“A escola desempenha um papel de extrema importância para minimizar as desigualdades de gênero”. A opinião é da gerente de programas da ONU Mulheres, Ana Carolina Querino, entrevistada pelo NET Educação, nesta sexta-feira (7/3), data que antecede o Dia Internacional de Luta das Mulheres, comemorado anualmente em 8 de março.

Para ela, há questões ligadas às mulheres que poderiam ser trabalhadas por meio de ensino e aprendizagem, com o objetivo de diminuir o preconceito contra a mulher. “As principais estão relacionadas com o questionamento dos papéis sociais atribuídos às mulheres, normalmente restritos à esfera privada. Ou seja, questionar o porquê as mulheres seriam as únicas responsáveis pelo cuidado da casa e das crianças”, alerta. Acompanhe abaixo a entrevista completa.
Leia também:
NET Educação – Um dos seis Objetivos de Desenvolvimento do Milênio aprovados durante a Conferência de Dakar, a serem alcançados até 2015, é a “paridade e igualdade de gênero”. Como o Brasil está na questão? 
Ana Carolina Querino – A principal meta deste objetivo é a eliminação das disparidades entre os sexos em distintos níveis educacionais. Mas os indicadores também fazem referência à participação das mulheres no mercado de trabalho e na política. Na educação, o Brasil está em posição privilegiada. Mulheres estão em melhor situação que homens em todos os níveis educacionais e a diferença aumenta a medida que se evolui as séries. Podemos ver isto claramente no último relatório de acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: no ensino fundamental há mais meninos do que meninas, mas no ensino médio para cada 100 meninos havia 119 meninas e no superior para cada 100 meninos havia 133 meninas.
NET Educação – Então há vantagens.
Ana Carolina – Mas esta vantagem não se reverte em promoção da equidade de gênero e autonomia das mulheres de uma forma mais ampla. No Brasil, a taxa de participação no mercado de trabalho dos homens ainda é superior a das mulheres. Considerando a população acima de 16 anos, a deles é de 81,6% e a delas de 58,7%. A taxa de desemprego delas ainda é maior. A deles é 6,2%, a delas é 11%. E o mesmo se verifica em relação à desigualdade de renda. Elas ainda recebem pouco mais de 70% do que recebem os homens. Como no Brasil a questão racial também é fator estruturante das desigualdades sociais, as mulheres negras estão em maior desvantagem. O desemprego dos homens brancos é de 5% e o delas é de 12%, além de receberem cerca de 40% do salário de um homem branco.
NET Educação – Assim, há avanços na escolaridade das meninas, mas há necessidade de romper com desigualdades originárias de preconceito?
Ana Carolina – Sim. As desigualdades de gênero no país fazem com que percamos 63% de nossa capacidade de desenvolvimento humano. O que não é pouca coisa. Vemos que não conseguiremos atingir plenamente a meta de igualdade de gênero até o ano que vem. A avaliação do impacto da implementação dos indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio para as mulheres é pauta da Comissão sobre o Status da Mulher [CSW, na sigla em inglês], que ocorre entre 10 e 21 de março. A CSW é o principal organismo intergovernamental para discutir e avaliar o cumprimento das normas internacionais relacionadas com os direitos humanos das mulheres.
NET Educação – Qual é o papel da escola na inserção da mulher na sociedade?
Ana Carolina – A escola é fundamental para garantir a formação educacional formal das pessoas. Desempenha papel de extrema importância para minimizar as desigualdades de gênero em outras esferas. Não é o suficiente, mas sem esta educação formal, os índices de desigualdade seriam ainda mais acentuados. Para seguir avançando na equidade de gênero, será fundamental também atacar os fatores estruturantes da desigualdade, nos campos de espaços de poder e decisão, autonomia econômica e violência contra as mulheres.
NET Educação – Como a escola deve participar do processo da busca por igualdade de gênero?
Ana Carolina – Assim como as famílias, a escola colabora para a reprodução de estereótipos e valores em nossa sociedade. Neste sentido, é de suma importância que também desempenhe um papel ativo no questionamento e desnaturalização dos papéis sociais atribuídos a meninos e meninas e as consequentes desigualdades de gênero e raça.
Leia também:
NET Educação – Existem práticas que separam meninos de meninas nas salas de aula para realização de atividades. Isso é prejudicial?
Ana Carolina – É prejudicial no sentido que de estas práticas terão como consequência futura a reprodução de estereótipos de gênero e desigualdades sociais.
NET Educação – Quais são as questões ligadas às mulheres que poderiam ser trabalhadas por meio de ensino e aprendizagem?
Ana Carolina – As principais estão relacionadas com o questionamento dos papéis sociais atribuídos às mulheres, normalmente restritos à esfera privada. Ou seja, questionar o porquê as mulheres seriam as únicas responsáveis pelo cuidado da casa, das crianças e dos idosos. De que as mulheres são mais doces e choram com mais facilidade do que os homens, e outras. É importante salientar que os homens também podem chorar, que eles também podem cuidar da casa e das crianças. E que as mulheres podem ocupar quaisquer profissões que desejarem. Que não existe profissão de menino e de menina. Por meio do ensino e aprendizagem, é possível aos poucos eliminar a divisão sexual das áreas de conhecimento e trabalhar as questões relacionadas com os papéis tradicionais de gênero, que são igualmente difíceis para os homens.
NET Educação – Por que as profissões ligadas à educação ainda são na maioria dos casos composta por mulheres?
Ana Carolina – Como a educação e saúde são profissões ligadas às tarefas de cuidado e as mulheres, tradicionalmente, estão a cargo destas tarefas, temos muitas mulheres dedicadas a elas. No caso da educação temos ainda um fator agravante relacionado com a história da inserção das mulheres nos espaços públicos. Quando elas finalmente puderam estudar, tinham como opção entrar nos cursos normais, aqueles que preparavam as professoras para lecionar nas etapas de alfabetização das crianças. Posteriormente, foram conquistando outros espaços, mas ainda vemos reflexo disto na chamada divisão sexual dos campos de conhecimento.
NET Educação – Isso é ruim?
Ana Carolina – Isto é ruim, porque é parte da justificativa para termos mulheres com mais anos de estudo e ainda persistirem as desigualdades salariais, já que elas estão sendo formadas nas profissões menos valorizadas economicamente. E mesmo nestas profissões mais femininas, quando observamos os cargos de chefia, ainda vemos mais homens do que mulheres. O que é ruim neste fato é a persistente desvalorização das profissões relacionadas à educação e a existência desta divisão sexual das áreas de conhecimento.
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Talvez Você Também Goste

Notícias

A escola deve refletir como lidar com a questão de gênero

Coordenadora do “Mulheres Inspiradoras”, premiado pelo MEC, analisa o ensino para a igualdade

há 9 anos
Notícias

Para Maria da Penha, machismo dentro da escola precisa ser revisto

“Educação ajuda a desconstruir o pensamento de que o homem é superior à mulher”, diz

há 8 anos
Notícias

Ebook reúne artigos sobre educação e sociedade

Pensamento computacional, autoridade do professor e arte-educação são temas abordados pelos pesquisadores da Unesp

há 5 anos
Notícias

O legado de Florestan Fernandes para a educação

Professor e sociólogo entendia a sala de aula como instrumento para consolidar a sociedade democrática

há 9 anos

Receba NossasNovidades

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.