Leonardo Valle

Seja vendendo balas nos faróis ou ajudando os familiares na roça, as crianças brasileiras ainda são vulneráveis ao trabalho infantil. “Nos centros urbanos, basicamente, temos um perfil acima de 14 anos e, no campo, de crianças abaixo dessa idade”, resume a socióloga e secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Isa de Oliveira. “Aproximadamente um terço desse tipo de atividade acontece nas áreas rurais e dois terços nas cidades”, apresenta.

A Constituição do país, entretanto, impede o trabalho para menores de 16 anos. A exceção é a condição de aprendiz, permitida para jovens a partir dos 14. Se a atividade for noturna, perigosa e insalubre, apenas maiores de 18 podem exercê-la.

A principal consequência do problema é a saúde da vítima. Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, apontam que 40.849 crianças e adolescentes sofreram acidentes de trabalho entre 2007 e 2017. Além disso, 236 outras vieram a óbito pelo mesmo motivo. O número, contudo, pode ser maior. “É um universo subnotificado, pois depende da sensibilização do profissional de saúde em identificar que a causa foi o trabalho infantil e fazer o registro”, assinala Oliveira.

De acordo com a especialista, uma criança possui até seis vezes mais chances de sofrer acidente de trabalho do que um adulto. Além disso, as atividades ainda comprometem seu desenvolvimento físico.

“Basta pensar que sua coluna não é igual a de um adulto. Se uma posição ergonômica inadequada já afetaria alguém de mais idade, para a criança, a consequência será pior”, compara a procuradora do trabalho e membro da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfancia), Patrícia Sanfelici.

“A pele também é mais sensível à exposição solar. Os danos, muitas vezes, não acontecem no momento do trabalho. O adoecimento vem depois, na idade adulta”, alerta.

Ciclo da pobreza

Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2016, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 1,8 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalham. “É muito comum o abandono escolar ou o comprometimento da aprendizagem, no caso daqueles que continuam na escola. O desempenho de quem precisa trabalhar e estudar é pior do que daquele que somente estuda”, afirma Oliveira.

“Do ponto de vista econômico, ao comprometer a escolaridade básica, essa criança e adolescente terá menos oportunidade para entrar no trabalho formal quando adulto. Será um forte candidato a, por exemplo, reproduzir a pobreza dos seus pais, estimulando um ciclo de miséria”, lamenta.

Para o país, o impacto econômico é menos mão de obra qualificada e postos de trabalho sem serem preenchidos. “Sem emprego formal, esse adulto também terá chances de ser um idoso desprotegido”, acrescenta.

Trabalho doméstico

Oliveira aponta que pode ser difícil para o cidadão comum denunciar o trabalho infantil por não entender a situação como crime. “Temos na sociedade o trabalho como valor positivo, pois prepara para ter profissão, empregabilidade e vida digna. O adulto pode, então, acreditar que a criança que trabalha pode se tornar responsável mais cedo, o que é falso”, explica.

“Para a criança, o que acontece é a exposição à uma atividade perigosa, que não qualifica, impede seu desenvolvimento e não prepara para o futuro”, decreta. 

Uma dúvida comum, por exemplo, é quando o trabalho doméstico configura uma violação de direitos. “Uma criança pode ajudar a família em casa em atividades compatíveis com a sua idade e sob a responsabilidade de um adulto. Já quando a obrigação de cuidar da casa e dos irmãos mais novos é somente dela, temos uma situação de trabalho infantil”, aponta.

O fato de pessoas públicas defenderem os benefícios desse tipo de atividade baseados na sua experiência pessoal também não elimina seus prejuízos para a maioria das crianças.

“São exceções à regra. Para cada pessoa que se manifesta favorável, há milhões de outras que não podem colocar sua voz no debate. Muitas, inclusive, porque faleceram por conta do trabalho infantil”, ressalta Sanfelici.

Ao testemunhar crianças trabalhando, é possível entrar em contato com o conselho tutelar, órgão presente em todos os municípios. “Algumas cidades também possuem redes de apoio específicas”, orienta a procuradora. Caso se saiba quem é o empregador, o ideal é acionar o Ministério Público do Trabalho. Outra possibilidade é utilizar o aplicativo gratuito Proteja Brasil, cujas denúncias são encaminhadas diretamente para o Disque 100.

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Crédito da imagem: Tinnakorn Jorruang – iStock

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