Foi ao perceber o interesse dos seus alunos pelo funk que a professora de Língua Portuguesa Rosilene Maria Nascimento, de Belo Horizonte (MG), teve a ideia de trazer o polêmico ritmo para dentro da sala de aula. “Os alunos ouvem funk o tempo todo. Aos finais de semana, frequentam bailes e todas as relações que estabelecem giram em torno desse gênero musical. Nesse sentido, entendi que se tratava de uma prática de letramento”, justifica Rosilene, que leciona no Ensino Fundamental para jovens e adultos.
Os alunos de 16 a 50 anos foram convidados a revisitar as letras das suas músicas preferidas, discutir as temáticas que elas abordavam e desenvolver artigos de opinião. “Eles discutiram luta de classes, hegemonia, sexismo, consumismo, organização política e cultura. Hoje são pessoas mais críticas e sentem-se mais seguros das suas posições e da sua argumentação”, comemora a professora.
Entre os benefícios da atividade, houve a quebra de estereótipos sobre o gênero musical, geralmente associado à objetificação da mulher, às drogas e ao tráfico. “Acontece que há outros funks que possuem letras ricas e críticas. O funk consciente, por exemplo, fala sobre o grito de opressão dos jovens nas periferias”, lembra. “É importante pensar também que outros gêneros musicais já abordaram esses temas. Nesse sentido, discutimos por que só com o funk esta preocupação se deu com tanta ostensividade”, aponta.
Inversão de papéis
Outra experiência com o funk em sala de aula foi realizada pela professora de Língua Portuguesa Marlucia da Silva Souza Brandão, da Escola Estadual Domingos José Martins, de Marataízes (ES). A iniciativa se deu após ela ouvir a discussão entre duas alunas do 1º ano do Ensino Médio sobre o assunto. “A classe se dividiu naturalmente em três grupos: aqueles que condenavam o ritmo, aqueles que defendiam o ritmo e aqueles que acreditavam que todo ritmo possui o seu lado bom e o seu lado ruim”, conta a professora.
Os grupos, então, colherem as opiniões de alunos de outras séries, além de pais e funcionários da escola. Um gráfico foi elaborado a partir das respostas e o resultado exposto no pátio do colégio. “Partimos, então, para um debate em sala de aula que possibilitasse a elaboração de argumentos consistentes, que pudessem ser utilizados na criação dos artigos de opinião”, afirma a professora.
O resultado surpreendeu a todos. “O retorno foi um processo de leitura e escrita indolor. Os alunos queriam escrever e dar a sua opinião”, destaca. “Criou-se certa cumplicidade entre mim e os alunos que defendiam o funk, já que o tema possibilitou a inversão de papéis: eu aprendia com eles”, assinala.
Aproximação com a escola
Para Rosilene, as atividades com o funk ajudam a aproximar os jovens da escola. “A gramática tradicional distancia-se da linguagem popular dos alunos que frequentam a escola pública do Brasil. Eles acabam por evadir-se desse espaço, que para eles nada tem a ver com a sua realidade”, explica. “Ao trazermos para a escola práticas sociais letradas do universo do aluno, estamos ideologicamente reconhecendo o seu discurso e criando dentro da escola um espaço mais democrático e acolhedor da diversidade”, completa.
Os trabalhos de Rosilene e Marlucia integraram a Olimpíada de Língua Portuguesa – Escrevendo o Futuro, de 2015.
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