As discussões sobre o novo Plano Nacional de Educação (PNE) 2024-2034 estão em estágio avançado no Congresso, embora marcadas por disputas políticas e impasses sobre financiamento.
“O texto-base do PL 2.614/2024 está sendo analisado por uma comissão especial na Câmara dos Deputados, em um processo acelerado, incompatível com a profundidade e complexidade da demanda, e com previsão de seguir para o Senado ainda no segundo semestre, em um cenário político turbulento”, contextualiza a coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda.
“Em uma fase anterior, já encerrada, foi solicitado aos deputados que apresentassem proposições de emendas ao projeto”, acrescenta o presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Nelson Cardoso Amaral.
Segundo Pellanda, de um lado do embate estão entidades do campo educacional — muitas delas integrantes do Fórum Nacional de Educação —, que defendem metas ousadas e a vinculação de recursos.
“Do outro lado, há uma bancada neoliberal, apoiada por fundações empresariais que fazem lobby na área da educação, buscando equilibrar demandas por investimentos com a austeridade fiscal. A oposição de extrema direita, por sua vez, traz lobbies do agronegócio e de grupos fundamentalistas”, afirma Pellanda.
“Esses setores atuam para incluir mecanismos de avaliação e gestão por resultados, resistem a aumentos de gastos e defendem maior participação da iniciativa privada, especialmente no ensino profissionalizante e em parcerias público-privadas”, acrescenta.
Avanços e retrocessos
Para Pellanda, os avanços já consolidados no texto em discussão incluem a retomada da meta de universalização da educação infantil, a priorização da redução das desigualdades regionais, a inclusão de diretrizes para uma educação antirracista e a previsão de destinação de 10% do produto interno bruto (PIB) para a área.
“Por outro lado, propostas como a destinação de maiores recursos para a remuneração de professores enfrentam resistência, e tenta-se marginalizar o uso de mecanismos como o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), ainda ausente do texto”, lamenta.
Segundo ela, três temas concentram as maiores controvérsias: financiamento, qualidade e equidade.
“A maior polêmica recai sobre a regulamentação da atuação do ensino privado na educação pública, especialmente após as críticas ao Novo Ensino Médio e aos vouchers educacionais. Há também divergências sobre a inclusão de avaliações padronizadas como condição para repasses federais — uma bandeira de think tanks liberais, rejeitada por educadores e pelas evidências científicas”, destaca.
Erros que persistem
Em relação ao PNE anterior, Pellanda afirma que o novo plano apresenta tanto continuidades quanto rupturas.
“Mantém o caráter decenal e a estrutura de metas, mas incorpora demandas contemporâneas, como a educação digital. Contudo, o risco de repetir erros persiste, principalmente pela falta de mecanismos rígidos de fiscalização e pelo enfraquecimento do controle e da participação social. Além disso, falta um eixo voltado à educação ambiental de forma mais aprofundada, algo crucial nos tempos atuais”, avalia.
Outro ponto crítico, segundo ela, é a sub-representação de vozes docentes, estudantis e da sociedade civil nas discussões.
“Apesar das audiências públicas, a elaboração do plano ainda é dominada por perspectivas tecnicistas e empresariais, com pouca participação efetiva das comunidades escolares”, aponta.
Financiamento da educação
Para Amaral, três pontos definem o debate sobre o financiamento da educação no novo PNE. O primeiro é o estabelecimento da meta de investimento em relação ao PIB. “O texto propõe atingir 10% do PIB ao final do próximo decênio, sendo que atualmente o índice gira em torno de 5%”, explica.
O segundo ponto é a destinação dos recursos. “Defendemos que recursos públicos sejam aplicados exclusivamente na educação pública”, afirma.
O terceiro é a definição das fontes de financiamento para alcançar a meta dos 10% do PIB, além das já previstas por lei.
“A Constituição Federal estabelece três vinculações: a obrigação de a União aplicar no mínimo 18% dos seus impostos líquidos em educação, e de estados e municípios destinarem pelo menos 25%; a alocação de 2,5% da remuneração dos trabalhadores para a educação básica pública; e a exigência de que o PNE contenha metas relacionadas ao percentual do PIB a ser investido na área. Contudo, essa vinculação não foi acompanhada da definição de fontes para garantir esses recursos”, explica.
“A Lei nº 12.858/2013 ainda determina que 50% dos recursos do Fundo Social do pré-sal sejam destinados à educação até que as metas do PNE sejam cumpridas”, complementa.
Amaral destaca que a Conferência Nacional de Educação (Conae) 2024 aprovou, e a Fineduca defende, a incorporação de novas fontes de financiamento: recursos associados às riquezas naturais brasileiras — hídricas, minerais, petróleo e gás —, além do próprio Fundo Social do pré-sal; parte da arrecadação sobre casas de apostas e atividades similares; uma reforma tributária que torne a carga fiscal mais progressiva; e a recuperação de dívidas ativas dos entes federados, entre outras possibilidades.
“Também se destaca a discussão sobre o Custo Aluno Qualidade (CAQi), que tem previsão constitucional”, acrescenta.
Por fim, Amaral afirma que há uma divisão clara nos debates: os setores progressistas defendem a ampliação dos recursos, enquanto os conservadores acreditam que a melhoria na educação depende apenas da gestão eficiente dos valores já disponíveis.
“Essa visão se baseia em uma análise equivocada, que compara os percentuais do PIB investidos pelo Brasil aos de países do Norte Global. No entanto, ignora-se que os PIBs desses países são maiores e que o número de estudantes também é diferente. Computando isso, o Brasil investe por aluno cerca de 30% do que essas nações aplicam — valor que paga salários e define as condições físicas e materiais necessárias para uma educação de qualidade”, conclui Amaral.
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