Leonardo Valle
Costa Barros é um complexo de comunidades do município do Rio de Janeiro que ficou conhecido, na mídia, pela violência, tráfico de drogas e roubo de cargas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o local possui o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade. Foi nesse contexto desafiador que duas moradoras da região, a cabeleireira Ilma Rocha e a faxineira Alba Valéria, uniram-se para tentar mudar a realidade das crianças e jovens da região.
“Sou moradora da comunidade do Quitanda há 34 anos. Em 2006, eu tinha um salão de beleza na rua principal e era conhecida por todos como Tia Ilma. Um dia, um jovem da comunidade me procurou pedindo ajuda e eu não pude socorrê-lo. Ele me disse que queria uma nova vida, queria recriar raízes. Em pouco tempo, ele foi brutalmente assassinado”, lamenta.
“Foi quando resolvi arregaçar as mangas. Estava muito insatisfeita com a situação no bairro, de ver crianças brincando com armas de brinquedos que imitavam as armas de verdade, pequenos com rostos tapados imitando bandidos. Pais que se queixavam de estar perdendo seus filhos com a crescente violência no local”, relembra.
Sem saber o que fazer, Ilma procurou Alba. “Não tínhamos muitos recursos. Começamos chamando as meninas ociosas da rua, trançando o cabelo delas e falando sobre escola, família, futuro, namoro, autoestima. Elas foram gostando tanto que chamavam os colegas”, relembra.
“Então decidimos nos reunir com as crianças em minha casa para assistirmos filmes. No primeiro dia, vieram 60 delas. Um vizinho deu milho, outro suco. Mas não queríamos ficar apenas nisso. Então, chamamos uma manicure, uma professora alfabetizadora, um professor de inglês e outro de informática”, conta Ilma Rocha.
O resultado culminou na criação da organização não-governamental Recriando Raízes, em homenagem à fala do jovem que havia morrido sem conseguir ajuda.
Futuro em pauta
Do início do cineclube aos dias de hoje, já se passaram 12 anos. Atualmente, a iniciativa trabalha em três frentes. O projeto Defensores da Infância atende crianças e adolescentes de seis a 14 anos diariamente, no contraturno escolar, e oferece atividades como informática, inglês, artesanato e reciclagem. Além de biblioteca, recreação, aulas de reforço e oficinas de tranças. “Aqui, todos tomam café da manhã, almoçam e têm lanche da tarde. Mensalmente, eles também participam de atividades externas, como circo, museu, teatro e pontos turísticos”, revela.
A segunda frente, Engrenando no Amanhã, é voltada à formação de jovens de 16 a 29 anos para o mercado de trabalho. “Oferecemos cursos gratuitos como refrigeração, assistente administrativo, operador de telemarketing, eletricista, dentre outros. Alguns dos alunos estão trabalhando de carteira assinada e já estão incrementando a renda familiar”, comemora Rocha.
Por fim, o Costa Barros de Rosa conta com rodas de conversas voltadas apenas para mulheres e adolescentes.
Um dos jovens que frequenta a ONG é Vagner Reis, de 14 anos, que conheceu o projeto há três anos. “Meus amigos começaram a falar dele e eu vim. Comecei a fazer capoeira e biscuit. Hoje, curso informática”, revela. “A ONG me ajudou a ter perspectiva. Naquela época, eu não andava em boas companhias”, confessa.
“Ele chegou aqui, estatisticamente, fadado a uma vida de crime e violência. Hoje, participa da escolinha oficial do Flamengo, já disputou campeonatos, estuda inglês e está se esforçando para conseguir uma bolsa de estudos em uma escola de ensino médio muito boa. Casos assim é que dão força pra gente continuar o projeto. Ver que cada minuto empregado nessa missão vale a pena”, desabafa a coordenadora.
Para ela, nesses 12 anos, os desafios não mudaram, mas tomaram outras proporções. “O impacto dos nossos projetos cresceu. Pessoas de outros municípios me pedem parar abrir um braço do Recriando Raízes lá”, conta.
“O nosso principal objetivo ainda é erradicar os problemas causados pela pobreza, reduzir desigualdades, oferecer educação de qualidade e igualdade de gênero. Isso nos inspira a continuar arregaçando as mangas”, garante.
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Crédito das imagens: Facebook Projeto Recriando Raízes