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Algumas propostas de financiamento da educação, incluindo o novo texto do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), vinculam o repasse de parte da verba à meritocracia. Neste podcast, o Instituto Claro ouve dois especialistas da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo(FEUSP) para saber que consequências isso pode trazer. “Boa parte das escolas não têm laboratório, biblioteca, sala de informática; ou, se tem, pode ser que tenha tudo isso, mas não tenha um funcionamento regular”, observa o professor e pesquisador em política educacional da FEUSP, César Minto.

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O também professor, especialista em financiamento da educação, Rubens Barbosa de Camargo defende que os repasses deveriam levar em conta a superação de desigualdades de condições das escolas, mas normalmente as verbas têm sido destinadas às instituições que apresentam o que governos entendem como “melhores desempenhos de aprendizagem”.

Aumento da desigualdade

“Quando você começa a dar prêmio, a dar bônus, isso de uma certa maneira, para aquelas ‘melhores escolas’, vai provocando um afastamento ainda maior daquelas que têm maior dificuldade. A desigualdade, nesse caso, vai ampliando e não diminuindo”, afirma o professor Rubens Barbosa de Camargo, pesquisador em financiamento da educação e política educacional.

No áudio, eles criticam ainda o fato dos critérios de desempenho e meritocracia se restringirem às disciplinas matemática e português e que a relação entre financiamento da educação e desempenho produz problemas graves, como a eliminação de estudantes com dificuldades de aprendizagem e o aumento de treinamento para provas no lugar da dedicação à aprendizagem.

César Minto ressalta que dentro dessa lógica, a inclusão de alunos com deficiência fica comprometida. “Porque na sociedade capitalista não tem espaço para essas pessoas, porque elas são consideradas ‘estorvo social’, porque elas ‘nada produzem’, ao contrário, elas demandam cuidados ‘que custam’. E o ‘cobertor é curto’, essa é a lógica vigente”, denuncia. “Há muito ainda a ser feito nessa seara, políticas públicas inclusivas, eu quero dizer, para que essas pessoas com deficiência sejam consideradas portadoras de direitos, como todas e todos nós”, acredita o professor.

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Confira o especial Financiamento da Educação

Transcrição do Áudio

Música “The Bucket List”, de Quincas Moreira, fica de fundo

César Minto:
Os governos têm adotado políticas públicas com base na meritocracia e não têm mostrado nenhuma preocupação com as condições de funcionamento das escolas.
Professor César Minto, docente na Faculdade de Educação da USP; trabalho com política educacional.

Rubens Barbosa de Camargo:
Se é para pensar nessa repartição de recurso, deve ter como foco a superação de desigualdades. Nesse caso, os déficits educacionais.
Rubens Barbosa de Camargo, também sou professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e trabalho com financiamento da educação e política educacional.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
O texto do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, o Fundeb, prevê a meritocracia como um dos itens para destinar recursos financeiros às escolas.
O Instituto Claro conversa com especialistas da Faculdade de Educação da USP para saber que consequências isso pode trazer.

Rubens Barbosa de Camargo:
Quando você começa a dar prêmio, a dar bônus, as escolas que têm melhor desempenho tentam provocar competição e, de repente, essas escolas tentarem alcançar as suas metas – isso de uma certa maneira, para aquelas melhores escolas vai provocando um afastamento ainda maior daquelas que tem maior dificuldade. A desigualdade, nesse caso, vai ampliando e não diminuindo, seja por conta de equipamentos, espaços, pessoal etc.

César Minto:
Boa parte das escolas não têm laboratório, biblioteca, sala de informática; ou se tem, pode ser que tenha tudo isso, mas não tem um funcionamento regular. Não são equipamentos mantidos, renovados, além da questão já tradicional da falta de remuneração adequada dos professores, de falta de professores por conta deste desleixo todo, digamos assim.

Música: “A Cidade” (Chico Science), com Chico Science e a Nação Zumbi
E a situação sempre mais ou menos
Sempre uns com mais e outros com menos

Marcelo Abud
Para os entrevistados, se mais recursos são repassados a quem tem o que é tratado como “melhor desempenho”, isso aumenta a distância entre as escolas que têm mais condições e justamente as que precisam de mais aporte financeiro para diminuir essa diferença.

Rubens Barbosa de Camargo:
O que você tem que fazer é colocar mais recursos para as escolas públicas, acompanhar o que vai acontecendo nas escolas, colocando melhores condições de oferta; e, de uma certa maneira, estar propiciando uma troca de experiências positivas entre as diferentes escolas para uma ir aprendendo com a outra e tentando equalizar, tentando diminuir desigualdades e as diferenças e os déficits educacionais que a gente tem.

Música: “A Cidade” (Chico Science), com Chico Science e a Nação Zumbi
A cidade não para, a cidade só cresce
O de cima sobe e o de baixo desce

Rubens Barbosa de Camargo:
Onde colocar os recursos? Cidades onde você tem um grande déficit de atendimento das crianças; cidades onde você tem um grande número de analfabetos, sejam absolutos, sejam analfabetismo funcional, que não terminaram o ensino fundamental, por exemplo; teria que criar indicadores pra determinar quais são essas cidades, destinar, aí sim, parte do ICMS que vai ser redistribuído por município; como atender essas cidades que têm essa maior dificuldade. O ICMS e a complementação da União – 2,5% que a União vai ter que colocar como recurso -, que está sendo representado por ‘desempenho’, na verdade está escrito na Constituição que é ‘desempenho e superação de desigualdades’ e, portanto, eu olharia mais para a questão da ‘superação das desigualdades’ e com isso tentando, de uma certa maneira, equalizar a questão da oferta e da qualidade pra população, né? É nesse sentido que eu entendo que pode ser vista essa necessidade de redistribuição dos recursos a partir do novo Fundeb.

Marcelo Abud:
Apesar dos professores considerarem que o ideal seria a destinação de recursos com foco na superação de desigualdades, as verbas normalmente têm sido destinados às escolas que apresentam o que governos entendem como “melhores desempenhos de aprendizagem”.

César Minto:
Então, por exemplo, o desempenho dos estudantes em exames nacionais padronizados e focados num determinado aspecto, né, que se quer destacar. No caso, português e matemática, até porque as outras disciplinas todas são consideradas como perfumarias, as humanidades são consideradas como perfumarias. É esse o cerne da questão. E, de fato, quer dizer, sem ter nenhuma preocupação de verificar se esses estudantes tiveram a oportunidade de contato com aqueles conteúdos que estão sendo cobrados.

Música: “Assaltaram a gramática” (Lulu Santos / Wally Salomão), com Paralamas do Sucesso e Lulu Santos
Violentaram a métrica
Meteram poesia
Onde devia e não devia

Marcelo Abud:
Uma das consequências desse vínculo entre desempenho e financiamento pode ser uma maior dificuldade para o acesso e permanência de estudantes com algum tipo de dificuldade de aprendizagem.

César Minto:
Porque na sociedade capitalista não tem espaço para essas pessoas, porque elas são consideradas ‘estorvo social’, porque elas ‘nada produzem’, ao contrário, elas demandam cuidados ‘que custam’. E o ‘cobertor é curto’, essa é a lógica vigente. Então, da Constituição para cá, as muitas lutas que foram desenvolvidas, permitiram contemplar na legislação, do ponto de vista social, no desmonte dessa lógica vigente. Hoje as pessoas têm um pouco mais de receio e, concretamente, quer dizer, começa a se inaugurar uma nova era, onde essas pessoas elas não são mais invisíveis. E não só para o sistema de avaliação, hein, mas pra vida!

Música: “Rua de Passagem” (Lenine)
Todo mundo tem direito à vida
E todo mundo tem direito igual

César Minto:
Há muito ainda a ser feito nessa seara, políticas públicas inclusivas, eu quero dizer, para que essas pessoas com deficiência sejam consideradas portadoras de direitos, como todas e todos nós.

Rubens Barbosa:
Eu acho que isso é o que de melhor poderia revelar o que que é uma qualidade de ensino numa escola pública ou privada. Seja também de a gente perceber que cada vez mais as crianças, os jovens, os adultos, né, compreendem melhor o mundo pra poder interferir nele.

César Minto:
Pra fazer isso o que o Rubens está falando, pressupõe você ter avaliação diagnóstica antes. E aqui vale a pena distinguir ‘avaliação’ de mera ‘aferição’. Avaliação é quando você estuda o caso pra entender o que que é causa, o que que é efeito e atacar aquelas causas que produzem efeitos considerados indesejados; a aferição não se preocupa com isso. Por exemplo, os exames nacionais eles dão uma ‘fotografia’, circunstanciada, num determinado momento histórico, que cobra a devolução de um determinado conhecimento que se quer aferir. Ela não faz mais nada do que isso. E isso é tratado, equivocadamente, como (ênfase) ‘avaliação’.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Para os especialistas, se os recursos para a educação forem atrelados a desempenho, as escolas correm o risco de lidar com: maior pressão sobre gestores, professores e estudantes; eliminação de pessoas com dificuldades de aprendizagem; e o aumento de treinamento para provas no lugar da aprendizagem.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

 

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