Diversos mitos rondam os votos brancos e nulos, que cresceram nas eleições presidenciais de 2018 e atingiram o maior percentual desde 1989. No segundo turno, foram 2,4 milhões de votos brancos e 8,6 milhões nulos, totalizando 42 milhões de abstenções com os eleitores que não compareceram às urnas. Enquanto o primeiro ocorre quando o eleitor aperta o botão “branco” da urna para depois confirmar, o voto nulo acontece quando ele digita um número inválido. Ambos são desconsiderados na contagem oficial.

Advogada, apresentadora e autora do livro “Política é para todos”, Gabriela Prioli lembra que votar em branco ou nulo não deixa de ser uma escolha. “Não significa se abster da responsabilidade. Pode parecer mais confortável, mas o eleitor conviverá com sua escolha”, explica. Ela esclarece algumas dúvidas sobre o tema em uma entrevista exclusiva. “Não escolher é uma escolha”, destaca.

Instituto Claro: O que significa votar em branco ou nulo em uma eleição?

Gabriela Prioli: Significa se abster de uma escolha. O voto branco ou o nulo não são computados na contagem final. Os votos considerados são os válidos, ou seja, aqueles que foram para um candidato específico. Na prática, brancos e nulos são jogados fora.

Por que a democracia oferece as duas possibilidades?

Prioli: Ela reconhece que, às vezes, o cidadão não consegue escolher e não deveria ser obrigado a ir contra as suas convicções. Ou mesmo, o cidadão pode não ter podido se familiarizar com um candidato e prefere não se comprometer sem conhecer.

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Votar em branco ou nulo significa se abster ou ignorar o debate?

Prioli: Não necessariamente. A pessoa pode fazê-lo consciente de que não consegue escolher entre as opções possíveis. Mas é uma ação com pouco ou nenhum resultado prático. Se as opções na mesa não lhe representam, a função do cidadão é trabalhar para que uma nova alternativa, mais alinhada aos seus valores e vontades, concretize-se. Não adianta só dizer “não me representam”— o que pode ser representado como o voto branco ou nulo — e não fazer nada. Na prática, é uma escolha que você deixa na mão de outras pessoas. Pode parecer mais confortável, mas você conviverá com ela, portanto não me parece bom.

Quais as consequências de um voto nulo ou branco?

Prioli: Concretamente, nenhuma. Um ou outro candidato vai se eleger de qualquer forma. O voto nulo ou branco não consegue impedir isso. Abstratamente, podemos pensar numa diminuição da legitimidade do pleito. Altos números de abstenção são sempre motivo para pessoas que querem alimentar o discurso de que o mundo político não as representa. Contra tudo o que está aí. Mas, reiterando, pode ser uma desculpa confortável para a inércia deliberada. Se quisermos ser um pouco mais esperançosos, talvez seja um sinal de que, se outro candidato tivesse se apresentado, pudesse ter sido viável. Mas acho essa construção mais difícil. No primeiro turno, sempre há candidatos para todos os gostos. Se uma dessas pessoas não se viabilizou para o segundo turno, é porque não tinha apoio o suficiente. Além disso, pessoas votam em branco por motivos diferentes. Não são, necessariamente, uma força política coesa.

Há quem acredite que se metade dos eleitores votarem nulo, a eleição é anulada.

Prioli: Existe essa notícia falsa que circula muito. A única consequência de votar nulo é a desconsideração do voto.

É preciso entender o voto nulo ou em branco como uma decisão?

Prioli: É uma decisão pessoal, a de não conseguir escolher. Para a coletividade, é uma pena.

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O que devo fazer, como cidadão, antes de tomar essa decisão de votar em branco ou nulo?

Prioli: A lição de casa: estudar os candidatos, suas propostas, seus aliados e não deixar de olhar a história política daquela pessoa. Afinal, ela pode estar defendendo algo agora que não condiz com o que ela sempre foi. Isso é um grande indício. Eu diria que a pessoa que está inclinada a votar em branco tem que fazer um exercício a mais: o de tentar. Tentar sopesar um ou outro candidato. Uma proposta contra a outra, uma equipe contra a outra, o histórico de um contra o do outro. Votar, no final das contas, é escolher. Acho que temos que tentar fazer essa escolha ao máximo. E, claro, pensar na política mesmo antes das eleições e trabalhar pela construção de um cenário no qual a escolha não lhe pareça mais impossível.

Quando votar e quando não votar em branco ou nulo?

Prioli: Só votamos branco e nulo quando não conseguimos fazer uma escolha consciente. Lembrando que, mesmo votando branco ou nulo, não nos abstemos da responsabilidade. A responsabilidade pelo resultado de uma eleição é sempre compartilhada entre todos os cidadãos. Não escolher é uma escolha.

Eu preciso me identificar com todos os pontos de um candidato para escolhê-lo?

Prioli: Todo mundo têm valores, inclinações e coisas que acreditam serem importantes. É na hora do voto que elas devem entrar em jogo. É difícil não ter um candidato que, depois de uma análise cuidadosa, não lhe represente um pouquinho a mais do que outro. Não precisa ser em absolutamente tudo, percebe? Identificação absoluta é difícil, então, precisamos trabalhar nessa contraposição dos prós e contras dos candidatos que se apresentam. O seu voto importa muito. Todos contam com ele para nos ajudar a decidir os rumos do país. Assim, não deixe de votar, de fazer esse exercício, às vezes penoso, de escolher. É esse esforço que vai contribuir para fortalecer a democracia. Compartilhamos a responsabilidade de construir a nossa política. Temos que reconhecer e assumir essa responsabilidade conosco, com o outro e com a sociedade. E quanto mais os políticos notarem uma população ativa e consciente, mais incentivo terão para apresentar projetos que reflitam os interesses dela.

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Atualizado em 27/07/2021, às 14h22

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