Introdução

O tema sexualidade, antes tratado de forma sigilosa e reservada, passa a ter destaque com o advento da AIDS e o aumento de casos de gravidez na adolescência. Definido atualmente no Brasil como um dos Temas Transversais nos Parâmetros Curriculares Nacionais passa a fazer parte do currículo oficial da escola, pela sua importância e urgência de debater a questão.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) a sexualidade humana é parte integrante da responsabilidade de cada um. “A sexualidade não é sinônimo de coito e não se limita à presença ou não do orgasmo. É energia que motiva a encontrar o afeto, contato e intimidade, e se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas e como estas se tocam e são tocadas”.

Porque abordar o tema em sala de aula

Quando falamos na inserção do tema na escola são muitas as questões a serem respondidas. Estas, elencadas a seguir, darão suporte à discussão neste texto.

A primeira refere-se ao nome mais adequado ao conjunto de atividades cujo alvo principal seja trabalhar o tema sexualidade na escola. Orientação Sexual ou Educação Sexual? A segunda está relacionada à definição da disciplina do currículo escolar a qual o tema deve ser objeto de estudo. O assunto sexualidade deve ser desenvolvido apenas pelo professor de Ciências e/ou Biologia ou deve ser abordado de forma interdisciplinar, por várias disciplinas?

A terceira refere-se às vertentes do tema que devem ser trabalhadas com os alunos. Os professores devem abordá-lo somente do ponto de vista biológico ou de uma forma mais ampla? Parece a princípio que são questões simples de serem respondidas, mas a definição de conceitos de forma apropriada torna o trabalho do educador mais direcionado e coerente. Neste texto procuraremos refletir sobre estas questões.

Escolhemos a definição proposta no Guia de Orientação Sexual, publicação traduzida e adaptada pelas Organizações Não Governamentais GTPOS (Grupo de Trabalho Pesquisa em Orientação Sexual), ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS) e ECOS (Comunicação em Sexualidade), a orientação sexual, “quando utilizada na área de educação, deriva do conceito pedagógico de Orientação Educacional, definindo-se como o processo de intervenção sistemática na área de sexualidade, realizado principalmente em escolas”. Já a Educação Sexual, segundo o Guia, inclui “todo o processo informal pelo qual aprendemos sobre a sexualidade ao longo da vida, seja através da família, da religião, da comunidade, dos livros ou da mídia”.

Esse significado é reforçado pelos PCN do Ensino Fundamental, no Tema Transversal “Orientação Sexual”. Neste documento, a orientação sexual também é definida “como um processo de intervenção pedagógica que tem como objetivo transmitir informações e problematizar questões relacionadas à sexualidade” diferenciando-se “da educação realizada pela família, pois possibilita a discussão de diferentes pontos de vista associados à sexualidade, sem a imposição de determinados valores sobre outros”.

Dessa forma, se estamos nos referindo a um trabalho que será realizado na escola, em sala de aula, devemos utilizar a expressão “orientação sexual” ao invés de “educação sexual”.

A segunda questão que norteia a discussão deste texto, citada acima, será respondida com base nos PCN do Ensino Fundamental e na LDB (lei de Diretrizes e Bases). Segundo os PCN do Ensino Fundamental (1º. ao 9º. ano), a orientação sexual nas escolas deverá ser abordada em três eixos: Corpo Humano, Relações de Gênero e Prevenção às Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS. A princípio esses eixos nos remetem basicamente a uma abordagem biológica do tema, porém vamos analisá-los de forma mais criteriosa.

Em relação ao eixo temático Corpo Humano, os PCN especificam que “a abordagem do corpo como matriz da sexualidade tem como objetivo propiciar aos alunos conhecimento e respeito ao próprio corpo e noções sobre os cuidados que necessitam dos serviços de saúde”. “Conhecimento do próprio corpo” envolve conceitos de anatomia e fisiologia (aparelho reprodutor masculino e feminino, por exemplo).

Para alunos do Ensino Fundamental I (1º. ao 5º.ano) esse componente poderá contemplar um estudo das transformações que o corpo da mulher e do homem sofrem nas diferentes fases da vida. Uma atividade que tenha como objetivo comparar o seu próprio corpo com o corpo de pais, tios, avós, professores, é uma excelente alternativa para despertar nas crianças o interesse pelo tema. Essa comparação poderá, em função da faixa etária, estar baseada somente nas diferenças observadas das características sexuais secundárias. Para o Ensino Fundamental II (6º. ao 9º. ano) as atividades deverão estar mais direcionadas para o estudo detalhado do aparelho reprodutor masculino e feminino, tanto do ponto de vista morfológico como fisiológico. O componente “respeito ao corpo” desse eixo poderá, no Ensino Fundamental I, priorizar atividades que busquem o fortalecimento da auto-estima e a tranquilidade em relação à sexualidade. A leitura compartilhada de livros direcionados a esse grau de escolaridade e que estimulem a criança a se posicionar sobre o tema frente aos colegas de classe é uma sugestão de atividade com esses propósitos. Veja a relação de livros indicados para esta faixa etária neste dossiê.

Para o Ensino Fundamental II, esse item poderá envolver outras disciplinas, como História, se o enfoque for, por exemplo, as diferentes visões do corpo humano em diferentes momentos históricos. Será que a visão que temos do corpo humano é a mesma à época do Renascimento e atualmente? Esta é uma excelente questão, capaz de desencadear um trabalho interdisciplinar entre o professor de História e o de Ciências. O componente “cuidados que necessitam dos serviços de saúde” sugere também um trabalho interdisciplinar no Ensino Fundamental II, entre o professor de História, Geografia e Ciências. A questão geradora e polêmica que poderá desencadear este trabalho é a liberação do aborto induzido no Brasil.

O professor de Geografia enfocaria aspectos relacionados aos serviços de saúde em outros países onde o aborto induzido é liberado e verificaria, por meio de mapas, os países que apresentam os maiores e menores índices dessa prática. Poderia também estabelecer uma relação entre a liberação do aborto induzido, o desenvolvimento sócio-econômico e a influência da religião nesses países. O professor de Ciências faria uma abordagem sobre as práticas para realização do aborto induzido e quais as implicações para as mulheres que optam por este tipo de procedimento. Já o professor de História faria uma análise da concepção de aborto induzido em diferentes momentos históricos. Veja Plano de Aula: “Aborto induzido: legalizar ou não”.

Ainda nesse componente desse eixo não deixa de ser importante uma investigação a respeito das medidas adotadas pelos sistemas de saúde no Brasil no que tange as Doenças Sexualmente Transmissíveis.

O eixo Relações de Gênero, segundo os PCN, “propicia o questionamento de papéis rigidamente estabelecidos a homens e mulheres na sociedade, a valorização de cada um e a flexibilização desses papéis”. Gênero não significa única e tão somente reconhecer os significados físicos de ser homem ou mulher. Deve considerar fatores sociais e culturais, incluindo reconhecimento do corpo e sexualidade. No Ensino Fundamental I esse eixo poderá ser trabalhado por meio de atividades que estimulem uma análise do comportamento de homens e mulheres em épocas diferentes. Uma sugestão seria o desenvolvimento e aplicação de uma pesquisa, com membros da família, visando identificar alguns aspectos relacionados à sexualidade à época desses familiares (como era o namoro, como foi o primeiro beijo, etc). Esses aspectos seriam comparados aos que as crianças vivem atualmente. Esse eixo, particularmente no Ensino Fundamental II, sugere um trabalho interdisciplinar entre todas as áreas do conhecimento do currículo escolar. A discussão de gênero nos remete para alguns assuntos que têm sido veiculados pela mídia e que demonstram os valores ainda rígidos da sociedade em relação ao papel de homens e mulheres: a homossexualidade, a prostituição, o abuso sexual (estupro), a gravidez precoce na adolescência, entre outros. Estes assuntos não só podem como devem ser tratados por educadores que apontem para os alunos diferentes visões, com possibilidades de reflexão e tomada de posição. É um momento excelente para conhecer os métodos contraceptivos, por exemplo. Veja o plano de aula “Métodos Contraceptivos”.

O eixo Prevenção às Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS, segundo os PCN, tem como objetivo “oferecer informações científicas e atualizadas sobre as formas de prevenção das doenças” bem como “combater a discriminação que atinge portadores do HIV e doentes de AIDS de forma a contribuir para a adoção de condutas preventivas por parte dos jovens”.

Para o Ensino Fundamental I o assunto poderá ser tratado de forma que os alunos percebam que as doenças podem ser transmitidas de várias formas: pelo ar, pela picada de mosquitos, por via sexual, entre outras. Poderá nomear e classificar diferentes doenças de acordo com o modo de transmissão. No Ensino Fundamental II esse eixo se justifica pela faixa etária dos alunos que corresponde à adolescência. A adolescência configura-se como uma fase de descoberta da sexualidade e para muitos adolescentes é também o momento da iniciação sexual. O tema poderá comparecer, principalmente, nas aulas dos professores de Ciências, não só de uma forma técnica e informativa, mas que gere discussões. É importante que os alunos conheçam as Doenças Sexualmente Transmissíveis e as formas de evitá-las. Veja Plano de Aula “Doenças Sexualmente Transmissíveis”.
Em um sentido mais amplo, o Ensino Médio é, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), “a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental”. Sendo assim, os conteúdos relacionados à sexualidade continuam os mesmos do fundamental. A abordagem é que muda, devendo ser mais aprofundada e baseada no desenvolvimento de competências e habilidades, no trabalho interdisciplinar e na contextualização. Assim, espera-se que um trabalho de orientação sexual no Ensino Médio, além dos temas de sexualidade mais comumente tratados (DST, métodos contraceptivos, gravidez indesejada), tenha como foco também a possibilidade de suscitar nos alunos o reconhecimento de todas as dimensões da sexualidade humana, especialmente aquelas relacionadas a aspectos psicológicos e sociais. Os professores do Ensino Médio deverão priorizar o trabalho interdisciplinar e privilegiar a  discussão e a reflexão de temas polêmicos como a superação de preconceitos e a definição de escolhas adequadas para suas vidas.  Assistir e analisar filmes que abordem o assunto e que suscitem um debate em sala de aula é muito bem recomendado para esta faixa etária. Veja indicação de filmes que suscitam debates sobre sexualidade neste dossiê.

E refletindo sobre a terceira questão geradora da discussão deste texto,  tomamos emprestado, novamente, trechos do Guia de Orientação Sexual e dos PCN. O Guia aponta que a orientação sexual nas escolas deve enfocar “as dimensões fisiológicas, sociológicas, psicológicas e espirituais da sexualidade através do desenvolvimento das áreas cognitiva, afetiva e comportamental, incluindo as habilidades para a comunicação eficaz e a tomada responsável de decisões”. Reforçando essa ideia os PCN explicitam que a orientação sexual nas escolas deverá ocorrer “em âmbito coletivo, diferenciando-se de um trabalho individual, de cunho psicoterapêutico e enfocando as dimensões sociológica, psicológica e fisiológica da sexualidade”.

A sexualidade está presente desde o momento do nosso nascimento até a nossa morte. A cada etapa do nosso desenvolvimento a sexualidade pode se apresentar de formas diferentes, ou seja, ela é construída ao longo de nossa vida. A abordagem da sexualidade não pode estar restrita a aspectos biológicos, deverá ser entendida de forma mais ampla, como expressão cultural.

A partir da análise das três questões, propostas para discussão inicialmente, podemos concluir que a introdução do tema sexualidade na escola deve ser objeto de um trabalho conjunto de coordenação, professores e pais. Devem ser definidos também os focos em cada grau da escolaridade, bem como as atividades e os professores que se incumbirão de aplicá-las em sala de aula.

Bibliografia.

ALTMANN, H. Orientação Sexual nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Estudos Feministas. 575, 2/2001.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: MECSEF, 1998.
GTPOS, ABIA, ECOS. Guia de orientação sexual: diretrizes e metodologia (da pré-escola ao 2º grau). São Paulo: Casa do Psicólogo; Fórum Nacional de Educação e Sexualidade, 1994, 112 págs.
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