Ouça também em: Ouvir no Claro Música Ouvir no Spotify Ouvir no Google Podcasts Assina RSS de Podcasts

O filme sobre o humorista Mussum narra a trajetória de vida de Antônio Carlos Bernardes Gomes para além do artista nacionalmente conhecido. A cinebiografia “Mussum, o Filmis” mostra desde a infância pobre, a relação com a escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, passando pelo sucesso com o grupo Os Originais do Samba até os bastidores e reproduções de quadros do programa “Os Trapalhões”.

Segundo a mestra em cultura e sociedade pelo Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC), da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Stéfane Souto, o filme é considerado uma experiência de aquilombamento cultural.

“O conceito de aquilombamento tem origem no trabalho de pesquisa realizado pela historiadora sergipana Beatriz Nascimento, no final da década de 80. Beatriz Nascimento foi a primeira intelectual brasileira a defender o sentido simbólico do quilombo, demonstrando que os sentidos de fuga, paz e luta que constituíam os quilombos durante o regime escravocrata permanecem nas organizações sociais formadas pelas pessoas negras até os dias atuais. O campo da cultura tem sido hoje um dos principais meios de expressão do aquilombamento, por meio de iniciativas como espaços culturais, atividades formativas, eventos e produtos culturais criados por e para pessoas negras”, explica a pesquisadora.

mussum-filmis
Cena de “Mussum, o Filmis” (crédito: Desirée do Valle)

Aquilombamento em ‘Mussum, o Filmis’

No longa, a trajetória do comediante e sambista é realizada por equipe e elenco majoritariamente negros. Além disso, o filme leva às telas outros importantes nomes da cultura brasileira, como Grande Otelo (Nando Cunha), Alcione (Clarice Paixão), Jorge Ben (Ícaro Silva), Cartola (Flávio Bauraqui), Garrincha (Wilson Simoninha), Nilton da Mangueira (Mussunzinho), Milton Carneiro (Marcello Picchi) e Elza Soares (Larissa Luz).

“É um filme preto, de um diretor preto, com elenco e equipe majoritariamente pretos. Isso foi uma escolha. Eu tive essa escolha. Esse é o lugar que aos poucos a gente está conseguindo conquistar, integrando com esse olhar de dentro para fora”, resume o diretor de “Mussum, o Filmis”, Silvio Guindane.

No áudio, você acompanha as entrevistas com Stéfane Souto e Silvio Guindane e ainda trechos do filme em que Ailton Graça, que interpreta o protagonista, revive uma das visitas de Mussum à escola de samba mirim e projeto social Mangueira do Amanhã.

Clique o botão acima e ouça a íntegra do podcast.

Transcrição do Áudio

Música: “Batuque Bom”, de Quincas Borba, fica de fundo

Stéfane Souto:

Uma produção como “Mussum, o Filmis” apresenta para a gente uma série de camadas onde é possível perceber o aquilombamento acontecendo e se expressando. Eu não tenho dúvidas que ser uma pessoa negra, profissional do audiovisual e participar de uma produção como essa, formada por uma equipe majoritariamente negra, é um acontecimento transformador na vida desse profissional, a nível psíquico, a nível emocional, político, enfim.

Além disso, existem nuances da subjetividade de uma pessoa negra que só podem ser compreendidas por quem sente e vive uma experiência parecida, porque se dão no campo do sentir na pele, no sentir da pele negra. Então, quando a história de uma pessoa negra como Mussum é contada por diretores e por produtores negros, essa memória, ela não é apenas narrada, ela é sentida, vivida, e aí sim ela é transmitida.

Eu sou Stéfane Souto, sou uma mulher negra da cor preta, sou pesquisadora e produtora cultural, natural da cidade de Salvador, Bahia.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música: “Batuque Bom” fica de fundo

Marcelo Abud:

A cinebiografia sobre Mussum mostra que Antônio Carlos Bernardes Gomes foi muito além de um dos “Os Trapalhões” na TV. Ele foi importante, por exemplo, no samba, como um dos fundadores do “Os Originais do Samba” e também pela atuação e divulgação da Estação Primeira de Mangueira.

Ao longo deste episódio, você vai acompanhar o áudio de uma cena em que o ator interpreta Mussum em visita ao projeto social e escola de samba mirim Mangueira do Amanhã.

O filme, além do elenco e da direção, conta com maioria negra também na equipe técnica. Stéfane Souto explica que isso torna a realização de “Mussum, o Filmis” um aquilombamento cultural.

Stéfane Souto:

Para gente falar sobre o conceito de aquilombamento cultural, é importante entender que o conceito de aquilombamento tem origem no trabalho de pesquisa realizado pela historiadora sergipana Beatriz Nascimento, no final da década de 80.

Beatriz Nascimento foi a primeira intelectual brasileira a defender o sentido simbólico do quilombo, demonstrando que os sentidos de fuga, paz e luta que constituíam os quilombos durante o regime escravocrata permanecem nas organizações sociais formadas pelas pessoas negras até os dias atuais.

Então, se a gente localiza essa ideia no universo das artes e da cultura, fica fácil visualizar que o campo da cultura tem sido hoje um dos principais meios de expressão do aquilombamento, através de iniciativas como espaços culturais, atividades formativas, eventos e produtos culturais criados por e para pessoas negras.

Silvio Guindane:

Olá, eu sou Silvio Guindane, ator, produtor e dirigi o filme “Mussum, o Filmis”.

É um filme preto, de um diretor preto, com elenco e equipe majoritariamente preta. Isso foi uma escolha. Eu tive essa escolha. Esse é o lugar que aos poucos a gente está conseguindo conquistar, integrando com esse olhar de dentro pra fora.

Áudio de cena do filme em que Ailton Graça, como Mussum, visita a Mangueira do Amanhã

Ailton Graça (Mussum):

A gente pode… A gente pode trabalhar! A gente pode… A gente pode estudar. A gente pode sambar. A gente pode sonhar!

Silvio Guindane:

Eu prefiro mostrar na tela uma história onde um branco até vá assistir e saia de lá rindo, se emocionando e refletindo principalmente sobre a vida, seus conceitos, racismo e a possibilidade de escolhas, que é algo que a classe média tem e que a maioria da população não tem.

Ailton Graça (Mussum) se dirigindo a crianças da Mangueira do Amanhã:

Nunca deixe que digam que você não pode ser e nem fazer o que você quer por causa da sua cor ou por causa do lugar de onde você veio, a gente pode tudo!

Stéfane Souto:

Produções audiovisuais como “Mussum, o Filmis” e “Ó Pai, Ó 2”, que é uma outra grande estreia nacional que nós estamos acompanhando nesse mesmo momento, têm uma importância imensurável para o momento histórico que estamos vivendo, porque são produções que atingem camadas desde a representatividade até a representação.

Quando a gente está falando de representatividade, a gente está falando de uma urgência que tem se colocado nesse momento, que é das pessoas se verem, se enxergarem, se identificarem com aquilo que elas consomem, com aquilo que elas assistem, com aquilo que elas estão vendo nas telas.

E quando estamos falando de representação, a gente está falando de ocuparmos esses lugares, de nos apropriarmos dos espaços onde nós podemos construir nossas narrativas, construir nossos discursos, contar as histórias dos nossos, do jeito que nós queremos contar. Essa também tem sido uma flecha certeira, que eu acredito que esses dois filmes têm apontado em direção ao audiovisual negro, que faz sentido no nosso tempo.

Silvio Guindane:

80% da população pobre do Brasil é negra. Ou seja, a maioria da população que dá grandes bilheterias no cinema é preta. E essa população não se vê na tela. A hora que a gente coloca um protagonista negro, com questões humanas, esse espectador adquire essas questões humanas, ele ri, ele se diverte, ele se entretém, ele se emociona e ele se reconhece vendo a obra.

Ailton Graça (Mussum) se dirigindo a crianças da Mangueira do Amanhã:

E tudo começa aqui. Estudando, aprendendo, sabe por quê? Porque, como dizia a pessoa mais linda desse mundo, a minha mãezinha dizia assim (imitando voz da mãe): “Filho, olha, aprende uma coisa, burro preto tem um monte. Mas preto burro não dá!”

(crianças aplaudem e Mussum ri com elas)

Silvio Guindane:

E essa relação entre mãe e filho, que é uma realidade da história desse personagem, ela se torna muito forte por uma identificação que é uma questão que bate diretamente com uma realidade política do Brasil. Quando eu falo realidade política do Brasil, é óbvio que o Mussum passou por problemas de preconceito, mas nós nos preocupamos, eu me preocupei muito em fazer um filme que humanizasse o Antônio Carlos Bernardes. O Antônio Carlos Bernardes é o Mussum, né?

Eu, propositalmente, fiz um filme, sim, de aquilombamento cultural, porém com uma grande preocupação que essa força preta atingisse a nós, mas ela também fizesse com que as outras pessoas de outras raças, de outra classe social, conseguissem refletir sobre o assunto. E eu acho que a arte é um grande passo para tentar explicar para os brancos o racismo estrutural. Aliás, a arte é muito importante para explicar muita coisa para muita gente.

Música: “Batuque Bom”, de Quincas Borba, fica de fundo

Marcelo Abud:

“Mussum, o Filmis” vai muito além do personagem que ficou conhecido como um dos quatro “Os Trapalhões” da TV. A cinebiografia mostra como Antônio Carlos Bernardes se dedicou aos estudos e procurou retribuir à mãe as oportunidades que teve. Mesmo com origem humilde, ele se transforma em um cidadão que teve seu talento reconhecido no samba, como humorista e em sua atuação na sociedade.

Marcelo Abud para o podcast de Cidadania do Instituto Claro.

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Receba NossasNovidades

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.