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A tarifa zero no transporte público já existe em mais de 80 cidades brasileiras, como Maricá (RJ), Vargem Grande Paulista (SP) e Caucaia (CE). A iniciativa contribui para o debate sobre um possível Sistema Único de Mobilidade (SUM).

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 25/2023, de autoria da deputada federal Luiza Erundina (PSOL/SP), estabelece o transporte como direito social e a criação de um sistema que viabilize a implementação da gratuidade no transporte público em todo o território nacional.

“A gente precisa avançar no sentido de que quem não tem dinheiro para pagar passagem tem que ter a possibilidade de se transportar pela cidade e acessar oportunidade, porque transporte é sobre oportunidade. É sobre conseguir enfrentar as desigualdades, sair da barreira da vulnerabilidade”, afirma a pesquisadora em mobilidade urbana formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rafaela Albergaria.

Mobilidade social

A especialista afirma que as cidades que aplicam a gratuidade no transporte como direito universal conquistam avanços sociais em outras áreas. Para Albergaria, o trem e o metrô também são importantes em uma implantação do Sistema Único de Mobilidade para ampliar oportunidades.

“Uma pessoa que está desempregada, aqui na cidade do Rio de Janeiro [RJ], ela precisa ter R$ 17,10 no bolso, por dia, para procurar emprego – valor de dois bilhetes únicos, da ida e da volta. Não pode uma pessoa que está desempregada não conseguir sair da vulnerabilidade porque ela precisa ter o dinheiro da passagem”, argumenta a pesquisadora.

Albergaria traz um exemplo da mudança gerada pela implementação da tarifa zero em Formosa (Goiás). A partir dos resultados obtidos lá e em outras dezenas de municípios, ela conclui:

“Se o SUS, se a saúde é algo que é entendido como essencial e garantido pelo Estado para que as pessoas tenham acesso a ele, e se para a gente poder acessar uma emergência, a gente precisa se deslocar por transporte, essa política também precisa ser implementada como direito universal”.

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Crédito da imagem: Prefeitura de Vagem Grande Paulista (SP) – Divulgação

Transcrição do Áudio

Música: Introdução de “O Futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Rafaela Albergaria:

Pensar a tarifa zero é pensar sobre cidade para as pessoas. O que que é cidade? Cidade é um espaço onde estão organizados uma série de serviços, e a possibilidade de realização dessas cidades está dada na circulação das pessoas.

Só que a gente tem uma lógica hoje como a mobilidade se pensa, como se planeja a cidade que produz, de um lado, liberdade para um setor muito restrito da sociedade, que vive em territórios determinados, e uma política de interdição sistemática para a massa da população.

Eu sou Rafaela Albergaria, coordenadora do Observatório dos Trens, que é uma iniciativa da sociedade civil. A gente tem expandido essa metodologia para olhar para como o transporte ele atravessa a vida das pessoas, como ele é algo essencial, né, a nossa possibilidade de se deslocar, nas possibilidades de acessar saúde, educação a partir das disposições e das possibilidades que a gente tem de se deslocar pelo território.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Marcelo Abud:

O debate em torno de um Sistema Único de Mobilidade, que permita a implantação da tarifa zero, tem crescido a partir da tramitação no Congresso Nacional da PEC – Proposta de Emenda à Constituição – 25/2023. De autoria da deputada federal Luiza Erundina, o texto propõe diretrizes sobre o direito social ao transporte, previsto no artigo 6º da Constituição Federal.

Rafaela Albergaria:

Se o transporte, ele é tão essencial para nossa existência, se para a gente poder existir, a gente tem que se deslocar e se deslocar tá condicionado aos meios de transporte – não só ônibus, mas ônibus, metrô, trem, transporte ativo, andar a pé, bicicleta –, todos esses conjuntos de deslocamento eles delimitam a nossa possibilidade de usufruir do espaço. Então o transporte ele é um direito essencial desde 2015, a partir de uma PEC da deputada Erundina.

Marcelo Abud:

De acordo com Albergaria, o transporte é inserido no rol dos direitos sociais em resposta às mobilizações de 2013. Em junho daquele ano, as manifestações têm início nas ruas de São Paulo. Inicialmente o protesto acontece contra o aumento da passagem de ônibus após anúncio de reajuste de 20 centavos. Outras pautas ganham as ruas, entre elas, a possibilidade da implantação de tarifa zero, que, para quem estuda o assunto, não era uma novidade.

Rafaela Albergaria:

Na verdade, esse conceito, ele surge também durante o governo da Erundina, né, na cidade de São Paulo, pelo Lúcio Gregório, que era seu secretário de transporte. E ele começa a discutir a centralidade que tem os deslocamentos e faz uma proposta de implementação de tarifa zero na cidade de São Paulo, e é isso, tarifa zero é nada mais do que gratuidade.

Marcelo Abud:

Albergaria ressalta que, atualmente, até mesmo a gratuidade para idoso e para pessoas com deficiência ainda não possui uma lei específica em âmbito nacional. No entanto, há um entendimento cada vez maior sobre a necessidade de expandir o acesso à tarifa zero.

Rafaela Albergaria:

Uma pessoa que está desempregada, aqui na cidade do Rio de Janeiro, ela precisa ter 17,10 no bolso, por dia, para procurar emprego – valor de dois bilhetes únicos, da ida e da volta. Não pode uma pessoa que está desempregada não conseguir sair da vulnerabilidade porque ela precisa ter o dinheiro da passagem.

A gente precisa avançar no sentido de quem não tem dinheiro para pagar passagem tem que ter a possibilidade de se transportar pela cidade e acessar oportunidade, porque transporte é sobre oportunidade. É sobre conseguir enfrentar as desigualdades, sair da barreira da vulnerabilidade.

Marcelo Abud:

A pesquisadora traz outro exemplo e demonstra que a falta de acesso ao transporte pode gerar problemas sociais, como o aumento da população de pessoas em situação de rua.

Rafaela Albergaria:

E o que a gente percebe e que ainda não está mapeado, mas que é muito importante ser mapeado, é que tem uma parcela significativa dessa população que tem casa, mas não consegue voltar para casa todo dia por causa do preço da passagem. Veja bem, uma pessoa que não consegue dormir em segurança, comer em segurança, não consegue voltar para sua casa por causa do preço da passagem, é muito injusto numa perspectiva do que o Estado representa dentro da sociedade.

Marcelo Abud:

Dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) revelam que mais de 80 cidades do país possuem tarifa zero no transporte público. Entre elas estão Marica, no Rio de Janeiro, Vargem Grande Paulista, em São Paulo, e Caucaia, no Ceará. Rafaela Albergaria traz o exemplo de Formosa, em Goiás, que implementou a gratuidade há pouco mais de um ano.

Rafaela Albergaria:

A prefeitura assumiu o transporte municipal, ficou operando, cobrando a passagem por um mês e aí, assim, eles perceberam que a logística pra poder cobrar passagem era mais custosa do que não cobrar passagem. Então tinha que mobilizar tanto a auditoria do que se cobrava de passagem, tinha uma demanda de RH maior, trocador, de pessoas para poder lidar depois com esse recurso que era recolhido. Então era muito mais custoso a cobrança da passagem do que não cobrar. E hoje eles fazem mais de 100 mil viagens por dia nessa prefeitura, e o que eles investem nisso não representa nem 1% do PIB do município.

Marcelo Abud:

Em Formosa, os custos em outras áreas sociais também diminuíram.

Rafaela Albergaria:

Houve uma redução com gasto em saúde, porque hoje as pessoas conseguem alcançar a atenção básica. Eles conseguem fazer o acompanhamento de prevenção. Então reduziu o gasto com média e alta complexidade, que em saúde são mais caros. A gente já percebeu a redução de número de pessoas que estava inserido em programas da assistência social, porque isso garantiu a abertura de novos postos de trabalho.

Marcelo Abud:

Rafaela Albergaria avalia que atualmente o transporte público não tem sido priorizado como direito ao acesso a outros avanços sociais.

Rafaela Albergaria:

Hoje grande parte do orçamento gasto pelas prefeituras para essas operações de transporte são provenientes de arrecadação dos setores mais populares que não andam de carro. Carro é o transporte mais subsidiado do país. Então discutir pedágio urbano é fundamental, inclusive por uma lógica de cidade trafegável, cidade eficiente.

A gente tem um número, um contingente de vagas de estacionamento nos espaços urbanos que precisam constituir esse fundo que vai subsidiar o sistema de mobilidade, tanto nos estados, nos municípios e a nível federal, precisa ter essa regulação.

Marcelo Abud:

De acordo com Albergaria, é possível e importante que se garanta tarifa zero por meio de um Sistema Único de Mobilidade.

Rafaela Albergaria:

Implementar um sistema de transporte que racionalize o investimento, que pense numa perspectiva de efetivação do direito à cidade, garantir acesso a oportunidade, de ampliar oportunidades por diferentes territórios das cidades, porque essa concentração de oportunidade, ela é reprodutora de desigualdade também.

A gente precisa entender inclusive que um dos princípios de organização do investimento em mobilidade precisa ser ‘onde tem menos infraestrutura tem que ter mais investimento’, que de fato garanta a vida, a liberdade e a dignidade das pessoas. Isso é determinante.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

A discussão sobre tarifa zero, segundo a entrevistada, ainda está muito voltada ao transporte por ônibus. Para ela, é importante que se avance para um sistema que abranja outras modalidades, como metrô e trem. Isso aumenta, por exemplo, o acesso de pessoas que vivem em territórios mais distantes a regiões centrais das cidades.

Marcelo Abud para o podcast de cidadania do Instituto Claro.

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