Leonardo Valle

Há um aumento aparente da população em situação de rua, que vive nos grandes centros, no último ano. Essa é a opinião do pesquisador do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade), da Universidade de São Paulo (USP), Aluízio Marino. A falta de dados oficiais, contudo, dificulta o mapeamento do fenômeno.

“O censo é um levantamento que leva em conta um universo amostral domiciliar, ou seja, é necessário ter moradia fixa para a pessoa ser contabilizada”, explica o doutorando em planejamento e gestão de território. “Isso é um problema grave, pois, sem dados, essa população continua invisível e não há embasamento para políticas que a atendam. Torna-se um ciclo vicioso”, acrescenta.

Opinião semelhante possui a doutora em sociologia e professora do Centro Universitário Farias Brito, de Fortaleza (CE), Lídia Valesca Pimentel. “O aumento é notório, visível e pode ser percebido de forma empírica, quando se caminha pelas regiões centrais da cidade”, diz ela, que é moradora da capital cearense. “Sem serem contabilizados, é como se não fossem brasileiros”, acrescenta.

Alguns dados municipais, contudo, já trazem algumas informações sobre essa população. Entre 2016 e 2018, o número de indivíduos em situação de rua abordados por assistentes sociais do município de São Paulo aumentou 66%, chegando a 105,3 mil pessoas.

O Observatório das Metrópoles da Universidade Estadual de Maringá (UEM) registrou, em um ano, um crescimento de 27% nas pessoas em situação de rua da cidade paranaense, passando de 357 para 452.

Já no Rio de Janeiro (RJ), um levantamento da prefeitura de 2016 apontava quase 15 mil indivíduos nessa situação. Porém, houve uma mudança de metodologia e, em 2018, o órgão anunciou como número oficial 4.628 pessoas. “Ou seja, mesmo quando há dados, nem sempre eles são confiáveis porque há uma disputa de narrativa entre as gestões”, destaca Marino.

Reflexo da pobreza

Segundo Pimentel, uma das explicações para o possível aumento das pessoas em situação de rua é o crescimento da pobreza e do desemprego nos últimos três anos. “A população pobre se torna mais vulnerável a não ter emprego, renda e não conseguir arcar com um aluguel formal, além de problemas com álcool, drogas e conflitos familiares. Quanto mais pobre, mais vulnerável”, sintetiza.

“Há pessoas que são trabalhadoras, mas não conseguem pagar um aluguel, permanecendo em centros de acolhida ou procurando moradias precarizadas, como as ocupações”, acrescenta Marino.

De acordo com o pesquisador, uma segunda questão é a ausência de políticas habitacionais que contemplem grupos de baixa renda.

“A moradia não é vista como um direito constitucional, mas como uma mercadoria. Os programas como ‘Minha Casa, Minha Vida’ disponibilizavam a casa por financiamento, o que excluía uma parte significativa da população que vive em situação de rua. Eles não têm conta corrente, comprovante de residência, emprego formal ou autonomia financeira para assumir um compromisso a longo prazo”, lamenta.

Em 2009, foi instituída a Política Nacional para a População em Situação de Rua pelo Decreto nº 7.053. Entre as diretrizes, está a responsabilidade compartilhada entre governo federal e entes da federação para lidar com a questão.

Fenômeno urbano

A população em situação de rua é heterogênea. “Viver dessa forma é uma saída para muita gente”, diz Pimentel. Porém, algumas características são comuns, como seu caráter nômade e de deslocamento pelos pontos da cidade. Isso também é considerado um fenômeno urbano.

“A população de rua se desenvolve nas grandes cidades, porque são locais de produção de riqueza, de oportunidade de trabalho. Essas pessoas vivem daquilo que o sistema joga fora, do que é ‘excedente’, como resíduos – caso dos catadores de materiais reciclados – comida, mendicância etc.”, analisa.

“Um grande percentual deixou suas cidades ou locais de origem para viver no centro. Apesar de haver adultos que foram menores em situação de rua”, complementa.

Ao viver na rua, outros direitos são negados, como acesso à educação e à saúde. “Se o posto de saúde não atende porque o sujeito está malvestido ou não tem documento, está negando um direito a esse cidadão”, lembra Pimentel.

Para a socióloga, o problema melhoraria com políticas de habitação e geração de empregos. “São necessárias medidas a longo prazo, mas também emergências, como aumento dos atendimentos e das vagas em abrigos”, acrescenta.

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Crédito da imagem: Photos Danny – iStock

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