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O Brasil lidera o ranking dos países que mais matam pessoas LGBTQIA+ no mundo. Em 2022, 256 foram vítimas de morte violenta. No país, ocorre um falecimento dessa população a cada 34 horas.

Tais dados se baseiam em notícias publicadas nos meios de comunicação, coletados e analisados pela organização não governamental Grupo Gay da Bahia (GGB) há 43 anos. É a partir desse quadro que o grupo cobra por políticas públicas que erradiquem a violência extrema. 

Um dos pontos capazes de avançar — ainda que com muita dificuldade — em pautas importantes como essa é obter uma maior representação política, ainda falha quando o assunto é diversidade.

representatividade LGBTQIA+
Cena de “Corpolítica”
com Erica Hilton e a família (crédito: Vitrine Filmes/Divulgação)

Em setembro de 2022, a “Pesquisa do Orgulho”, realizada pelo Datafolha, apontou que 9,3% da população brasileira se autodeclaram LGBTQIA+, correspondendo a 15 milhões e meio de pessoas. Por outro lado, o Vote LGBT, organização que atua desde 2014 para aumentar a representatividade do grupo em todos os espaços da sociedade, principalmente na política, indica que a comunidade LGBTQIA+ representa apenas 0,16% da classe política do Brasil. 

“Quando pensamos em sub-representatividade, associamos isso ao fato de sermos o país que mais mata LGBTQIA+ no mundo, sermos sub-representados na indústria, no entretenimento, no audiovisual; e que, inevitavelmente, refletem num ambiente que já é hostil a todo corpo dissidente, né? A política hoje ainda é dominada por homens brancos, cisgêneros, heterossexuais e privilegiados, que não representam o Brasil em sua essência”, analisa o roteirista e diretor do documentário “Corpolítica”, Pedro Henrique França. 

No áudio, além de entrevista com França, você acompanha trechos de depoimentos do filme com a primeira deputada trans eleita no Brasil (em 2018), Erica Malunguinho, e com a jovem poeta que foi candidata à vereadora pelo Rio de Janeiro, Andréa Bak. Elas se posicionam sobre a importância de que mais espaços sejam ocupados por representantes LGBTQIA+. “Nós estamos lutando por direitos civis ainda, principalmente a população T: construção de cidadania básica, direito ao nome, acessar banheiro”, constata Malunguinho. 

representatividade LGBTQIA+
Pedro Henrique França (crédito: Vitrine Filmes/Divulgação)

Para a transpóloga (antropóloga trans) Renata Carvalho, quando o espaço político é preenchido coletivamente, a violência é melhor enfrentada. “Sempre trago um exemplo de um armazém com mil pessoas. Se entrar uma pessoa trans, ela continuará sendo apontada, ninguém vai querer falar com ela. Se ocuparmos esse mesmo armazém com mil pessoas, mas com duzentas pessoas trans, é mais fácil de naturalizarmos a nossa presença e não ser exotificada”, explica.

 

Transcrição do Áudio

Música: “Early Avril”, de Unicorn Heads, fica de fundo

Pedro Henrique França:

Com relação a essa questão da representatividade, eu acho que a gente precisa se entender enquanto Brasil, né, a diversidade brasileira, pra que a gente de fato possa ter uma política que corresponda e que promova a justiça e os direitos que deveriam ser a todos e não a um porcentual mínimo da população que não compõe o Brasil em sua essência. 

Eu sou Pedro Henrique França, diretor, roteirista, ator e jornalista. 

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música permanece de fundo

Marcelo Abud:

Em setembro de 2022, a Pesquisa do ‘Orgulho’, realizada pelo Datafolha, apontou que 9,3% da população brasileira se autodeclaram LGBTQIA+, o que corresponde a 15 milhões e meio de pessoas. Por outro lado, o Vote LGBT, organização que atua desde 2014 para aumentar a representatividade dessa comunidade, principalmente na política, indica que pessoas LGBTQIA+ representa apenas 0,16% da classe política brasileira. Essa falta de representatividade é um dos temas do filme Corpolítica.

O documentário dirigido por Pedro Henrique França demonstra que isso é resultado de uma violência exercida contra candidaturas e que se estende àquelas pessoas que são eleitas. 

Pedro Henrique França:

Situações de parlamentares ou de ex-parlamentares no congresso, na assembleia legislativa, numa câmara municipal, os processos de violência que eles sofrem ali dentro para apenas trabalhar, é algo que não podemos mais admitir.

Quando a gente pensa em sub-representatividade, a gente associa isso ao fato de sermos o país que mais mata LGBTQIA+ no mundo, sermos sub-representados na indústria, no entretenimento, no audiovisual; e que, inevitavelmente, refletem num ambiente que já é hostil a todo corpo dissidente, né? A política hoje ainda é dominada por homens brancos, cisgêneros, heterossexuais e privilegiados, ou seja, que não representam o Brasil em sua essência. O Brasil tem uma maioria feminina e preta, por exemplo. Onde estão essas pessoas que não estão ocupando um espaço onde está se definindo o que vai acontecer com nossas vidas?

É preciso que a gente entenda a representatividade como algo de um valor importante, histórico e político, de fato, para sobrevivência dessas pessoas que não estão ali representadas no congresso. 

Marcelo Abud:

Pedro Henrique França acompanhou seis candidaturas LGBTQIA+ das eleições municipais de 2020. Entre os depoimentos do filme está o da educadora, ex-deputada estadual e primeira mulher transgênero da Assembleia Legislativa de São Paulo, Erica Malunguinho.

Erica Malunguinho:

Nós estamos lutando por direitos civis ainda, principalmente a população T: construção de cidadania básica, direito ao nome, acessar banheiro. 

Pedro Henrique França:

É claro que quando a gente pensa numa democracia, a gente está falando em deputados, parlamentares que legislem para todos, todas e todes. Ou seja, eu enquanto homem gay e com deficiência vou legislar também pensando pautas que tragam questões sobre LGBTQIAP+ e sobre pessoas com deficiência. Mas é claro que eu tenho que estar atento às demandas e necessidades da população negra, da população pobre, das mulheres, dos povos indígenas… Espera-se que todo parlamentar tenha esse olhar macro. 

Isso não se aplica na prática. Somos há 14 anos o país que mais mata LGBTQIA+ no mundo e não tivemos até hoje nenhuma lei de promoção, direito e proteção à população LGBTQIAP+ — que são poucas e muito recentes — a gente está falando da criminalização da homofobia, por exemplo, que é de 2019. A gente está falando de leis que permitem a adoção, a gente está falando de união civil, de nome social, ou seja, tudo isso, de dependesse do congresso, até hoje não estaria sendo realizado ou nos garantindo enquanto direitos. 

Tudo o que a gente tem é por intervenção do Supremo Tribunal Federal, por omissão do poder legislativo.

Marcelo Abud:

O filme também conta com a análise da transpóloga, como se denomina a antropóloga trans Renata Carvalho. Ela traz um exemplo sobre a importância de que os espaços sejam ocupados coletivamente como forma de diminuir a violência e, por outro lado, aumentar a força da representatividade na política. 

Renata Carvalho:

Sempre trago um exemplo de um armazém com mil pessoas. Se entrar uma pessoa trans, ela vai continuar sendo apontada, ninguém vai querer falar com ela, mas se nós ocuparmos esse mesmo armazém com mil pessoas, mas com duzentas pessoas trans, é mais fácil de nós naturalizarmos a nossa presença e não ser uma presença exotificada. 

Pedro Henrique França:

Ou seja, é importante que a gente ocupe esses espaços, porque é claro que a gente tem camadas de sensibilidade sobre a nossa população que não estão representadas em outros corpos que não nos representam. Por isso que, quando a gente pensa em avanço no campo legislativo, claro que a gente tem que comemorar a entrada da Erika Hilton ou Duda Salabert, que são as duas primeiras mulheres trans a ocuparem uma cadeira no congresso. 

Mas a gente tem que lembrar também dos corpos LGBTQIA+ que a gente perdeu ao longo do caminho. A gente está falando de uma barbárie como o assassinato da Marielle Franco — uma vereadora lésbica, negra —, a gente tem o Jean Wyllys, que está no filme e que se exilou com medo de que tivesse o mesmo fim de Marielle Franco. Ou seja, a institucionalização da barbárie, fazendo com que a gente perca vozes fundamentais pra política brasileira. Tem a própria Erica Malunguinho, que saiu da vida política — não sabemos se temporariamente ou não. Mas a gente está falando de violências políticas que essas pessoas sofrem nos ambientes legislativos, que não podem ser admitidas, tem que existir uma proteção para que esses corpos não só entrem como continuem nesse espaço de poder. 

Marcelo Abud:

A jovem poeta Andréa Bak foi candidata a vereadora do Rio de Janeiro e é outra representante que está em Corpolítica.

Andréa Bak:

Um corpo quando nasce preto, mulher, LGBT, ele nasce político. A partir do momento que eu tenho que lutar para não ser morta enquanto mulher, não ser violentada enquanto LGBT, não sofrer todo racismo estrutural enquanto pessoa preta, a gente naturalmente exerce toda essa potência de ser um ser político. 

Marcelo Abud:

Um dos caminhos apontados no documentário Corpolítica para superar o preconceito é a humanização dos corpos LGBTQIA+. 

Pedro Henrique França:

Quando a gente pensa no corpo LGBTQIA+, a gente está falando de uma primeira etapa, que começa muitas vezes em casa, de violência. Este discurso LGBTfóbico, essa falsa moralidade cristã sobre os nossos corpos, que culpabilizam, eles fazem com que muitos pais e mães acabem tendo reações como a da Erika Hilton, que, de repente, se vê ali envolta num discurso fundamentalista religioso e expulsa a sua filha de casa, sem nem ao menos saber onde ela vai dormir, o que vai acontecer com ela, e que, num entendimento sobre a importância de uma relação de mãe e filho, traz essa filha de volta para casa e constrói uma nova relação a partir daí. E isso não quer dizer que ela tenha abandonado a religião, muito pelo contrário, ela hoje é uma voz importantíssima dentro da igreja evangélica, onde ela atua como pessoa evangélica progressista. 

Música: “Early Avril”, de Unicorn Heads, fica de fundo

Marcelo Abud:

Para Pedro Henrique França, garantir a diversidade e a representatividade na política só será possível se houver punição significativa a situações que reproduzam o machismo da sociedade nos ambientes políticos. 

Marcelo Abud para o podcast de cidadania do Instituto Claro.

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