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A meta 20 do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) trata do financiamento da educação, que tem relação direta com a qualidade e as condições de ensino no Brasil. “[Essa meta define que deveríamos] sair dos 5% do Produto Interno Bruto, até atingir 10%, ou seja, dobrar. Como estados e municípios já estão no limite, a grande condição para realizar o PNE era exatamente o protagonismo federal”, analisa o professor da Universidade de São Paulo (USP) José Marcelino de Rezende Pinto.

O papel da União

No entanto, ele salienta que, em vez de repasses de verba, a União tem sujeitado os recursos da educação à Emenda Constitucional nº 95, de 2016, que traz limites e paralisa o financiamento da educação básica por 20 anos. “Temos que questionar a Emenda 95. O Plano Nacional de Educação, em um contexto desse, fica completamente comprometido. Nós estamos congelando o futuro das crianças e jovens do Brasil. Isso é inaceitável”, acredita.

No áudio, o especialista prevê que o quadro só poderá ser revertido com a mobilização de toda a sociedade em debates como o que envolve a evolução do Custo Aluno Qualidade (CAQ), que pode ter impacto decisivo para a mudança na forma como acontece o financiamento da educação.

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Transcrição do Áudio

Música: “O Futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

José Marcelino de Rezende Pinto:
Temos que questionar, sim, a Emenda 95. O Plano Nacional de Educação, num contexto desse, fica completamente comprometido. Você congelar por 20 anos, através de uma Emenda à Constituição – que é uma coisa complicada de mudar – o futuro de um país… Porque no fundo é isso, nós estamos congelando o futuro das crianças e jovens do Brasil. Que dizer, isso é inaceitável.
Pode me chamar de Zé Marcelino, professor da USP, trabalho na área de política educacional, há uns 40 anos pesquisando o financiamento da educação quase, já. (risos)

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
O repasse de verbas federais para a educação pública tem diminuído nos últimos anos. A situação se agrava a partir da Emenda Constitucional 95, conhecida como Teto dos Gastos Públicos. Nesta edição, você vai entender o que tem comprometido o investimento na educação.

José Marcelino de Rezende Pinto:
A gente tem um sistema de financiamento que ele é muito vinculado à dinâmica da economia. Então, de cada 100 reais que a união arrecada, 18 tem que ir para a educação e, no mínimo, 25, de cada 100, que Estados e municípios arrecadam. Quando a economia vai bem, os impostos são arrecadados e, automaticamente, a educação tem mais recursos. Por exemplo, de 2005 a 2012, nesse período houve a aprovação do Fundeb, que é um fundo importante para a educação básica.
E, principalmente, houve uma ampliação muito grande do gasto federal em educação. Às vezes a gente acha que o governo federal é quem mais coloca dinheiro na educação, e não é verdade. De cada 10 reais que são investidos em educação no Brasil, o governo federal coloca, mais ou menos, dois. Ou seja, ele coloca pouco. Mas nesse período que eu estou comentando, que vai até 2012/2013, o governo federal dobrou o gasto na educação em relação ao PIB, ou seja, gastava na faixa de 0,5% do PIB, com a educação, e chegou a 1,1% do PIB.
Marcelo Abud:
Por estar atrelado ao desempenho da economia, o repasse de verbas para a educação tem caído há cerca de uma década. Por outro lado, segundo o professor, até o início do atual governo federal ainda havia uma preocupação com essa área.

José Marcelino de Rezende Pinto:
Nós vivemos aí no período de 2014 – 2018 vários programas federais através de transferências voluntárias, ou seja, não estava previsto na Constituição, e colocou dinheiro pra muitos Estados e municípios. São vários programas: tinha o “Mais Educação”, que era um programa que ampliava a jornada do aluno na escola; programas de fomento a colocar equipamentos nas escolas. Isso tudo foi cortado.
A colega Nalú Farenzena, né, que é presidente da Fineduca, o último levantamento que ela mostrou é o seguinte: basicamente, hoje, o que o governo federal passa para estados e municípios de dinheiro, que não seja aquilo que é o do Fundeb ou é a quota que já é de estados e municípios, é alguma coisa como sete bilhões. E já foram trinta, percebe? Quer dizer, hoje o governo federal ele simplesmente coloca a chamada “Cota Federal do Salário-Educação”, que é um dinheiro que ele já é obrigado a colocar. Você não tem, digamos, nenhum esforço.

Marcelo Abud:
Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 95, o Plano Nacional de Educação (PNE), que determina diretrizes, metas e estratégias até 2024 se vê ameaçado.

José Marcelino de Rezende Pinto:
É o risco de inviabilizar… o Plano Nacional de Educação, votado em 2014, estabelece um conjunto de metas: ampliar vagas de 0 a 3 anos pra 50% do atendimento; ampliar a educação profissional (a nossa oferta é muito baixa quando eu comparo com outros países); outra meta importante: ampliar a oferta de educação superior (quer dizer, você tem 75% das matrículas em instituições privadas – então as pessoas vão ter que pagar – e pra entrar numa pública, que é gratuita, você vai ter que passar num funil gigantesco).
Bom, tudo isso, o Plano Nacional de Educação buscava equacionar. Por isso é que a meta 20 do Plano Nacional, o que ela definia? Que a gente tinha que sair dos 5% do PIB, né, do Produto Interno Bruto, até atingir 10, ou seja, nós teríamos que dobrar. Como Estados e municípios já estão no limite (eles são responsáveis por 3/5 do gasto educacional) e têm menos dinheiro do que o governo federal, então, a grande condição pra viabilizar o Plano Nacional de Educação era, exatamente, um protagonismo federal.

Música: “O Pequeno Burguês” (Martinho da Vila)
Felicidade, passei no vestibular
Mas a faculdade é particular

José Marcelino de Rezende Pinto:
Seja por políticas intencionais, seja pela Emenda 95, que congela o teto dos gastos por 20 anos (não todos, o pagamento de juros da dívida, esse está liberado – então a gente vê que são dois pesos e duas medidas); os gastos sociais (com educação, com saúde, com segurança pública) estão congelados. Quer dizer, vamos supor que o Brasil comece a crescer. Isso, pra a educação, pra saúde, seria ótimo, porque elas estão vinculadas à arrecadação. Com a Emenda 95 isso não ocorre mais.
Então, mesmo que a economia brasileira dobre, o gasto com educação, com saúde, continua exatamente o mesmo, corrigido só pela inflação. É o pior dos mundos. A gente continua gastando 5% do PIB com educação, só que o PIB caiu. É 5% de um bolo que já não era muito grande e agora está menor.
A gente tinha aprovado o Fundo do Pré-Sal, que era exatamente pra educação. Esse fundo também está sendo cada vez mais diminuído.

Marcelo Abud:
Marcelino acredita que ainda é possível reverter esta situação de falta de investimento na educação básica, pública e de qualidade.

José Marcelino de Rezende Pinto:
Nós temos algumas diretrizes já. Nós temos um Plano Nacional de Educação que vai até 2024. Nós temos que ‘correr atrás do prejuízo’, na verdade, é isso, né, é igual time que está caindo pra segunda divisão. É brigar por esse plano. O Fundeb foi uma conquista fundamental da sociedade brasileira. Nós precisamos avançar na regulamentação. Um item fundamental é a ideia do custo-qualidade, porque aí eu passo a financiar a educação, não pelo dinheiro que tem, mas pelo dinheiro que o país precisa. Quer dizer, quanto que o país acha que é adequado gastar por um aluno para ter qualidade? Eu saio dessa sanfona que a gente vive (assim, a economia cresce, tem dinheiro; a economia cai, não tem dinheiro; quer dizer, eu garanto um patamar mínimo).
Todo estudante brasileiro vai estudar em escolas com condições dignas. Ainda vão continuar as diferenças, mas, pelo menos, o básico, a gente garante, que é, exatamente, o que está por trás da ideia do custo-aluno-qualidade, que hoje está na Constituição. Está há vinte anos na Constituição, mas precisa regulamentar, né?

Música: “E vamos à luta” (Gonzaguinha)
Eu acredito é na rapaziada
Que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada
Que não foge da fera e enfrenta o leão

Marcelo Abud:
Para o pesquisador, a participação da sociedade nos debates e cobranças que priorizem a educação é o que pode fazer a diferença para frear os retrocessos.

José Marcelino de Rezende Pinto:
Eu sou otimista. Quando a gente olha a história brasileira, num intervalo de tempo maior, a gente vê grandes conquistas. A gente mostra os problemas, mas tem que ter uma noção que, principalmente, com a mobilização (se ficar parado, não muda), mas se houver a união de pais, dos estudantes – eu acho que… (professores, obviamente) – a gente avança. Agora é um consenso no mundo inteiro: é que professor faz a diferença. Países que – ou têm bons indicadores ou conseguiram melhorar os seus indicadores – investiram, pesadamente, na valorização dos professores.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
O Plano Nacional de Educação só será alcançado se houver uma grande mobilização e cobrança para o cumprimento das metas propostas até 2024.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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