escolas públicas para o ensino religioso, ainda que em caráter facultativo, não seria um modo de subvencionar cultos religiosos e criar relação de aliança com grupos religiosos, o que é, vedado às diversas esferas do Estado no Art. 19? Permitir que alguns grupos religiosos estejam presentes ou definam conteúdos de ensino religioso para escolas públicas não seria uma forma de “criar distinções entre brasileiros”, o que também é vedado pela Constituição?
NET Educação – Quais são os exemplos de violações que assistimos hoje?
Roseli – Há estados que atuam de modo inconstitucional, determinando oferta de ensino religioso no ensino médio das escolas públicas, portanto, expandido o proposto na Constituição, que se refere exclusivamente ao ensino fundamental. Há também situações nas quais é claramente a crença do docente que determina o que será ensinado. A título de ensinar “religiosidade”, acabem sendo disseminados preconceitos dos mais diversos tipos.
NET Educação – A religião é necessária para tratar assuntos como ética?
Roseli – Compreender que cada pessoa merece respeito, aprender a colocar-se no lugar dos outros, entender e praticar o diálogo e a argumentação como modo de resolução de conflitos, em vez de usar a violência são atitudes e habilidades que independem de conteúdos religiosos.
NET Educação – Assistimos um crescimento da intolerância contra adeptos de religiões de matriz africana. É possível vincular esse fenômeno com o ensino religioso nas escolas?
Roseli – Não necessariamente. Bem mais forte que o ensino religioso nas escolas públicas é o racismo ainda espalhado pela sociedade. A escola pode piorar o quadro de racismo e de discriminação religiosa, como pode promover práticas e ensinamentos que sejam engrandecedores do ser humano. A legislação voltada para a valorização das culturas e histórias indígenas e afrodescendentes são bons exemplos.
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