Leonardo Valle
O professor de história Luciano Campos Tardock gostava de acompanhar páginas que compartilhavam fotos antigas do Rio de Janeiro (RJ) e do Estado da Guanabara. Foi quando notou que a sua cidade, São Gonçalo (RJ), não possuía um perfil na rede. Ele criou, então, a página “Memória de São Gonçalo” e um grupo no Facebook para compartilhar fotos e documentos raros sobre o seu município. Os objetivos eram valorizar a imagem do local e resgatar sua trajetória.
“São Gonçalo fica próximo a duas grandes cidades: Rio de Janeiro, que é a ‘cidade maravilhosa’, e Niterói, ‘a cidade sorriso’. Sua estima acaba sendo afetada”, analisa. “O morador trabalha e dorme em São Gonçalo mas, quando quer entretenimento, sai daqui”, explica.
A página existe desde 2012 e reúne mais de 13 mil pessoas, que compartilham fotos do município de outras décadas. “O resgate da história ajuda a criar uma relação afetiva com o lugar e a ressignificar o olhar sobre ele. Eu mesmo me sinto mais conectado à cidade do que antes de criar a página”, confessa.
O aposentado Antônio Celso Retti sempre se deparava com fotos antigas do seu município, Jaú (SP), no Facebook. Foi quando optou por reunir todas em uma página: Memórias de Jahu.
“A cidade mudou muito desde sua fundação, e eu deixo os registros disponíveis para pessoas que têm saudades daquele tempo ou que não moram mais por aqui. Ajuda a relembrar”, justifica.
Para a doutora em história, Marly Rodrigues, as páginas e grupos de memória são positivas tanto para os moradores quanto para as cidades. “A importância das visitas ao passado em busca de referências de valor afetivo é extrema. Embora as experiências registradas possam ser individuais ou familiares, elas permitem a reconstrução de momentos comuns a todos”, assinala.
“A construção da memória revela a história cotidiana e uma cultura local, que é valorizada”, complementa.
Garimpo de raridades
Para alimentar sua página no Facebook, Tardock começou buscando referências no Google. O passo seguinte foi ‘garimpar’ imagens em bancos de dados nacionais e internacionais. “Encontrei uma foto rara da cidade, de 1914, em um banco de dados holandês”, orgulha-se.
Ele também passou a buscar dados em livros, bibliotecas e documentos físicos, que digitaliza e compartilha no ambiente virtual. “São dados de difícil acesso e que facilmente podem ficar ao alcance de todos”, destaca.
Certo dia, em uma visita a uma escola, Tardock viu um mural em homenagem aos 440 anos de São Gonçalo, realizado pelos alunos, apenas com fotos retiradas de sua página. “Fotos e documentos desse espaço virtual também já foram citados em teses e dissertações. Vira algo de todos os moradores”, comemora.
Para quem deseja criar uma página de seu município, o professor garante que o mais difícil mesmo é o pontapé inicial. “Os seguidores têm muita coisa para compartilhar, só precisam de um start“, garante. “Em um carnaval, quando comecei a postar fotos das minhas tias-avós, quando jovens, em blocos de rua, muitas pessoas começaram a postar também as imagens que tinham em casa.”
Retti também revela que, hoje, a maioria das postagens é realizada pelos seguidores. “A página funciona sozinha”, informa. Entre as tantas fotos que já passaram na timeline do “Memórias de Jahu”, ele lembra com carinho de um registro do começo do século feito no alto da igreja matriz. “Na foto, é possível ver o fim da cidade. Hoje é diferente. O fim está a perder de vista”, finaliza.
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