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Em 4 de maio do ano passado, pesquisadores do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI) da Universidade de São Paulo (Usp) passaram a acompanhar tendências na evolução da propagação do novo coronavírus, após o início do distanciamento social implementado a partir de março no Brasil. Neste podcast, entenda o papel da matemática na pandemia de covid-19 e como ela pode ajudar a explicar a necessidade de distanciamento social para evitar o contágio e de vacina para proteção coletiva.

“Uma vez que se consegue escrever algo matematicamente, aquilo vai ser descrito sem ambiguidade, sem dúvidas, e isso abre espaço pra alertar os governos e a sociedade do risco quando você tem uma doença completamente nova, que se apresenta perante uma população completamente indefesa”, explica Paulo Silva, que é também professor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC) da Unicamp.

No início da pandemia, Silva se aliou a outra pesquisadora desse mesmo instituto, a professora Claudia Sagastizábal, para propor modelos matemáticos capazes de desacelerar a epidemia. “A pessoa pode ter um problema cardiológico, pode ter diabetes, qualquer coisa que precise de atenção médica e, com o serviço de saúde colapsado, não vai ter”, explica a doutora em matemática pela Sorbonne, na França.

Matemática da vida

Neste podcast, o Instituto Claro ouve, ainda, o coordenador do grupo interdisciplinar ModCovid19 da Usp, Tiago Pereira. Ele cita o estudo que acompanhou, feito por um grupo do Imperial College a partir de modelos matemáticos: “Para o Brasil, eles levantaram vários cenários, há um ano. Então na época já se discutia, por exemplo, se a medida de mitigação fosse muito ruim, seriam 600 mil mortes. Se nada fosse feito no país, você teria um milhão de mortes aproximadamente”.

No áudio, os três trazem exemplos do papel da epidemiologia matemática, que se propõe a estudar informações, previsões e projeções, a fim de respaldar mecanismos de controle no combate à transmissão de doenças infecciosas. Eles concluem que a vacinação não é uma questão de escolha individual apenas, mas sim uma ação coletiva para preservar, inclusive, a vida de pessoas que não podem se imunizar por questões de saúde.

“Quando a pessoa fala assim ‘olha, vacina é uma questão individual’, o que essa pessoa está falando é o seguinte: sabe aquela pessoa que está com câncer e está fazendo um tratamento quimioterápico e está com o sistema imunológico baixo? Problema dela. Parece muito pouco humano você olhar para aquela pessoa que já está debilitada, por um motivo qualquer, e falar ‘quer saber, esse problema é seu, eu vou me preocupar com meu problema’”, conclui Paulo Silva.

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Transcrição do Áudio

Música “O Futuro”, versão instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Paulo Silva:
A matemática funciona porque ela é uma linguagem universal e extremamente precisa. Uma vez que se consegue escrever algo matematicamente, aquilo vai descrito sem ambiguidade, sem dúvidas, e isso te abre espaço pra alertar os governos e a sociedade do risco quando você tem uma doença completamente nova, que se apresenta perante uma população completamente indefesa.
Eu sou Paulo Silva, professor da Unicamp, tenho doutorado em matemática aplicada pela USP.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Taxa de contaminação, imunidade coletiva, eficácia da vacina… A matemática é uma aliada na tomada de decisões em momentos como o da pandemia da Covid-19. Isto acontece por meio da epidemiologia matemática.

Paulo Silva:
Seria uma parte da epidemiologia que usa a matemática pra estudar a evolução de doenças. Ela é feita, muitas vezes, baseada em modelos matemáticos, que são descrições matemáticas de algo que existe na realidade. Você passa a poder usar as ferramentas da matemática pra estudar aquele fenômeno e existe uma espécie de processo de retroalimentação aí, né, a medida que você desenvolve um modelo, você volta para o fenômeno e observa se o modelo está prevendo corretamente o fenômeno ou não, e você vai ajustando o modelo dentro desse ‘loop de feedback’. É clássico da ciência de alguma maneira.

Marcelo Abud:
Assim que a pandemia começou a se alastrar, um grupo de pesquisadores do Imperial College usou um modelo matemático para estimar o que poderia acontecer em um ano com o novo coronavírus, em vários países. O coordenador do grupo interdisciplinar ModCovid19, professor Tiago Pereira, da USP, acompanhou essas previsões.

Tiago Pereira:
Então, por exemplo, pro Brasil, eles levantaram vários cenários, há um ano. Então na época já se discutia, por exemplo, se a medida de mitigação fosse muito ruim, seriam 600 mil mortes. Se nada fosse feito, você teria 1 milhão de mortes aproximadamente.

Música: “Desesperar, Jamais” (Ivan Lins, Vitor Martins), com Ivan Lins

No balanço de perdas e danos
Já tivemos muitos desenganos
Já tivemos muito que chorar

Paulo Silva:
E quando a gente fala na imunidade coletiva ou na imunidade de rebanho, alguma coisa assim, o que está por trás deste conceito é que cada doença tem uma capacidade de transmissão; se ele é um vírus que se transmite fácil ou dificilmente.

Tiago Pereira:
Eu vou para um bar ou para um clube e encontro lá cinco pessoas. Então eu vou passar essa doença pra duas pessoas. Essas duas pessoas vão passar pra mais duas pessoas. Então a gente já está falando aí de quatro. Essa coisa vai crescendo e dentro desse dito comportamento exponencial. Daqui a pouco está todo mundo lá infectado, né?

Paulo Silva:
Quando está acontecendo esse crescimento que uma pessoa passa pra mais do que uma pessoa, é que isso explode muito rapidamente. É isso que o modelo conseguia capturar e dizia ‘cara, se você deixa isso acontecer, em poucos dias, a sua capacidade de leitos hospitalares se desfaz’. Você tem 10% ocupado, parece pouco; de dez vai para vinte, de vinte vai para quarenta, de quarenta vai pra oitenta; e depois de oitenta já cento e sessenta e já foi…

Marcelo Abud:
Diante da alta taxa de contaminação e da difícil contenção do vírus, uma das indicações da ciência foi o distanciamento social, que, aliás, deve ser mantido até que haja um grande número de pessoas imunizadas.

Paulo Silva:
A outra coisa na transmissão é as oportunidades que o vírus tem para se transmitir. Vírus como esse do Covid, a transmissão acontece pelo contato das pessoas. Se você tem na rua uma grande quantidade de pessoas que você sabe que não estão doentes, a sua chance de pegar a doença é menor. Então o que é a imunidade de horda? É quando tem tanta gente imune na rua que a sua chance de encontrar alguém doente é pequena só porque a quantidade de pessoas imunes já é muito grande.

Marcelo Abud:
Paulo Silva é um dos responsáveis pelo estudo “Vidas Salvas”, que demonstra quantas mortes são evitadas por minuto em cada região do Brasil, a partir do nível de isolamento social. No estudo, Silva contou com o auxilio de outra pesquisadora da Unicamp, a doutora em matemática pela Sorbonne, na França, Claudia Sagastizábal.
Aqui, ela traz uma analogia que explica a importância da vacinação para que se alcance a imunidade coletiva.

Claudia Sagastizábal:
Eu não sei se vocês moram numa região onde tem cupim. Aqui onde eu moro tem muito. No prédio, aqui, como você faz a descupinização? Tem duas formas: ou você sela o seu apartamento com remédio para cupim. E ali, então, o que você faz é que ele vai comer na casa do vizinho a madeira; e outra é que todo o prédio fica num fumacê e mata até o ninho e ali fica eliminado mesmo. A imunidade de rebanho, de horda, seria como que uma quantidade suficiente de apartamentos faz a descupinização, como para que o prédio inteiro fique tranquilo sem cupim. E a eficácia de uma vacina é o quanto protege o seu apartamento do cupim esse tratamento que você fez. Não é que vai ficar sem cupim, talvez tenha algum.

Paulo Silva:
Quando a gente fala que a eficácia de uma vacina é de 80%, não quer dizer que 80% das pessoas que tomaram a vacina não vão ficar doentes. Quer dizer que você tem 80% menos chance de ficar doente do que uma pessoa que não foi vacinada.

Claudia Sagastizábal:
Agora, em relação à eficácia da vacina, são todas boas. Lembrando que o objetivo das vacinas não é eliminar a doença, é deixar você com severidade menor. Então você está reduzindo a quantidade de cupim que entra no seu apartamento. Tem algumas que vão fazer eles entrarem muito menos e outras que vão fazer eles entrarem menos, mas você vai ter menos nos dois casos. E as pessoas que não podem, só por razões de saúde, não devem ser vacinadas, lógico. Mas para que essas pessoas não fiquem com a doença, o restante de todos nós temos que nos vacinar para não transmitir para essas pessoas que são vulneráveis.

Música: “Um Só” (Arnaldo Antunes / Brás Antunes / Carlinhos Brown / Marisa Monte), Tribalistas

123, somos muitos, quando juntos
somos um só, um só

Paulo Silva:
Quando a pessoa fala assim ‘olha, vacina é uma questão individual’, o que essa pessoa está falando é o seguinte: sabe aquela pessoa que está com câncer e está fazendo um tratamento quimioterápico e está com o sistema imunológico baixo? Problema dela; sabe essa outra pessoa aqui que é idosa e tem algum problema de alergia a algum componente da vacina? Problema dela. Então a pessoa que fala que isso é uma coisa essencialmente individual, o que ela está dizendo é o seguinte: ‘não me importo com o que acontece com essas pessoas’. Porque, veja, se você se vacinar, você, junto com todo mundo, como disse a Cláudia, consegue proteger o apartamento daquela pessoa que tem alergia ao cupim. Não é só uma coisa individual. É claro que tem um aspecto individual, mas a própria ideia da vacina é criar uma imunidade coletiva. Me parece muito pouco humano você olhar pra aquela pessoa que já está debilitada, por um motivo qualquer, e falar ‘quer saber, esse problema é seu, eu vou me preocupar com meu problema’.

Claudia Sagastizábal:
É pior do que isso. De fato é miopia, porque essa mesma pessoa pode vir a precisar do serviço de saúde, por qualquer outra razão, uma doença crônica, não precisa estar morrendo, pode ter um problema cardiológico, pode ter diabetes, qualquer coisa que precise de atenção médica e, com o serviço de saúde colapsado, não vai ter. E o serviço de saúde vai estar colapsado porque essa pessoa, em particular, não se vacinou também. É uma ação conjunta que resulta no bem comum.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Com a matemática, as informações das diversas pesquisas no mundo todo se somam para gerar previsões. Essas projeções indicam caminhos em cada etapa da pandemia para diminuir o número de vítimas, até que sejam criados os mecanismos de controle e combate à transmissão de doenças infecciosas.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

 

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