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O viés de confirmação é um mecanismo do nosso cérebro que, mesmo de forma inconsciente, busca informações e opiniões que reforcem aquilo que acreditamos.

Muitas vezes essa confirmação vem a partir de suposições falsas que geram conforto à pessoa.

“É uma atitude cognitiva que antecipa o que a gente vai encontrar de novo – uma nova informação, um novo cenário, uma nova situação – certas predisposições que a gente já tinha em relação àquele objeto. (…) Então o viés de confirmação tem um efeito de reduzir o potencial de aprendizagem e de reduzir a tua escuta em relação ao que efetivamente o outro está querendo te dizer”, define o psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) Christian Dunker.

Principalmente em cenários polarizados, como os das redes sociais, o viés de confirmação favorece pontos de vista preconceituosos.

“A gente ainda tolera um nível de violência que vai reproduzir o quê? Os preconceitos de viéses cognitivos das pessoas: o preconceito de raça, o preconceito de classe, LGBTQIA+, religioso… Inaceitável. As gerações que virão não vão aceitar isso e vão achar assim: ‘por que vocês demoraram tanto tempo?’ em relação a isso, que é uma indução de violência social”, analisa o psicanalista.

Velocidade gera aumento de desinformação

Para o psicanalista, a rapidez com as quais as informações têm sido consumidas faz a pessoa tirar conclusões imediatamente.

É o caso de quem lê uma manchete e já deduz o que a matéria quer dizer. Isso cria um ambiente favorável para as chamadas fake news.

“A própria atitude de aprofundamento, ela é malvista, em grande parte da nossa comunicação digital. Isso convida a disparos muito apressados da ‘conclusividade’, e aqueles que sabem fazer ou conseguem fazer isso de forma mais contundente, eles acabam galgando uma autoridade, vamos chamar assim, indevida, uma autoridade que pode muito facilmente propagar desinformação”, pontua Dunker.

No áudio, o psicanalista aponta a necessidade de responsabilização de plataformas digitais – diante da disseminação de notícias falsas – e a educação midiática como caminhos para enfrentar o avanço de discursos de ódio e crimes na internet, que ganham força com o viés de confirmação.

Transcrição do Áudio

Música: Introdução de “O Futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Christian Dunker:

Menos de 1% da pesquisa em clima e meteorologia dá margem para que não esteja acontecendo o aquecimento da calota polar, derretimento etc. Mas o fato de você ter menos de 1% já não é 100%. Então aquela pessoa maledicente, aquela pessoa que está tomada pelo viés de confirmação, ela vai dizer assim então ‘vocês não podem ter certeza’. Se não pode ter certeza, então a minha posição é justa e legítima, e isso causa um estrago tremendo no debate. O debate público sobre ciência, sobre questões polêmicas, ele acaba sendo atravessado por esse tipo de manipulação retórica.

Oi, gente! Aqui é Christian Dunker, eu sou psicanalista, sou professor titular do Instituto de Psicologia da USP.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

O viés de confirmação é a busca, mesmo quando de forma inconsciente, de informações e opiniões que reforcem aquilo em que a pessoa acredita. Muitas vezes essa reafirmação vem a partir de suposições falsas.

Christian Dunker:

É uma atitude cognitiva que antecipa o que a gente vai encontrar de novo – uma nova informação, um novo cenário, uma nova situação –, certas predisposições que a gente já tinha em relação àquele objeto. Então, o viés de confirmação é encontrar o que você já sabia, é transformar o novo em antigo, é não perceber que às vezes há certas novidades cruciais do que está aparecendo ali, que você está reduzindo ao que você já sabe. Então o viés de confirmação, ele tem um efeito no fundo de reduzir o potencial de aprendizagem e reduzir os afetos ligados à aprendizagem – como espanto, como curiosidade – e de reduzir a tua escuta em relação ao que efetivamente o outro está querendo te dizer, porque você troca isso por uma espécie assim de aceleração da significação.

Marcelo Abud:

De acordo com Dunker, essa velocidade em que as informações têm sido consumidas faz com que, ao receber uma mensagem, a pessoa já tire conclusões imediatamente. É o caso de quem lê uma manchete e já deduz o que a matéria quer dizer. Isso cria um ambiente favorável para as chamadas fake news.

Christian Dunker:

No caso da comunicação acelerada em dispositivos digitais, telas em geral, esse efeito muitas vezes ele é substituído por perfis falsos, por conversas que precisam se concluir em duas, três trocas de palavras, senão você é imediatamente incriminado que tá fazendo um textão, tá levando aquele assunto mais a sério; ‘Que que é, você quer briga?’ A própria atitude de aprofundamento, ela é malvista, né, em grande parte da nossa comunicação digital. Isso convida a disparos muito apressados da conclusividade, e aqueles que sabem fazer ou conseguem fazer isso de forma mais contundente, eles acabam galgando, né, uma autoridade, vamos chamar assim, indevida, uma autoridade que pode muito facilmente propagar desinformação.

Marcelo Abud:

Com o passar do tempo, as redes sociais mudam de configuração e ampliam a força do viés de confirmação.

Christian Dunker:

Quando você passa de uma organização institucional, clássica, vertical dos saberes, para uma organização aberta, em que você vai ter sempre outras versões possíveis sobre aquele determinado assunto, isso gera um efeito de redução do campo. O excesso de opções, ele produz fenômenos assim de anomia, incerteza, de desamparo cognitivo, porque eu não consigo administrar essa quantidade de versões, vamos chamar assim, do mundo.

Marcelo Abud:

Dunker cita algumas das origens das diferentes versões a que as pessoas estão expostas com o avanço e a velocidade da disseminação de informações pela internet.

Christian Dunker:

Então eu vou pegar aqueles pontos de partida e que, muitas vezes, são pontos assim ligados à moralidade das pessoas e a religiosidades, aos preconceitos das pessoas, daqueles que estão mais perto, porque eles têm a estrutura de ‘eu acho assim’, ‘eu penso assim’, ‘eu tenho direito de achar desse jeito’. Então esses pontos encravados vão gerando, né, por associações e contágio, mais viés de confirmação. Então, eu acredito na minha tia, porque eu tenho, vamos dizer assim, uma experiência afetiva muito forte com ela, durante todos os anos ela sempre cuidou… uma pessoa que eu gosto no fundo. Bom, uma pessoa que eu gosto não vai estar me enganando. Mas aí passa desapercebido que ela esteja se enganando, e isso vai criando então cadeias de ignorância, cadeias de replicação de um saber, cuja matéria-prima, cuja a massa corrida que une esse saber é meramente a opinião das pessoas.

Marcelo Abud:

Ao passo que o uso das redes sociais cresce numa velocidade descontrolada, para o professor, é ainda muito recente a preocupação com boas práticas digitais. Esse descompasso torna o ambiente da internet muito perigoso para a cidadania e a convivência social.

Christian Dunker:

A gente tem hoje uma situação de descalabro no universo digital, sem um marco jurídico. Vamos fazer uma analogia: você convida aí um monte de pessoas para sua casa, distribui substâncias nocivas, deixa que as pessoas entrem sem apresentar a sua identificação, ou seja, anonimamente, e daí dá briga, e daí você diz assim: ‘não, mas eu só abri minha casa, e eu não sou responsável por nada que está acontecendo aqui’. No meu entender, a pessoa que dá uma festa desse tipo e tem feridos depois tem que pagar escola para os envolvidos – aquela escola do motorista de carro que não sabe dirigir – então você vai pagar uma escola para boas práticas digitais. E aí as ‘big techs’ têm que ser responsabilizadas por isso.

Esse descuido com a mediação, essa indiferença com os efeitos do que você permitiu em termos de encontro e de circulação da palavra, no Brasil, ela tá bem demasiadamente atrasada. A gente ainda tolera um nível, vamos dizer assim, de violência, que vai reproduzir o quê? Os preconceitos de viéses cognitivos das pessoas: o preconceito de raça, o preconceito de classe, LGBTQIA+, religioso… Inaceitável! As gerações que virão não vão aceitar isso e vão achar assim: ‘por que vocês demoraram tanto tempo’, né, em relação a isso, que é uma indução de violência social.

Marcelo Abud:

O psicanalista observa que quando a pessoa se vê numa situação de vulnerabilidade, por exemplo, quando é humilhada, sofre bullying ou algum tipo de discriminação, passa a buscar em grupos da internet uma espécie de pertencimento. Essa pessoa tem tudo para aderir a conteúdos que são manipulados e espalham discursos de ódio.

Christian Dunker:

A manipulação, né, a gente tem vários tipos, mas o mais comum é aquele que começa dizendo que você tá sendo enganado. Repara. Então, terraplanismo: ‘vocês aí, gente, vocês acham uma coisa, vocês estão sendo enganados. Nós temos uma versão outra’. Ou então seitas, né? ‘Olha, o que acontece nessa religião é tudo engano, é tudo falso, e aqui tem manipuladores, são pessoas interessadas simplesmente em ganhar dinheiro’. Denúncia! Depois vem: ‘venha para nós. Nós não somos assim’. E qual é a prova de que ‘nós’ não somos assim? Que ‘nós’ denunciamos o outro. Ou seja, o viés de confirmação duplo.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

A pessoa que busca o viés de confirmação se sente mais confortável com informações que corroboram suas crenças ou hipóteses pré-determinadas. Isso diminui muito o interesse pelo conhecimento que possa trazer um senso crítico diante da realidade.

Marcelo Abud para o podcast de cidadania do Instituto Claro.

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