O número de estudantes com deficiência em salas de aula comuns aumentou. No ensino médio passou de 13,3 mil para 33,1 mil em quatro anos – crescimento de 150% –, de acordo com dados divulgados pelo jornal Folha de S. Paulo. Para a professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Adriana Marcondes Machado, o avanço demonstra que existe uma luta pela educação inclusiva.

No entanto, ela também afirma que a continuidade da progressão “implica em transformar a escola, em relação a tempo, espaço e procedimento”. “O modelo educacional é para ensinar ‘no atacado’ e de forma determinada, esse é um problema”, aponta ela. Apesar do aumento expressivo no ensino médio, no ensino fundamental, o Brasil tem 568,9 mil estudantes com deficiência.

Doutora em psicologia social, Adriana trabalha com o tema da educação inclusiva e concedeu uma entrevista ao NET Educaçãosobre o assunto. Acompanhe abaixo.

NET Educação – O número de estudantes com deficiência em salas de aula comuns no ensino médio subiu 150%. Como avalia o avanço?

Adriana Marcondes Machado – Faz mais de dez anos que temos uma política de valorização da educação inclusiva, que prevê que pessoas com deficiência estejam no ensino regular. Ao longo do tempo, passaram a ter esse direito. Muitas começaram crianças no ensino fundamental regular, portanto estão chegando ao médio. Mas há previsão de que aproximadamente 5% da população tenha algum tipo de deficiência mais grave. Assim, quantos ainda estão distantes da inclusão? Essa é uma discussão. O número representa uma ampliação da presença dos jovens, portanto mostra que existe uma luta, ainda mais sabendo que temos histórico de intenso distanciamento de jovens na idade em que deveriam estar no ensino médio da escola.

NET Educação – Qual a importância dessa inclusão?

Adriana – Estamos falando de crianças e jovens que podem aprender a serem alunos e absorver os conteúdos da escola. Eles têm esse direito. E a sociedade criou equipamentos que não ensinavam esses jovens com deficiência. O modelo educacional é para ensinar “no atacado” e de forma determinada, esse é um problema. Existe um currículo na escola e a presença dos alunos com deficiência exige que se produza um currículo novo.

NET Educação – Isso seria necessário para beneficiar para além da integração dos alunos com deficiência?

Adriana – Sim, pois se tem um jovem que vai muito bem em uma matéria e na outra não, o que fazemos? A escola, então, deveria lidar com muitos currículos. Hoje, na rede pública não temos mais repetição, com a progressão [continuada], mas há muitos jovens que estão começando o processo de alfabetização na 7ª série. O modelo escolar que contemple a diversidade de cada um também chega nessa questão.

NET Educação – A convivência dos alunos com deficiência com os que não têm deficiência traz benefícios?

Adriana – Um dos elementos principais do preconceito é o distanciamento, o desconhecimento em relação ao outro. Antes, havia uma ideia generalista das pessoas com deficiência por conta desse distanciamento. Então, é importante conviver com as diferenças para perceber as diferenças em cada um. Entender que não posso me definir como “sou uma pessoa normal”, porque eu sou diferente de qualquer outro, tendo ele deficiência ou não.

https://youtu.be/2LhJiUpYwls

Karolline Sales, instrutora de tecnologia assistiva, fala sobre
barreiras atitudinais que limitam pessoas com deficiência visual

(vídeos disponíveis em www.youtube.com/institutoclaro)

NET Educação – A inclusão de alunos com deficiência em sala regulares também cresceu no ensino fundamental (82,5%) e na educação infantil (59,8%). O que é preciso para continuar nessa progressão?

Adriana – Implica em transformar a escola, em relação a tempo, espaço e procedimento. Precisa de tempo de dedicação, ou seja, mais gente desempenhando funções. De diversidade de atividade, os alunos precisam exercer coisas que têm mais facilidade, para garantir o direito à educação.

NET Educação – Quais são os principais entraves?

Adriana – O funcionamento do sistema da educação. Se formos ver na ponta, uma escola precisa de mais gente e mais tempo dessas pessoas, e os professores não podem acumular trabalho. Então, inicialmente estamos falando disso: dinheiro para mais gente e melhor remunerada. É preciso ter tempo para uma reunião de professor, para saber sobre currículo e como avaliar esse aluno com deficiência. A partir da necessidade da ponta podemos pensar como se insere no cotidiano. Isso tem a ver com verba, organização e gestão.

NET Educação – Segundo dados do MEC de 2009, só 17,5% das escolas tinham dependências adequadas. Também ainda há falta de infraestrutura nas escolas para acessibilidade de todos os alunos?

Adriana – A acessibilidade é uma questão de cultura. Aplicar seu dinheiro numa rampa é cultural. Existem creches conveniadas em que crianças pequenas têm que subir escadas, porque se adequaram a um prédio inapropriado. Portanto, há falta de infraestrutura, mas não podemos dizer que as escolas precisam produzir a acessibilidade. Estão ali daquela forma por falta de gestão. As escolas já receberam aval para estarem assim. Não posso ir lá e dizer “olha, você está inadequado”.

NET Educação – E os professores. Estão preparados para lidar com todos?

Adriana – Os professores também fazem parte da cultura. O que podemos pensar é que tem estado presente a discussão da acessibilidade em vários locais. Antes, nossa formação dizia que quem tem problema deveria resolver isso sozinho. Mas não, é um problema coletivo. Pensando se os professores estão preparados para isso, todos somos formados em uma sociedade que tem dominado o oposto. Quero dizer que também na formação do professor é difícil ter experimentação para lidar com a diversidade. Falta inclusão na escola, mas como cobrar se estamos em uma sociedade que exclui.

NET Educação – Uma das metas do Plano Nacional de Educação, em tramitação na Câmara, prevê universalizar o atendimento de alunos com deficiência na rede regular até 2020. Será possível alcançar?

Adriana – Universalizar quer dizer ser possível que todos aprendam. Para isso, essa escola que temos não serve. Da forma que está, haveria muita dificuldade em dar conta em razão da estrutura. Se uma criança com deficiência tem que estar na escola, mas ao mesmo tempo em reabilitação, como articula a vida assim? Precisa de diversas questões articuladas.

NET Educação – Na última semana, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, anunciou que pessoas com deficiência terão 20 mil vagas este ano em cursos de formação inicial e continuada da Bolsa-Formação Trabalhador, parte do Pronatec. Até 2014, a meta é oferecer 150 mil vagas a esse público. Ajuda?

Adriana – Uma das coisas que podemos pensar é o quanto isso (vamos abrir vagas específicas) faz com que aquele equipamento se transforme. Essa medida afirma que não tem sido possível alterar os ensinos fundamental e médio, assim precisa abrir cotas. Ela tenciona o fundamental e o médio a mudarem? Ou deixa as coisas como estão? Mas a presença dessas pessoas já faz com que a universidade tenha que mudar. Terei que pensar como organizar a minha aula. O questionamento surge para o professor que antes não precisava se preocupar com isso.

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