Jovens das gerações Alfa e Z têm criado perfis privados no Instagram para compartilhar conteúdos inacessíveis à família, que consegue acompanhar apenas a conta principal na rede social. Dois tipos de perfis fechados se destacam: o Dix, usado como um “clube fechado” para amigos próximos, e o Daily, que funciona como um “diário digital”. O termo Dix ou Daily é adicionado ao nome da conta para identificar o formato.

“O perfil oficial tem postagens cuidadosas e dentro do padrão considerado ‘ideal’, enquanto no fechado são compartilhados conteúdos mais espontâneos e sem preocupação com julgamentos”, resume a doutora em psicologia e professora do curso de extensão “Adolescência: saúde mental e mídias interativas” da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Miriam Raquel Wachholz Strelhow.

Mas por que eles migraram para esses perfis? Para a doutora em psicologia clínica Luiza Brandão, procurar espaços sem adultos é um movimento natural de adolescentes em todas as gerações. “Não é exclusivo deste momento histórico com a internet. Em relação às redes sociais, isso já aconteceu antes, com os jovens migrando do Facebook para o Instagram quando os adultos começaram a usar a primeira plataforma”, relembra.

“A adolescência é uma fase de formação de identidade, quando os jovens estão consolidando as representações que têm de si mesmos: quem são, do que gostam, valores e formas de ver o mundo. Assim, perfis privados podem trazer uma sensação de pertencimento ao grupo, de validação pelos pares sem julgamento, algo importante nesse momento”, analisa Strelhow.

Nem tão privados assim

Embora privados, esses perfis podem expor dados pessoais sem que os jovens percebam os riscos.

“Há uma falsa sensação de segurança. Mesmo adicionando apenas pessoas escolhidas, não há garantia de que o conteúdo permanecerá privado, porque o simples fato de estar na internet retira esse controle. Alguém pode printar a tela ou hackear a conta. Acreditar nessa suposta segurança pode fazer com que a criança ou o adolescente desconsidere vulnerabilidades e se exponha ainda mais”, alerta Strelhow.

“Proteger-se de perigos online, como golpes e vazamento de dados, já é difícil para adultos; imagine para jovens ainda sem maturidade para julgar riscos”, complementa Brandão.

Além disso, estar restrito a um grupo com idade e pensamento semelhantes, sem monitoramento de adultos, pode reforçar comportamentos não saudáveis, como exposição a álcool e drogas, pornografia e cyberbullying.

“A adolescência é uma etapa de maior vulnerabilidade a comportamentos de risco pelo próprio desenvolvimento cerebral, sendo marcada por impulsividade, desejo de novas experiências, busca de prazer e baixa criticidade. Se todos os participantes compartilham essas características, podem deixar de perceber ou avaliar corretamente algum risco”, justifica Strelhow.

Apesar disso, há benefícios nos perfis privados. “Eles promovem maior naturalidade e autenticidade nas postagens, sem tanta preocupação com julgamentos e likes, diminuindo a importância da aparência ou de postar algo apenas para agradar os outros. Também preservam aquilo que é particular ou privado”, reflete a especialista.

Brandão, por sua vez, cita o estreitamento de laços com amigos, mas faz ressalvas. “É preciso avaliar se esse Daily também não está sendo usado para simular uma vida perfeita, se apenas amigos íntimos estão sendo adicionados etc.”

Pontos para iniciar uma conversa

Para dialogar sobre a questão, o primeiro passo, segundo Brandão, é diferenciar crianças de adolescentes. Atualmente, a recomendação é a de que redes sociais sejam usadas a partir dos 16 anos. “Ter rede social é inadequado para crianças justamente pelo nível de desenvolvimento do senso crítico. Crianças tendem a copiar o que veem”, pontua.

“Quanto mais perfis a criança tiver, maior será o tempo de uso e exposição nas redes sociais, o que é contraindicado. Caso a criança tenha Dix ou Daily, é essencial um monitoramento muito próximo”, reforça Strelhow.

Tanto para crianças quanto para adolescentes, ela recomenda usar controle parental, explicar os riscos e adotar uma comunicação clara sobre combinados e limites. “O acompanhamento precisa ser contínuo. Se o uso é diário, o acompanhamento também deve ser”, acrescenta.

Alguns pontos para tratar em uma conversa sobre o tema:

  • Converse sobre situações em que Daily e Dix podem ser prejudiciais, como vazamento de fotos e vídeos.
  • Mostre casos reais que ajudem a compreender os riscos, pontua Strelhow.
  • Faça perguntas aos jovens para entender como pretendem usar a ferramenta: por que optaram por Dix ou Daily, quais conteúdos desejam compartilhar, com quem irão compartilhar, como avaliarão o que pode ou não ser postado e como se sentiriam se alguém vazasse suas postagens.
  • Brandão recomenda evitar tons acusatórios. “É preciso estabelecer parceria. Só na base de relacionamento é possível construir segurança e evitar riscos.”
  • Combine o tempo de uso das redes.
  •  Verifique quem a criança está adicionando. “Conversar com adultos desconhecidos é o maior risco. Vemos adolescentes que aceitam contas falsas porque têm amigos em comum ou colegas que já os adicionaram antes.”
  • Monitore se informações pessoais estão sendo postadas, como brasão de uniforme escolar ou locais de lazer.
  • “Também deve-se ter cuidado com fotos e comportamentos de sexualização”, adverte Brandão.
  • Pode-se orientar o adolescente a permitir que um adulto de confiança da família esteja no perfil privado e escolher quem será. “Pode ser uma tia próxima, madrinha, alguém em quem confia e que não estará ali para julgar, mas para acompanhar”, indica Strelhow.
  • A autonomia deve ser conquistada aos poucos. “É como no mundo real: antes de soltar um filho para ir sozinho para a escola ou a padaria, os pais ensinam a andar na rua, qual o caminho, como são os sinais de trânsito, quais os perigos, ao que precisam estar atentos… A inserção no mundo digital precisa também ser guiada”, afirma a especialista.

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Crédito da imagem: Dobrila Vignjevic – Getty Images

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