Leonardo Valle
O descarte da borra do café coado ou expresso é um problema pouco falado no Brasil. O país consome aproximadamente 4,9 kg do produto torrado e moído por pessoa anualmente, segundo dados de 2017, da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic).
“Cada 1 kg de café se transforma em 2 kg de borra, devido à umidificação do grão moído. Ou seja, esse resíduo terá o dobro de massa”, explica o biólogo e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Sérgio Thode.
Jogada no lixo comum, tamanha quantidade pode sobrecarregar aterros e, por ser úmida, aumentar a produção de chorume – líquido poluente originado da decomposição de resíduos orgânicos. Quando descartada na pia, ela é parcialmente tratada nas estações de esgoto e pode contaminar a rede hídrica.
Uma pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF), mostrou que a cafeína vinda do esgoto doméstico pode ser usada como marcador da poluição em águas superficiais.
“Além disso, o material decanta e pode entupir a tubulação de água da casa ou apartamento”, adverte Thode, que indica seu descarte em composteiras.
De acordo com o biólogo, a borra é um material nobre, cheio de nutrientes e com valor agregado, com potencial para reutilização pela indústria.
“Seus óleos essenciais poderiam virar matéria-prima de cosméticos ou biodiesel. Ela também pode ser transformada em carvão ativado, contribuindo com o tratamento da água do país”, informa.
Borra como adubo: usar ou não usar?
A borra também é utilizada por muitos como adubo de plantas, aplicada diretamente nas folhas ou na terra. Porém, o doutor em agronomia e pesquisador das características orgânicas desse resíduo, Adjaci Dias de Brito, contraindica o hábito.
“Teoricamente, ela possui ótimas propriedades químicas para o solo, como nitrogênio (26%) e carbono orgânico (48%). É leve e permanece na superfície, onde os micro-organismos fazem a mineração”, revela. Entretanto, a presença abundante de cafeína “mata” as virtudes do material. “Em pesquisa com mudas, a borra in natura reduziu as raízes e as vias aéreas das plantas, o que prejudica a fotossíntese”, descreve.
Também pesquisador do material, Thode, descobriu que ele acidifica o solo e, em grande quantidade, espanta as minhocas. “Ela pode ainda liberar nutrientes em excesso para a planta ou fazer com que eles concorram com outros minerais que ela necessita”, destaca.
Os especialistas, contudo, recomendam o uso da borra como adubo após o processo de compostagem. “Na presença de outros materiais orgânicos, como cascas de frutas e legumes, ela será degradada na composteira pelas minhocas e o húmus obtido é um bom fertilizante”, acrescente Brito.
Tinta e pincel
Em casa, a borra pode ainda facilmente virar tinta natural, podendo ser aplicada em papel, algodão, tela, madeira, cerâmica e paredes.
“Para isso, misture 100 g do material, 50 g de cola branca e 1 colher de sopa de óleo vegetal. Acrescente água morna aos poucos, caso ela fique muito consistente”, ensina o pintor e ilustrador orgânico, Jhon Bermond.
“Evite aplicá-la em locais muito lisos, pois pode escorrer e prejudicar o efeito”, orienta.
A facilitadora de oficinas do Instituto Cahon, Cadicha Sastre, aposta na borra como tintura de tecidos.
“Separo uma porção do resíduo que ficou do café que preparei e deixo descansar em meia xícara de água por uma noite. Coo ou peneiro a mistura até ficar bem encorpada”, diz.
Já para pintar paredes, a especialista deixa 3 kg do resíduo descansando em cinco litros de água. À parte, ela mistura 50 ml de óleo de linhaça, 1/2 quilo de cal para pintura e um pouco de água até obter um creme.
“Misturo a água e a borra, o creme e meio quilo de cola branca”, ensina.
Sastre ainda recomenda o resíduo para neutralizar odores da geladeira, da composteira e das mãos, após cozinhar.
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Crédito da imagem: tab1962 – iStock