Introdução
Um grande conjunto de sensações e sentimentos nos une à nossa terra natal. Nossas brincadeiras de criança, a língua que aprendemos com nossos pais e familiares, os sabores, sons, cheiros e paisagens que povoam o imaginário pessoal de cada um de nós. Aquilo que chamamos de “raízes” comumente se revela relacionado com um sentimento de pertencer, que conforta e pacifica, que nos faz permanecer no local e na comunidade onde nascemos e crescemos.
Esta tão singela harmonia, contudo, parece ser frágil quando analisada sob a sua perspectiva coletiva. Grupos de pessoas – reais falanges de viajantes – historicamente deixaram seus locais de nascimento para povoar novas terras, em busca de melhores condições de desenvolvimento pessoal. Em diversas ocasiões, para milhares e milhares de pessoas a terra natal passou a ser uma mera lembrança, substituída por outras paisagens em vista de um futuro possivelmente mais promissor.
Chamado de “movimento migratório” este fenômeno demográfico traz em si duas perspectivas que podem causar conflitos.
De um lado, por parte de quem migra, aflora um sentimento de não pertencer à sociedade de chegada. Tal sentimento interfere significativamente nas relações homem-estado, homem-cultura e homem-comunidade. O imigrante se sente um estranho na terra estrangeira e assim permanece por muitos anos. Por conta da falta de raízes, não consegue se estabelecer completamente e, segregado por sua cultura e costumes, não compreende o cotidiano do local em que se estabelece. Muitas vezes sofre com estas necessárias adaptações, outras vezes burla regras locais em vista das regras que antes seguia.
De outro lado, por parte das comunidades que recebem os movimentos migratórios, aflora a resistência pelas influências culturais, impactos econômicos e alterações de cotidiano, trazidas pelos imigrantes. Muitas comunidades, buscando a preservação de sua cultura e situação econômico-social, por vezes deixam de acolher os imigrantes, fomentando sua expulsão, repulsão e ódio.
Estas duas faces dos movimentos migratórios são conhecidas de todos nós, quando reverberam nos meios de comunicação notícias de ataques a estrangeiros, histórias de imigrantes que sofreram ou morreram antes de chegar ao seu destino. Frases como “o multiculturalismo fracassou” atribuída aos governantes da Alemanha, França e Reino-Unido, ataques terroristas como o de Andres Breivik na Noruega, as tentativas desesperadas de transpor fronteiras realizadas por cubanos e mexicanos nos EUA, a vida de brasileiros em terras estrangeiras… exemplos da problemática complexa que configura os fluxos migratórios internacionais.
Não bastasse a complexidade das imigrações do mundo ocidental, ainda nos causam espanto as condições de campos de refugiados no Oriente Médio e na África, cujos imigrantes são fugitivos de guerras civis, governos totalitários ou perseguições étnicas.
Se de um lado muitas nações bradam por uma chamada ‘aldeia global’, em que as diferenciações regionais e nacionais dão lugar a um único conjunto de pessoas (os humanos e por isso possuidores de direitos humanos universais), vemos, de outro, que os conflitos decorrentes das diferenças étnicas e culturais entre ‘nacionais’ e ‘imigrantes’ não cessa. As leis não condizem com as ações mundiais.
Não há, porém, como construir alternativas à violência e à discriminação sem conhecer o fenômeno das migrações internacionais. Tomar em análise tais fluxos, suas motivações e reflexos, certamente é contribuir para o debate da tolerância e da pacificação.
Momentos dos fluxos migratórios:
Embora as razões destes movimentos sejam diversificadas, encontram certa possibilidade de generalização a partir da história. Em que pese ser um fenômeno complexo, é possível distinguir fases de imigração por conta do contexto histórico-político-econômico mundial.
Tem-se por uma primeira fase todo o final do processo de colonização tardia da América anglo-saxônica, América Latina, sul da África e parte da Ásia, quando se identificam fluxos de imigrantes europeus em busca de terras e novas possibilidades de sobrevivência em fuga de uma Europa cujo adensamento populacional gerou fome e desespero. Esta fase perdurou pelas duas Grandes Guerras Mundiais, durante as quais populações retiram-se de países europeus por temerem a morte por ataques e atos de guerra ou a perseguição de estados totalitários (a exemplo dos fluxos de perseguidos do nazismo e fascismo).
Esta primeira fase identifica-se, portanto, por um fluxo proveniente da Europa, que durante aquele tempo era um continente de repulsão populacional. Em termos gráficos, poderiam se observar grandes flechas migratórias partindo da Europa para locais mais ‘ao sul’. Foi chamada por esta razão de fase de migração norte-sul.
Mas após a Segunda Guerra Mundial, o mundo mudou. A reconstrução da Europa exigia enorme mão de obra – o que antes era um local de repulsão passou a ser uma área de atração populacional por questões econômicas. Os Estados Unidos por seu turno, grandes vencedores da Guerra e capitaneando o início da Guerra Fria, passaram a ser os grandes dínamos econômicos do mundo, crescendo anualmente e oferecendo oportunidades de emprego para uma grande legião de imigrantes.
Para o território europeu migraram grandes massas provenientes da região do Magreb (Noroeste da África) em direção à França; da Grécia, Turquia e Iugoslávia em direção à Alemanhã; e das Antilhas, Paquistão e Irlanda em direção ao Reino Unido. Nas Américas o fluxo populacional de entrada foi proveniente principalmente dos países da América Latina para os EUA que, também tendo recebido imigrantes no período anterior, possivelmente se tratam dos maiores receptores de imigrantes do mundo.
Esta fase, chamada por contraposição à anterior de fase de migração sul-norte, pode ser caracterizada pela migração de trabalho, decorrente das possibilidades de inserção em mercados em crescimento no mundo todo.
Após os anos 80, com o início do fim da bipolarização mundial (que completaria seu ciclo de débacle nos anos 90 com a queda do muro de Berlim e a derrocada da União Soviética), houve alterações no contexto das migrações internacionais. O surgimento de um mundo multipolar (a chamada nova ordem mundial), o desenvolvimento dos blocos econômicos e também o contínuo crescimento do mercado do petróleo do Oriente Médio (cuja força já vinha se mostrando desde as ações da OPEP nos anos 70), fizeram com que os fluxos de imigrantes continuassem para países da Europa e EUA, mas também passaram a ocorrer fluxos para o interior da Ásia, Oriente Médio e América Latina (incluindo Brasil), por conta de conflitos armados (Guerras Civis e ditaduras, v. g.) nos países originários. Neste cenário surgem os conflitos étnicos-religiosos que levaram a atos de terrorismo, além do surgimento de bolsões de fugitivos de conflitos locais, denominados refugiados.
Complexidades atuais:
Os efeitos das contradições decorrentes das imigrações internacionais transparecem nos jornais diariamente. Como compreender, por exemplo, a situação de refugiados de uma guerra civil na África ou no Oriente Médio se, de outro lado, deixamos de compreender o que chamamos de direitos humanos? Qual o papel da ONU em uma situação extrema de refúgio? Quem são os responsáveis, os que podem auxiliar, qual o papel da comunidade internacional?
Já no velho mundo percebe-se, por um turno, a intenção de promoção de um cotidiano mais plura’l mas, por outro, a manifestação expressa de governos de que tal intenção fracassou. A retomada das ações de extrema direita, a majoração das restrições a manifestações culturais, religiosas e, principalmente, a maior restrição à imigração em todo o continente europeu dão indicações que os problemas dos fluxos de pessoas continuam na ordem do dia.
Pelas Américas a situação não é diferente. Vemos a contínua tentativa de latinoamericanos de transpor as barreiras físicas dos Estados Unidos, que não poucas vezes acabam em tragédias e situações limites. No Brasil podemos observar o recebimento de imigrantes provenientes de estados africanos em guerra ou que permanecem na extrema pobreza.
Neste cenário, necessário questionar: afinal, o sonho da imigração é mesmo um sonho, ou o pesadelo que só ocorre por um grito de desespero de populações que sofrem em seus próprios países?
Porque abordar o tema em sala de aula
O Brasil parece ser um país culturalmente plural, ainda que pesem nossas desigualdades econômicas. A miscigenação de nosso povo, a convivência praticamente pacífica das diversas religiões aqui presentes e, também, as diversas culturas existentes em nosso território nos afastam dos extremismos encontrados em outras paragens do mundo.
Mas não é só.
Jornais, escritos ou televisivos, nos trazem notícias diárias de conflitos étnico-religiosos e imagens de atitudes extremas mundo afora. Como participar deste diálogo e compreender a relevância das notícias sem entender o seu contexto geopolítico? Trabalhar com os estudantes os reflexos dos fluxos migratórios é também abrir a porta para a compreensão do fenômeno humano no mundo e inseri-los nas complexidades da vida adulta.
Compreender o cenário internacional é, assim, compreender o seu próprio local no mundo. Este fluxo de informações midiáticas pode servir também para o processo de ensino-aprendizagem de diversas habilidades e competências.
Tratando-se de questão multidisciplinar e que comporta uma enormidade de abordagens possíveis, pode-se arriscar dizer que quase todas as habilidades e competências propostas para área de ciências humanas podem ser exercitadas durante o estudo dos fluxos demográficos internacionais. Entre elas, destacam-se as seguintes competências (em negrito) e suas respectivas habilidades (entre parênteses), para as quais formulamos questões temáticas que podem servir para a reflexão do educador:
Estas são somente algumas idéias para o trabalho do educador. Entendemos que a problematização dos fluxos demográficos internacionais seja mais interessante que a mera compilação de dados. Questionar é antes de qualquer coisa compreender a real sentido da informação.
O tema migrações e as informações sobre os grandes fluxos migratórios integram os livros didáticos de Geografia, História e Geopolítica, tanto nos conteúdos relacionados ao estudo da demografia quanto aos conflitos geopolíticos. Para a problematização e uma abordagem crítica e mais aprofundada sugerimos as leituras.
Migrações: a nova face de um velho problema – Dra. Izete Soares da Silva Dantas Pereira.