A médica e educadora italiana Maria Montessori (1870-1952) criou um método pedagógico centrado na autonomia da criança e no respeito ao seu tempo de aprender. Em matemática, propôs um ensino concreto e sensorial, com o uso de materiais como barras numéricas, contas coloridas e sólidos geométricos. Esses recursos permitem que a criança compreenda noções de quantidade, sequência, operações e formas de maneira intuitiva.

“Antes da introdução à aritmética, o método Montessori propõe que, desde os dois anos de idade, as crianças sejam estimuladas com conceitos matemáticos de forma intuitiva, por meio da manipulação de materiais. A proposta está ligada ao desenvolvimento dos cinco sentidos e à compreensão concreta do mundo ao redor, o que favorece a construção do raciocínio matemático de maneira natural”, explica a professora e mestra em Educação Matemática Edilene Regina Dotto Janjar.

“Ela acreditava que era essencial fixar o pensamento a partir da experiência, permitindo que a criança manejasse objetos que dessem a ela condições de compreender concretamente aquilo que, mais tarde, será transformado em pensamento abstrato.”

Para isso, Montessori aperfeiçoou materiais didáticos criados por Jean Itard (1774–1838) e Édouard Séguin (1812–1880), registrando seu legado em obras como Psicoaritmética (1934) e Psicogeometria (1934).

“É interessante notar que muitas escolas hoje utilizam materiais inspirados no método Montessori sem saber, como blocos de madeira nos quais diferentes formas representam unidade, dezena, centena e milhar”, exemplifica o pedagogo e professor formado pela Associação Montessori Internacional Felipe Roquette.

‘Mente absorvente’

Segundo Janjar, Montessori utilizava materiais pensando em integrar o desenvolvimento da mente infantil ao interesse natural da criança pelos objetos. A partir dessa interação, identificou momentos específicos de aprendizagem, o que levou à formulação do conceito de “mente absorvente”.

“Por meio da manipulação curiosa desses materiais, ela percebeu que os pequenos têm momentos específicos para absorver determinados conceitos. Cabe ao professor observar atentamente esses sinais, entender em que fase a criança está e oferecer, no tempo certo, elementos concretos que favoreçam a aprendizagem”, afirma Janjar.

“Quando ela, por exemplo, demonstra interesse por formas, começa a explorar semelhanças e diferenças, tocando, comparando, testando. O papel do educador é enriquecer essa experiência com propostas e materiais que ampliem o conhecimento, respeitando o tempo e o percurso individual da criança”, complementa.

“Se ela encontra dificuldades, o professor pode trocar o material, oferecer outro que anteceda ou complemente o anterior e, assim, ajudar a superar o obstáculo com naturalidade. Isso exige observação”, assinala Janjar. “É algo diferente do modelo tradicional, voltado apenas à transmissão de conteúdo e sem vínculo com experiências concretas”, compara a professora.

Percurso matemático

Segundo Roquette, o método Montessori propõe uma caminhada na qual uma brincadeira sensorial vai, aos poucos, se transformando em conceitos matemáticos:

  • Aos dois ou três anos, a criança já tem contato com materiais como a torre rosa, a escada marrom e os encaixes cilíndricos, todos com dez unidades. “Esses objetos, sem a criança perceber, introduzem noções ligadas ao sistema decimal”, afirma o pesquisador.
  • Entre quatro e cinco anos, ao juntar cubos, a criança realiza adições, associando quantidades físicas aos resultados.
  • Um exemplo é o cubo do binômio. “Uma criança de três anos pode montar esse quebra-cabeça tridimensional sem saber que está lidando com álgebra. Mais tarde, ao estudar a fórmula, ela reconhece visualmente o conceito, pois já teve contato físico com ele. Assim, o entendimento vem antes da abstração”, explica Roquette.
  • “Para a divisão, há materiais que utilizam tubos de ensaio, facilitando a compreensão da partilha. As correntes ajudam tanto na contagem quanto nas operações de multiplicação”, completa. “Com o tempo, o uso dos materiais diminui, e a criança passa a fazer cálculos mentalmente ou os abandona e parte para o papel sem perceber, pois internalizou os conceitos”, pontua o professor.

Principais materiais

Barras vermelhas: indicadas para crianças a partir de dois anos, introduzem o sistema decimal. “Cada barra tem 10 centímetros a mais que a anterior”, relata Roquette.

Barras vermelhas e azuis: alternam as cores a cada 10 centímetros, facilitando a visualização das quantidades. “São materiais pré-elementares, anteriores ao material dourado. A criança aprende por associação: ao colocar o dedo sobre a segunda barra, ela identifica o símbolo ao lado, compreende que aquilo representa o número dois”, explica Janjar.

Fusos: introduzem o conceito de zero. “A criança coloca um fuso no espaço do número um, depois dois no número dois, até o nove. No espaço do zero, não se coloca fuso, ajudando a entender que zero é a ausência de quantidade”, comenta Roquette. “É possível brincar: ‘Me dá dois abraços? Três? E agora, me dá zero abraço?’ A criança ri ao perceber que não precisa abraçar, porque zero é nenhum.”

Tentos: encerram o período pré-elementar. “Verificam se a criança aprendeu a relação entre símbolo e quantidade, que são apresentados fora de ordem para serem corretamente associados”, diz Janjar.

Números de lixa: usados a partir dos três anos, ajudam no traçado dos números. “A criança passa o dedo sobre o número, o nomeia e, depois, aprende a traçá-lo com lápis, auxiliando no desenvolvimento da escrita”, descreve Roquette.

Tábua de Séguin: introduz a construção dos números de 11 a 99. A criança compreende a composição com dezenas e unidades por meio de placas móveis.

Material dourado: composto por cubinhos (unidades), barras (dezenas), placas (centenas) e cubos grandes (milhares), ajuda a criança a entender a hierarquia numérica e realizar operações como adição, subtração, multiplicação e divisão.

Visão de conjunto: formada por fichas que criam um quadro visual do sistema decimal. “A criança inicia buscando o número um e pega uma unidade. Segue até o nove. Ao tentar representar o número dez, percebe que precisa buscar uma nova ordem: a dezena. Assim, entende que a cada mudança de ordem há um agrupamento e uma nova representação”, explica Janjar.

Ábaco: auxilia na contagem, adição, subtração e multiplicação, com hastes e contas que representam unidades, dezenas, centenas e milhares.

Ábaco dourado: voltado à multiplicação, representa o sistema decimal com as cores e proporções do material dourado, reforçando a ideia de hierarquia numérica.

Sólidos geométricos: compostos por corpos redondos (como esfera, ovoide e cilindro) e poliedros (como pirâmides, prismas e cubos). “A aprendizagem começa com a esfera, o cubo e a pirâmide triangular, que correspondem às figuras planas já conhecidas pelas crianças. A proposta é estabelecer associações progressivas entre figuras planas e sólidos”, orienta Janjar.

Com o tempo, novos sólidos são introduzidos. “No primeiro ano do ensino fundamental, ela já começa a nomeá-los. No segundo ano, inicia a classificação entre corpos redondos e poliedros. Depois, os poliedros são divididos em pirâmides e prismas, e a criança aprende a calcular seus volumes”, finaliza a professora.

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