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A participação da sociedade civil é fundamental para auxiliar ou frear decisões políticas. Tão importante quanto esta atuação é a presença de cidadãs e cidadãos comuns nas decisões que afetam o dia a dia deles próprios. “Na maior parte das vezes que a gente fala ‘processos participativos abertos à sociedade civil’, a gente está falando de grupos especializados que têm uma atuação regular, intensa, naquela temática. Quando a gente fala em participação cidadã, eu costumo dizer que é a sociedade, principalmente, as pessoas que estão na luta diária pela vida”, diferencia a cientista social e cofundadora do Delibera Brasil Silvia Cervellini.

O Coletivo é uma organização sem fins lucrativos e suprapartidária que objetiva contribuir para o fortalecimento e aprofundamento da democracia brasileira, por meio da criação de minipúblicos, metodologia que teve início nos anos 1970, nos Estados Unidos e na Alemanha.

Grupo sorteado para o Conselho Cidadão de Fortaleza em reunião (crédito: divulgação / Delibera Brasil)

“Você vai fazer um sorteio aleatório de pessoas, mais velhas, mais novas, homem, mulher, em diferentes ocupações, que represente a população. E aí você reúne todas as pessoas por algumas sessões, três, quatro, cinco encontros, onde as pessoas se conhecem, recebem informação daquele tema, interagem e fazem uma recomendação, uma proposta pra resolução do problema”, sintetiza a administradora de empresas e também cofundadora do Delibera Brasil Fernanda Império.

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Protagonismo popular

O minipúblico, também chamado de Júri Cidadão ou Assembleia Cidadã, viabiliza a deliberação ao recrutar e sortear um grupo pequeno, mas representativo de uma comunidade ou população (bairro, cidade, estado ou até do país).
Em dezembro de 2019, por iniciativa da prefeitura local, dezenas de pessoas participaram de reuniões do Conselho Cidadão de Fortaleza. Os cidadãos fizeram cinco encontros pra deliberar sobre a questão do lixo e sobre gerenciamento de resíduos sólidos na capital cearense.

“Você tem ali desde a senhora do condomínio, que está falando só que ela separa (o lixo), mas ela não tem muito a ideia do que acontece com aquilo, até o catador ou o cara que é vizinho do catador. Todo mundo reunido pra achar uma solução”, explica Império.

participação cidadã
Conselho cidadão discutiu a questão do lixo em Fortaleza, no final de 2019 (Foto: Thayna Araujo/divulgação)

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Essas recomendações cidadãs têm grande chance de ajudar e impactar na formulação e nas decisões de governos e iniciativas de interesse público. A ideia segue modelo proposto pelo cientista político Graham Smith, que definiu benefícios democráticos para essa deliberação cidadã.

“Esses benefícios seriam: a inclusão; o julgamento ponderado, ou seja, a informação que permite que as pessoas coloquem na balança e façam uma reflexão de escolhas; a eficiência, o quanto aquela resposta, aquela decisão trazida pela deliberação cidadã é melhor do ponto de vista do coletivo; a transparência; e o controle social, o cidadão e a cidadã no centro da decisão”, conclui Cervellini.

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Transcrição do Áudio

Música Family Montage, de Biz Baz Studio, de fundo

Fernanda Império:
Sou Fernanda Império, trabalhei muito tempo com pesquisa em vários lugares do Brasil; na América Latina. Juntando a experiência de várias pessoas, a gente fez a construção do Delibera Brasil com vários olhares sobre as questões.

Silvia Cervellini
Eu sou a Silvia Cervellini, co-fundadora do Delibera Brasil e antes fiz uma carreira em pesquisa de opinião pública no Ibope; estou me dedicando a essa causa da participação cidadã e do fortalecimento da democracia, para pensar essas questões de decisões coletivas, decisões de interesse público no país.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Qual a importância da participação de cidadãs e cidadãos comuns em decisões que envolvem desde o recolhimento do lixo no bairro até apontamentos para uma política pública? A cientista social e especialista em opinião pública, Silvia Cervellini, explica por que as contribuições dessas pessoas auxiliam na tomada de decisões de interesse público.

Silvia Cervellini:
O funcionamento das sociedades contemporâneas está se deparando com escolhas difíceis. Nós temos recursos escassos, sobretudo, se a gente pensar na natureza, no nosso planeta, na nossa casa. São escolhas de longo prazo, escolhas que envolvem pensar a relação no valor do amanhã. E tudo isso os nossos sistemas tanto econômicos quanto políticos não estão dando conta. Então é por isso que a cidadania precisa ser chamada novamente para o centro das decisões políticas nas nossas democracias.

Fernanda Império:
Nesse sentido a gente está batendo muito nessa pauta de alguém do legislativo que usa a deliberação como mecanismo de tomada de decisões difíceis. A deliberação ajuda quando a resposta não é fácil. Quando você precisa ter argumento, seja para o teu eleitorado, por exemplo, de por que você tomou essa decisão? Eu acho que, às vezes, o governante ou o parlamentar tem um pouco medo de ouvir, porque acha que vai dificultar a decisão. Talvez as pessoas se surpreendam que possa facilitar as decisões difíceis. O grupo acaba tendendo a um consenso, acaba tendendo a achar um caminho para resolver a polêmica.

Música: “Todos juntos” (Chico Buarque, Sergio Bardotti, Luis Enriquez Bacalov), com “Os Saltimbancos”
Todos juntos somos fortes
Somos flecha e somos arco
Todos nós no mesmo barco
Não há nada pra temer

Marcelo Abud:
Silvia aponta diferenças entre a participação da sociedade civil organizada e a da cidadania.

Silvia Cervellini:
Na maior parte das vezes que a gente fala ‘processos participativos abertos à sociedade civil’, a gente está falando de grupos especializados que têm uma atuação regular, intensa, naquela temática. Quando a gente fala em participação cidadã, eu costumo dizer que é a sociedade, principalmente, as pessoas que estão na luta diária pela vida, seus orçamentos, suas famílias, suas casas, e não conseguem se organizar ou nem querem, talvez não queiram dedicar o tempo necessário pra isso, porque dão prioridade pra outras coisas, que têm todo o direito, inclusive.

Marcelo Abud:
A deliberação cidadã tem por princípio ouvir a sociedade como um todo.

Fernanda Império:
Você vai fazer um sorteio aleatório de pessoas mais velhas, mais novas, homem, mulher, em diferentes ocupações, que represente a população. E aí você reúne todas as pessoas por algumas seções, três, quatro, cinco encontros, aonde as pessoas se conhecem, recebem informação daquele tema, interagem e fazem uma recomendação, uma proposta pra resolução daquele problema.

Silvia Cervellini:
Uma das coisas que mais nos guiou e nos inspirou são os benefícios democráticos definidos por Graham Smith, um cientista político. Esses benefícios seriam: a inclusão; o julgamento ponderado, ou seja, a informação que permite que as pessoas coloquem na balança e façam uma reflexão de escolhas, tanto entre interesses quanto entre futuro e presente e outros dilemas; a eficiência, o quanto aquela resposta, aquela decisão trazida pela deliberação cidadã é melhor do ponto de vista do coletivo; a transparência; e o controle social, o cidadão e a cidadã no centro da decisão.

Marcelo Abud:
A deliberação cidadã se apoia na metodologia de mini-públicos.

Silvia Cervellini:
A experiência de mini-público dá conta desses benefícios democráticos, não é simples, não é fácil, sobretudo no aspecto do controle social, da implementação: como que a gente consegue levar as recomendações de cidadãs e cidadãos, torná-las, realmente, realidade, né?

Marcelo Abud:
Atualmente, diante da pandemia, os mini-públicos têm sido reunidos por videoconferências, mas Fernanda Império cita um debate que aconteceu entre outubro e dezembro de 2019, em que a prefeitura de Fortaleza solicitou a ação do coletivo Delibera Brasil.

Fernanda Império:
Recrutamos trezentas pessoas e aí essas pessoas foram convidadas a ir na Câmara Municipal participar de um sorteio com a presença do vice-prefeito, do presidente da Câmara, toda uma formalidade… Das trezentas pessoas que foram recrutadas, acho que tiveram cerca de cem pessoas participando no dia pra dar representatividade para o minipúblico; chamou “Conselho Cidadão de Fortaleza” e, a partir daí, participou de cinco seções pra deliberar sobre essa questão do lixo em Fortaleza e também sobre gerenciamento de resíduos sólidos.

Música: “Rep” (Gilberto Gil)
Saberes sem os quais a vida é vã
O povo sabe o que quer
Mas o povo também quer o que não sabe

Fernanda Império:
Então quando você está falando da deliberação sobre lixo ou destino de resíduos sólidos em Fortaleza, você tem ali desde a senhora do condomínio, que está falando só que ela separa, mas ela não tem muito a ideia do que acontece com aquilo, até o catador está ali ou o cara que é vizinho do catador. Todo mundo reunido pra achar uma solução. As pessoas elas se envolvem muito, então todos esses olhares, esses saberes, né, como se diz, esse conhecimento da vida real que as pessoas têm, elas têm vontade de falar, de participar, de trocar.

Marcelo Abud:
O Conselho Cidadão de Fortaleza fez 19 recomendações. Após reuniões técnicas em janeiro e fevereiro de 2020, no início de março, houve o evento de devolutiva para o grupo, com a entrega de proposta de implementação pela prefeitura.

Fernanda Império:
Porque toda a parte da construção da escuta, do desenho do mini-público, das seções, da dinâmica que acontece, é muito bacana. Agora se você não consegue trazer incidência pra isso, é uma frustração. Pelo lado da democracia não é construtivo. Existe sim essa preocupação; existe um pragmatismo também das pessoas, sabendo que nem sempre vai acontecer, mas é importante a gente participar; o lado de ser ouvido, de participar, é mais forte da decepção de que aquilo possa não acontecer, pra quem topou estar ali.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
A divulgação do processo e dos resultados da deliberação para o público em geral qualifica o debate público e aproxima as pessoas da política.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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