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Mais importante do que a religião é a humanização. É dessa forma que o padre Júlio Lancellotti explica que compaixão, misericórdia e solidariedade são dimensões humanas, não religiosas. “A religião é um instrumento. Ela não é garantia de humanização, porque os ateus também podem ser bastante humanizados sem ter nenhuma religião. Ou os agnósticos”, afirma. O pasto Henrique Vieira concorda. Para ele, toda a experiência religiosa deve ter como fim a humanização e a sensibilização.

Humanização na prática

Com 40 anos de sacerdócio e luta pelos direitos humanos, Lancellotti é pároco da Igreja de São Miguel Arcanjo, na Zona Leste de São Paulo. Desde o início da pandemia, destaca-se pelo amparo e proximidade com as pessoas em situação de rua, mesmo fazendo parte do grupo de risco da covid-19. Lancellotti considera importante oferecer ajuda humanitária, mas, para ele, conviver com pessoas em situação de rua e outras que estejam precisando de algum tipo de auxílio é ir além da simples caridade. “O trabalhar pode ser dar comida. O conviver é comer junto. E você só ama com quem você convive”, conclui.

Jesus foi um militante de direitos humanos
Padre Julio Lancellotti segura camiseta com frase de pastor Henrique Vieira (crédito: Valéria Jurado/ reprodução do Instagram)

Essa visão é compartilhada pelo pastor Henrique Vieira, que tem no padre uma inspiração. No livro “O amor como revolução?”, de 2019, ele defende que o amor é mais que um sentimento, é uma atitude. “Amor é a base de tudo. É muito mais do que sentimento. É decisão, é atitude, é modo de viver e de se relacionar. O amor tem como fruto a justiça, a solidariedade, a construção de uma sociedade do bem viver para todas as pessoas”, acredita. No áudio, os dois trazem mensagens que vão além das religiões e defendem o respeito às diferentes, a escuta e a humildade.

Transcrição do Áudio

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Padre Júlio Lancellotti:
Eu acredito que as religiões elas podem ser instrumentos de humanização, mas não necessariamente são. Muitas vezes as pessoas são muito religiosas e extremamente desumanizadas e extremamente desumanizadoras. Dizem ‘Deus, acima de tudo’ e põem o povo abaixo de nada.
Olá, aqui é o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral de Rua da Arquidiocese de São Paulo.

Pastor Henrique Vieira:
Toda experiência religiosa deve ter como objetivo nos humanizar, nos sensibilizar diante da humanidade.
Olá, sou Henrique, pastor batista, ator e escritor.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Todo fim de ano, palavras como compaixão e amor são repetidas em mensagens e em conversas familiares. Para o Padre Júlio Lancellotti e o Pastor Henrique Vieira, esses são valores humanos tão ou mais importantes do que a própria religião.

Padre Júlio Lancellotti:
A religião ela é um instrumento, ela não é a garantia de humanização. Porque os ateus também podem ser bastante humanizados sem ter nenhuma religião, ou os agnósticos. Então, a compaixão, a misericórdia, a solidariedade são dimensões humanas. Não religiosas.

Pastor Henrique Vieira:
O amor tem tudo a ver com uma genuína experiência religiosa. Sem amor, tudo é em vão. As coisas perdem sentido. Sem amor, nós não temos a experiência verdadeira do sagrado. A Bíblia, por exemplo, diz que ‘Deus é amor e toda pessoa que ama, nasce de Deus’. Portanto, o amor é a principal marca de uma espiritualidade genuína. O amor não fica em silêncio diante da fome, da desigualdade, do acúmulo desenfreado de riquezas; o amor tem ética, tem consequência política; o amor busca a construção de uma sociedade justa, solidária e fraterna; cultiva compaixão, solidariedade, quebra preconceitos, promove justiça.

Música: “Monte Castelo” (Renato Russo), com Leila Pinheiro
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade
O amor é bom, não quer o mal
Não sente inveja ou se envaidece

Padre Júlio Lancellotti:
O amor está dentro da dimensão de todas as religiões, mas também eu acredito que não é a garantia de você ser uma pessoa amorosa e amorizada, por ser religioso. Há muitas pessoas religiosas, também, que não são capazes de amar os pobres; que não são capazes de amar os encarcerados, os abandonados, a população em situação de rua. Então, a religião pode ser um instrumento que te ajude a amorizar a tua vida e a ser uma pessoa amorosa.
Há pessoas religiosas, por exemplo – fanatizadas – que não conhecem a dimensão do amor comunitário, do amor solidário, do amor fraterno, e usam os seus princípios religiosos pra fomentar homofobia, transfobia, a aporofobia, pra fomentar tudo aquilo que é de discriminação e preconceito.
Então, às vezes, o princípio religioso pode não levar a você a ser uma pessoa amorosa, mas ser uma pessoa individualista. Eu digo para o povo sempre: ‘eu com Deus me dou muito bem, o problema é quando vem a família Dele’. A pessoa pode se sentir muito religiosa por uma ligação individual com o que ela chama de ‘divindade’, mas isso não traz garantia de que essa pessoa seja propagadora do amor.

Marcelo Abud:
No livro “O Amor como Revolução”, Henrique Vieira defende que o amor é uma atitude afetiva e efetiva que nos humaniza e nos compromete com a vida plena para todas as pessoas.

Pastor Henrique Vieira:
Acredito que todos nós podemos ser melhores a partir da humildade, da escuta, da convivência; a partir da amizade, nós podemos, a cada dia, desenvolver uma vida mais amorosa, mais generosa. Uma vida que vá transformando o mundo. E acredito, sim, no diálogo entre as diferenças; o diálogo respeitoso, o diálogo que não demoniza o outro, que pode ser frutífero, nos levando ao crescimento conjunto.

Padre Júlio Lancellotti:
Nós temos que levar em conta a diversidade, o pluralismo na vida comunitária, na vida social. Seria impossível – e essa é uma das formas que acaba desenvolvendo todo tipo de fobia, quando nós só achamos que são dignos do nosso amor, do nosso afeto, do nosso respeito, da nossa proximidade, aqueles que pensam como nós, ‘vivendo dentro de bolhas’. Nós temos que romper essas bolhas, esses ‘apartheids’ e considerar os quilombolas, os povos indígenas, as diferentes culturas, as diferentes religiões…
Você veja, nesse momento, em que parece que é fundamentalmente, Natal, uma comemoração cristã, os cristãos não podem aceitar a destruição das religiões de matriz africana.

Música: Canto de Xangô (Baden Powell e Vinicius de Moraes), com Quarteto em Cy
Salve, Xangô, meu Rei Senhor
Salve, meu Orixá
Tem sete cores sua cor
Sete dias para gente amar

Pastor Henrique Vieira:
Amor é a base de tudo, é muito mais do que sentimento. É decisão, é atitude, é modo de viver e de se relacionar. O amor tem como fruto a justiça, a solidariedade, a construção de uma sociedade, de um bem viver, para todas as pessoas. Compaixão: não é ter pena, não é se sentir superior.
Humanização: tornar-se cada vez mais humano, se importando com a vida sem qualquer distinção.

Padre Júlio Lancellotti:
Olha, a humanização é um objetivo e é um meio: você humaniza, humanizando. Às vezes, também, nós utilizamos pra condenar àqueles que nós consideramos como não cidadãos – os que estão encarcerados, os que estão em situações de serem prostituídos; pessoas que estão em situação de rua. E nós não consideramos que eles sejam sujeitos de direitos, que eles não possam ser torturados.

Marcelo Abud:
Júlio Lancellotti considera importante oferecer ajuda humanitária. Mas conviver com pessoas em situação de rua e outras que estejam precisando de algum tipo de auxílio, é ir além da simples caridade.

Padre Júlio Lancellotti:
Porque ‘o trabalhar’ pode ser ‘dar comida’; ‘o conviver’ é ‘comer junto’. Essa é que é a grande diferença. E você só ama com quem você convive. Você não consegue amar se você não tem convivência.

Pastor Henrique Vieira:
Compaixão é assumir para si a dor que é do outro. É vencer a indiferença, o egoísmo e a petrificação do coração. Compaixão é sentir junto.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Os pensamentos em comum entre o padre e o pastor têm feito com que se conectem, também, em encontros. As mensagens importantes que transmitem nos fazem crer que todas as pessoas podem ser melhores e aprender a conviver, mesmo – e principalmente – diante das diferenças.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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