A produção e a distribuição de fontes de energia podem ter uma relação direta com violações de direitos humanos. Um exemplo foram os 22 dias sem energia elétrica vividos pela população do Amapá entre 3 e 25 de novembro de 2020. “Para uma comunidade que vive sem energia elétrica, a falta de eletricidade não se configurará como uma violação. Porém, quando pensamos na população de um estado inteiro que depende da eletricidade para atividades essenciais de manutenção à vida, direitos estão sendo infringidos de forma generalizada”, contextualiza o defensor público e especialista em direito público internacional, Eraldo Silva Júnior.

“Assim, o que determina se há violação ou não é o contexto histórico, social e cultural”, acrescenta. No caso do Amapá, o especialista explica que historicamente as cidades do norte do Rio Amazonas eram abastecidas por energia da Venezuela. Por questões políticas, essa ligação foi suspensa. “Atualmente, falta alternativa de fontes de energia em caso de uma eventualidade”, observa. Ele destaca que Amapá e Roraima são regiões mais sensíveis a ficarem sem luz por não terem integração com outras fontes.

Desapropriação

No caso das hidrelétricas, os impactos sociais e ambientais das construções também acarretam em violações de direitos humanos. É o caso da Usina de Belo Monte, que em maio de 2020 motivou a Noruega a excluir a Eletrobrás de um fundo soberano de recursos. Segundo o conselho de responsabilidade social do Banco Central do país europeu, “o projeto levou ao aumento da pressão sobre as terras indígenas, à desintegração das estruturas sociais e à deterioração dos meios de subsistência desses povos, acarretando no deslocamento de pelo menos 20.000 indivíduos, incluindo pessoas com um modo de vida tradicional que costumavam morar em ilhas e margens de rios que agora estão submersas”.

“As empreiteiras não respeitam os protocolos de consulta dos povos que vivem nas regiões, se eles concordam ou não com as obras. A construção das hidrelétricas exige a vinda de centenas de trabalhadores e, com eles, doenças, tráfico de drogas, criminalidade e outros problemas que atingem diretamente as populações tradicionais”, resume a liderança do povo Munduruku, Alessandra Korap. “O que vemos são estudos realizados apressadamente para liberar obras com grandes impactos, que são minimizados”, acrescenta Júnior.

Segundo Korap, outro problema é o próprio desvio do fluxo do rio, que afeta a pesca e a fauna local. “As hidrelétricas constroem ‘escadas’ para os peixes subirem. Algo que nem sempre funciona. Violenta a natureza de todas as maneiras”, acrescenta. Em 2016, os Munduruku conseguiram impedir a construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. “Foi logo após Belo Monte. A gente sabia os impactos negativos que as obras trariam para as nossas populações”, relembra Korap.

Trabalho escravo

Quando o assunto são fontes de energia não-renováveis e violações de direitos humanos, o carvão vegetal merece destaque. “No Brasil, de 1995 aos anos 2020, 11% de todas as denúncias de trabalho escravo foram desse setor. São 396 casos (um em cada dez casos) e mais de 4 mil trabalhadores libertos de um total de mais de 50 mil”, contabiliza o coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Xavier Plassat.

De acordo com Plassat, essa fonte energética é utilizada principalmente na siderurgia, na conversão do ferro para aço. “É um trabalho que exige muita força bruta. São cooptados homens em vulnerabilidade social, que não possuem alternativas de renda, ou esses são enganados pelos contratantes. Não sabem exatamente qual serviço prestarão até chegar ao local”, revela.

Tocantins, Bahia, Minas Gerais e Piauí são os estados com mais casos de trabalhos escravos na carvoaria vegetal. “O principal problema é que faltam concursos públicos para fiscais do trabalho, sendo a maioria desses profissionais enquadrados, hoje, como grupo de risco para o novo coronavírus (covid-19), mantendo-se afastados”, explica.

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Atualizada em 04/01/21, às 12h14

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