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Uma artista que retratou em sua obra o próprio sofrimento e paixões para denunciar a violência contra mulheres e minorias sociais. Esse é um aspecto que merece destaque na obra de Frida Kahlo, falecida em 13 de julho de 1954, na opinião da pós-doutora em estudos da mulher pela Univesidad Autónoma Metropolitana de Xochimilco (no México) e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC – RS) Edla Eggert.

Na entrevista para este episódio do podcast do Instituto Claro, a pesquisadora faz paralelos entre pinturas de Frida e acontecimentos que envolvem a luta por igualdade das mulheres e da comunidade LGBTQIAP+. Eggert cita o quadro “Unos cuantos piquetitos” (1935) – “Alguns pequenos cortes” –, no qual afirma ser possível discutir a violência doméstica.

“Inclusive a gente traduz isso na famosa frase, ‘Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher’. A gente transforma essa representação numa grande discussão que eleva tanto o campo jurídico ao campo sociopolítico; como é que a gente no espaço, por exemplo, onde eu trabalho, com o que eu trabalho, os espaços formais ou não-formais, ensinam essa subserviência, essa condição de naturalizar a violência”, explica.

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      Quadro “O veado ferido” (1946) / Pintura a óleo de Frida Kahlo (crédito: TASCHEN)

De acordo com a pesquisadora, outra obra que se manifesta contra a violência é “O veado ferido” (1946). “Esse veado ‘sangrante’, essa violência para com toda a comunidade LGBTQIAP+. Hoje em dia tem nesse quadro uma referência muito simbólica. Então ela vai do caminho, desde a mulher morta pela tradição e violência patriarcal até chegar no ‘veadito’. Assim como tem a fraternidade tem a sororidade entre as mulheres, não mais como a disputa e sim como cumplicidades”, analisa.

Segundo Eggert, a obra de Frida Kahlo é uma forma de fortalecer espaços de fragilidade. “A forma como ela não faz o buço, ela está pouco se lixando para o formato do que é o feminino, o feminino patriarcal, o feminino do desejo do outro. A Frida é assim um ícone para as comunidades marginais [marginalizadas], porque ela vai produzindo, esteticamente, o belo de como eu me coloco com o meu corpo”, finaliza a especialista.

Crédito da imagem: Pintura a óleo de Frida Kahlo – TASCHEN

Atualizado em 07/03/2024, às 13h09.

Transcrição do Áudio

Música: “Chiapas Marimba”, de Jimena Contreras, fica de fundo

Edla Eggert:

Quando eu penso nas questões que a Frida interpela pela obra que ela entregou pra gente, a temática da cidadania vai ser um dos marcadores da experiência de vida dela. Pra mim, eu vou ler a temática da cidadania desde essa perspectiva de que as mulheres podem se tornar autoras autônomas. E cidadania, na verdade é isso, né, a autonomia dentro de um processo de convívio com as pessoas no mundo. E ela vai… por esse caminho também, a expressão plástica vai sendo aguçada.

Me chamo Edla Eggert. Eu sou uma pesquisadora no campo das histórias de vida de mulheres e estou no programa de pós-graduação e na graduação da PUC, na escola de humanidades. Componho um grupo de pessoas que busca relacionar a pesquisa com a vida do cotidiano.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Frida Kahlo utilizou as artes plásticas para denunciar, entre outras violências, os assassinatos cometidos contra mulheres. Do final dos anos 1920 até 1954 retratou suas experiências pessoais para se posicionar em relação ao que estava acontecendo na sociedade. 70 anos após a morte da pintora mexicana, a obra e os pensamentos deixados por ela continuam a inspirar movimentos como o feminismo e a comunidade LGBTQIA+. Em um de seus quadros, por exemplo, denuncia o feminicídio.

Edla Eggert:

A Frida, quando ela ouve uma notícia no rádio, de uma mulher que foi picoteada pelo companheiro e ele, ao dizer para o juiz que ele só queria dar uns quantos ‘piquititos’, alguns golpes nela para – como muitas vezes acontece – ‘Eu só queria assustá-la’. Ela ouve essa notícia, e ela representa esse quadro, e o quadro se chama ‘Unos cuantos piquetitos’, e esse corpo está lá, dilacerado na cama. E o sapato para um lado, o gesto das mãos dessa mulher; essa mulher tem uma tez que se aproxima à Frida, mas também se aproxima às mulheres indígenas com as quais ela tinha essa vinculação, essa retomada materna dos povos – hoje em dia a gente chamaria assim, dos povos originários. E esse homem, olhando essa mulher com as mãos no bolso, como quem diz, ‘Eu não tenho nada a ver com isso’.

Marcelo Abud:

O quadro, de 1935, em português, é traduzido como “Alguns pequenos cortes”. A pintura coloca os espectadores como testemunhas de um crime e denuncia o silêncio diante desse feminicídio.

Edla Eggert:

Você tem um quadro que abre a possibilidade da gente discutir a violência que está dentro de casa, mas ao mesmo tempo a violência que está conosco, que muitas vezes, inclusive a gente traduz isso na famosa frase, né, ‘Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher’. A gente transforma essa representação numa grande discussão que eleva tanto o campo jurídico ao campo sociopolítico: como é que a gente no espaço, por exemplo, onde eu trabalho, com o que eu trabalho, que é a educação, que é a escola, que é educação não-escolar etc. os espaços formais ou não-formais, ensinam a essa subserviência, essa condição de naturalizar a violência e, portanto, ‘Bom, é só mais uma aí, virou número e pronto’.

Se a gente vai um pouco mais atrás da história aí desse quadro, ela está num momento onde ela descobre a história do Diego com a irmã. Então, assim, tem uma série de coisas que estão na história de vida e que ela bota toda essa energia naquela representação. É um homem que matou essa mulher, mas tem um outro homem lá que também matou uma outra mulher, né? Não há golpes de faca, mas há golpes de não lealdade, como ela dizia. Ela queria que a lealdade fosse mais concreta que a fidelidade.

Marcelo Abud:

Em seus autorretratos, Frida destacava uma monocelha e seu buço. Ao realçar a abundância de pelos no rosto, desafia os estereótipos normalmente ligados às mulheres.

Edla Eggert:

A forma como ela não faz o buço, ela está pouco se lixando para o formato do que é o feminino, o feminino patriarcal, a gente poderia dizer assim, né, o feminino do desejo do outro, no caso, um heterossexual. Ela vai dizendo ‘Olha, eu estou pouco me lixando’. E esse ‘Eu tô pouco me lixando’, ele é um contraponto importante. É uma forma de tu poder fortalecer espaços da fragilidade construído dentro desse mundo tão cheio de formas e formatos já pré-estruturados, né?

Ou quando a gente pensa no próprio diário, o diário dela é uma maravilha, porque quando ela remete uma frase que é do diário dela, que é ‘Jo soy lá desintegración’, a gente ser a desintegração potencializa a ideia de que o trabalho de querer ser o que está definido como um mundo muito bem colocado demonstra a fragilidade das coisas.

Por isso que eu acho que a Frida, ela é assim um ícone para as comunidades marginais, porque ela vai produzindo, esteticamente, o belo de como eu me coloco com o meu corpo.

Marcelo Abud:

De acordo com Edla Eggert, outra obra que se manifesta contra a violência é “O veado ferido”, quadro criado por Frida Kahlo em 1946.

Edla Eggert:

O veado todo cheio das flechas, né? Esse veado “sangrante”, essa violência pra com toda a comunidade LGBTQIA+ hoje em dia tem nesse quadro uma referência muito simbólica. Então ela vai do caminho, desde a mulher morta pela tradição e violência patriarcal até chegar no ‘veadito’, passando pela ‘ultra Frida’, que pode ser ela mesma – mas pode ser uma outra mulher – que está juntada por um coração, o que hoje também se trabalha a ideia da… assim como tem a fraternidade, tem a sororidade entre as mulheres, não mais como a disputa e sim como cumplicidades.

Então, eu diria que o leque da Frida na produção artística é muito irreverente, criativa e inquieta, pela potência que produz esse tipo de impacto que a gente tem quando vê a obra mesmo. E isso é o que me inspira, no sentido de toda a Frida que há em nós, porque ela vai fazendo da desgraça, uma super graça. Então a ‘des-graça’ pode ser uma forma mais suportável de viver a vida.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Com sua postura na sociedade e os quadros que deixou, Frida Kahlo ainda hoje tem sido fonte de inspiração para a luta feminista e movimentos LGBTQIA+.

Marcelo Abud para o podcast de Cidadania do Instituto Claro.

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