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Marcelo Abud

A ciência pode ensinar a usar a tristeza, o medo, a raiva e outras emoções negativas a favor da evolução do ser humano. Essa é a percepção do psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq-HC), Daniel Martins de Barros, em seu livro recém-lançado “O Lado bom do lado ruim”.

“No dia a dia, com a nossa vida normal, sem que as nossas emoções fiquem adoecidas ou que virem transtornos, esses sentimentos considerados ruins nos mostram coisas importantes. A gente precisa ficar atento a tudo o que nós sentimos, aprender a discernir e a discriminar isso”, resume o autor.

Daniel de Barros defende que podemos aprender com as emoções negativas (crédito: divulgação)

 

No podcast, Barros explica como emoções desagradáveis servem de alertas preciosos para a percepção do que não vai bem na vida de cada um.

“Se você está triste por alguma coisa, é porque aquilo era importante para você. Então, essa sensação é uma grande sinalizadora de valores, de prioridades, de coisas que realmente têm importância. Ela nos ajuda a identificar e a pensar sobre isso”, exemplifica.

Crédito da imagem: fizkes – iStock

Transcrição do áudio:

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Daniel de Barrros:
Tem emoções que são gostosas e emoções que são desagradáveis. Essas que são as chamadas emoções ruins. O que não significa que elas devam ser extintas, silenciadas ou expulsas da nossa vida. Sim, elas têm um aspecto desagradável, um aspecto negativo, mas elas têm um lado bom, que são estes aspectos positivos, úteis das emoções desagradáveis.

Eu sou Daniel Martins de Barros. Sou psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.

Vinheta: “Instituto Claro – Cidadania”

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Como a ciência ensina a usar a tristeza, o medo, a raiva e outras emoções a favor da evolução do ser humano? Para responder a esta pergunta, o Instituto Claro conversou com o psiquiatra e autor do livro “O Lado bom do lado ruim”, Daniel de Barros. Ele explica que toda emoção tem aspectos positivos e negativos, inclusive a alegria.

Daniel de Barros:
E aí, na alegria, eu falei “bom, eu não vou falar o lado bom da alegria, porque isso todo mundo sabe, isso está cheio de livro falando, eu vou focar nos aspectos menos falados da alegria”. Quando a gente fica muito alegre, muito eufórico, a gente é mais inconsequente. Alegria é uma emoção que não estimula o raciocínio, a gente faz as coisas mais sem pensar, na empolgação da hora. Então, nenhuma emoção é só lado bom, todas as emoções também têm aspectos negativos e alegria não fica de fora.

Marcelo Abud:
Sentir medo pode proteger você de situações que sejam verdadeiramente perigosas? Esse sentimento faz diferença em um período de crise, como a vivida com a pandemia no novo coronavírus?

Daniel de Barros:
O medo é um dos grandes alarmes instalados no nosso cérebro. Ele sinaliza para nós o perigo, nos prepara para enfrentar ameaças e nos coloca em estado de prontidão. E é claro que é importante também a gente entender que o medo é isso, o medo é essa emoção que nos coloca de prontidão para enfrentar o perigo. Porque, às vezes, a gente tem medo de uma situação que não está no nosso controle, de uma situação que a gente não tem nada para fazer. E, aí, não adianta ter medo. Então é importante a gente entender qual a função do medo, até para entender quando ele não tem lugar e conseguir se livrar dele.

Música: Medo (Antonio Bellotto / Marcelo Fromer / Arnaldo Filho), com Titãs
“Precisa perder o medo da ciência / Precisa perder o medo da perda / Da consciência”

Daniel de Barros:
Pessoas que se sentem mais vulneráveis, que tem um pouco de medo, que são suscetíveis àquilo, são as pessoas que realmente adotam o comportamento de prevenção, de distanciamento social, a higiene das mãos etc. Quando a gente está muito corajoso, quando a gente acha que não precisa ter medo de nada, é mais difícil a gente aderir a esses comportamentos. Então, é bom que a gente tenha, sim, um pouco de medo nesse momento.

Marcelo Abud:
Daniel de Barros comenta o que a raiva pode sinalizar.

Daniel de Barros:
A raiva é uma emoção que mostra para nós as coisas injustas, aquilo que não está no lugar adequado, que era para ser nosso e o outro pegou, que era para seguirem normas que não estão sendo seguidas. Então, a raiva é uma emoção que está por trás da indignação, da força por mudança, da luta por melhorias. Ela tem essa função bem importante de nos colocar em marcha, para fazer as coisas mudarem, as coisas melhorarem. Claro que ela também pode estar deslocada. A gente pode estar com raiva de coisas bobas e, aí, a gente está exagerando e precisa estar atento a isso. Mas, de forma geral, ela tem esse aspecto bem interessante, bem importante para a humanidade.

Marcelo Abud:
Segundo o psiquiatra, a raiva representa uma disputa de território. Com o individualismo, essa emoção tende a aumentar. Por outro lado, quando se pensa mais no coletivo, a raiva diminui.

Daniel de Barros:
Quanto mais a gente tem uma ideia dos direitos do outro e menos focado no nosso próprio livro de regras, menos raiva a gente sente. A grande maneira de lidar é justamente ouvir a raiva, é perceber que, sei lá, o sujeito no mercado furou a minha fila… Sim, ele cometeu uma infração de uma norma social, mas adianta eu ir lá brigar com ele, vai fazer ele mudar de comportamento, vai tornar o mundo um lugar melhor ou só vai aumentar a hostilidade de todo mundo e até me coloca em risco? Então, a gente ouvir a nossa emoção, não significa a gente agir de acordo com ela. Às vezes, a gente tem que segurar mesmo o nosso comportamento, mas a gente percebeu o que está sentindo, interpretar os nossos sentimentos é fundamental.

Marcelo Abud:
E qual o lado bom da tristeza?

Daniel de Barros:
É a tristeza que faz a gente pensar. Quando você está alegre, você nem está querendo saber de refletir na vida, você para para pensar na alegria da sua vida, a alegria vai embora. Quem faz a gente parar para pensar, refletir, ficar naquela posição mais introspectiva, enfim, examinar a gente mesmo é a tristeza. E ela mostra para nós o que é importante. Se você está triste por alguma coisa, é porque aquilo era importante para você. Então ela é um grande sinalizador de valores, de prioridades, de coisas que realmente têm importância na nossa vida. E ela nos ajuda a identificar e a pensar sobre isso.

Marcelo Abud:
O psiquiatra fala sobre as emoções que o impulsionaram a escrever sobre o lado bom do lado ruim.

Daniel de Barros:
Vem de uma percepção já antiga de que a gente tenta ignorar essas emoções negativas, a gente faz um discurso de um marketing da felicidade, de uma euforia constante, como se isso fosse bom ou possível. E o livro vem para dizer que isso não é possível e nem sequer bom, ficar em um estado de euforia perpétua. A gente precisa da riqueza das emoções, da variedade, da diversidade emocional, pra dar conta da vida como um todo. A gente precisa estar atento a tudo o que nós sentimos, aprender a discriminar e a discernir nossas emoções. Isso já antes e depois da pandemia.

Música: Divino Maravilhoso (Gilberto Gil e Caetano Veloso), com Iza e Caetano
“Atenção / Tudo é perigoso / Tudo é divino maravilhoso / Atenção para o refrão / É preciso estar atento e forte / Não temos tempo de temer a morte”

Daniel de Barros:
A pandemia não tem nada de bom. É uma tragédia, um drama na nossa história e como todas as coisas, ela aconteceu. Ela acontece. Ela não tem uma intenção de nos ensinar nada. Eu acho que a gente pode aprender. Já que nós estamos nesta situação, o que podemos aprender? E, sim, a gente pode aprender a importância do outro, a gente pode aprender a importância da coletividade, da colaboração, refletir melhor sobre o que é realmente importante, quais são as nossas prioridades, do que a gente mais sentiu falta. Então, tem coisas que a gente vive contando com elas e quando elas faltam é que a gente percebe como elas são fundamentais pra nossa vida.

Música: Samba da Bênção (Baden Powell / Vinícius de Moraes), com Maria Bethânia
“Mas pra fazer um samba com beleza / É preciso um bocado de tristeza / É preciso um bocado de tristeza / Senão, não se faz um samba não”

Daniel de Barros:
No dia a dia, com a nossa vida normal, sem que as emoções fiquem adoecidas ou que virem transtornos, elas nos mostram coisas importantes.

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Emoções desagradáveis podem ser alertas preciosos para algo que não vai bem. Ao dar ouvido a essas emoções, não só se aprende e evolui, como problemas maiores são evitados.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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