Gênero musical bastante difundido entre os jovens, o funk pode ajudar a aproximar estudantes das aulas de artes e da educação matemática. No centro da proposta está a ideia de que música é organização — de sons, tempos, frequências e intensidades —, e que essa lógica é essencialmente matemática.

“Organizar som exige padrões matemáticos, incluindo a frequências das notas musicais, medidas em hertz. Também há matemática no ritmo: a duração dos sons é medida como tempo cronológico, como nos batimentos por minuto. Tudo isso é organização do tempo, das frequências e das intensidades, que são medidas em decibéis”, aponta o doutor em Musicologia e pesquisador do funk Thiago Barbosa Alves de Souza, o Thiagson.

Além disso, trabalhar com um ritmo presente no cotidiano dos jovens aproxima a aprendizagem de suas experiências culturais. “O funk é hoje central na vida do jovem brasileiro”, avalia.

Nesta entrevista, Thiagson explica como o funk pode se tornar um recurso potente para discutir divisão do tempo, ritmo, compasso, geometria e cultura afro-brasileira dentro da sala de aula.

Thiago Barbosa Alves de Souza, o Thiagson (Foto: arquivo pessoal)

Instituto Claro: Qual a relação entre funk e matemática?

Thiagson: O funk é música. E, como toda música, é uma organização do som — e organizar som exige padrões matemáticos, incluindo a frequências das notas musicais, medidas em hertz, e as 12 notas musicais do sistema temperado (padrão de afinação que divide o intervalo entre uma nota e sua repetição mais aguda). Também há matemática no ritmo: a duração dos sons é medida como tempo cronológico, como nos batimentos por minuto. O funk costuma trabalhar com 120 bpm, e no Rio existe o estilo de 150 bpm. Tudo isso é organização do tempo, das frequências e das intensidades, que são medidas em decibéis.

Quais habilidades matemáticas os estudantes desenvolvem ao estudar a estrutura rítmica do funk?

Thiagson: A primeira é entender como medimos o tempo: por que dividimos o tempo assim, por que uma hora tem 60 minutos, por que usamos certas unidades? É uma oportunidade para discutir as diferentes formas que a humanidade criou para quantificar o tempo.

Também dá para abordar como se encontram as frequências musicais. Quando falamos de ritmo, estamos falando de medir duração; quando falamos de notas, tratamos da organização das frequências. Cada nota (dó, ré, mi) vibra em hertz diferentes, e os acordes são combinações desses hertz. Certos acordes soam agradáveis porque encaixam entre si, e isso tudo é matemática.

Esse lado matemático da música ajuda a tornar concreto como a matemática aparece na vida. Eu mesmo só comecei a estudar e entender equações depois de olhar para as combinações de frequências, para como o ritmo se organiza, para a sobreposição de sons.

O passinho pode ajudar os alunos a visualizar, por exemplo, figuras geométricas?

Thiagson: As marcações do tempo musical se convertem para o dançarino em marcações do espaço. Quando a matemática vai para o corpo, a contagem dos tempos vira movimento coreografado.

Quais atividades podem ser realizadas com os alunos para explorar a geometria com funk?

Thiagson: O funk trabalha com uma matriz rítmica que geralmente se repete. Há variações, mas existe uma base rítmica fundamental. Uma atividade possível é representar esses padrões em um círculo: dividir o círculo em partes iguais, como já acontece na organização do tempo. Assim, é possível localizar onde está cada emissão sonora nesse círculo: o ‘tchun tchun tcha’. Cada variação forma um desenho geométrico.

Em relação ao ensino de música, como o funk pode ser utilizado para trabalhar conceitos de ritmo e compasso?

Thiagson: O funk está no centro da vida social dos jovens. Mesmo quem não gosta já ouviu tanto que assimila seus padrões de composição sem perceber. Se você pedir para alguém bater um funk na palma da mão, a pessoa faz no tempo certo porque isso está incorporado culturalmente.

A proposta é transformar esse conhecimento inconsciente em algo consciente: entender por que o padrão se repete, por que o ouvido humano prefere organização em vez de caos. O funk é uma música dançante justamente porque é organizada de um modo que convida o corpo a se mover.

Quais desafios surgem ao introduzir o funk na escola e como superá-los?

Thiagson: O principal desafio é social. Muitas pessoas não têm formação musical, e, quando falta conhecimento, sobra foco no conteúdo das letras, nas polêmicas e nos tabus. É tanta coisa na superfície que se perde o interesse pela estrutura musical e matemática.

Hoje existe uma ferramenta excelente, o Moises, que separa as faixas de uma música. É possível pegar um funk famoso, retirar a voz e trabalhar apenas com a base instrumental. Claro que é válido discutir letras — faz parte da cultura —, mas, para mostrar a organização sonora e matemática, olhar só para a música ajuda muito. O funk não faz sucesso apenas pelas letras polêmicas; a organização do som, que é profundamente matemática, é central.

É possível relacionar o ensino do funk com a valorização da cultura afro-brasileira nas escolas?

Thiagson: O ritmo do funk tem conexões profundas com tradições afro-diaspóricas. Há pontos de contato com a avamunha, ritmo tocado nos atabaques (instrumentos de percussão) no Candomblé, assim como com o ritmo afro-religioso congo de ouro.

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Crédito da imagem: arquivo pessoal

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