Diz o senso comum que o aprendizado profissional ocorre muito mais intensamente na prática do que na teoria. Mas, e naqueles casos em que a prática é muito cara ou pode colocar em risco grandes investimentos, equipamentos difíceis de conseguir ou mesmo vidas humanas? É aí que entra o uso de simuladores, como games, programas para computador e ambientes físicos artificiais, criados para permitir esse contato inicial e a prática na busca da melhor formação profissional. O Instituto Claro foi conferir em que situações esses métodos e tecnologias são úteis e que lições eles podem trazer para a aprendizagem como um todo.

 

Quando falamos em simuladores, os primeiros que vêm à cabeça são aqueles usados na aeronáutica. Os simuladores de voo estão presentes na Força Aérea Brasileira e em cursos de aviação em todo o país. Como as pessoas desse meio bem definem: “trata-se de um avião em solo”. A cabine do piloto – ou cockpit – é reconstruída exatamente igual à do avião para o qual se faz o treinamento. O painel e os aparelhos disponíveis têm as mesmas funções que os reais. O simulador produz os mesmos ruídos, vibrações, condições de vento, relâmpagos e turbulências, criando as situações mais reais possíveis. Claudemir Pazzinato, instrutor de voo por instrumentos da escola de aviação Fly Company, em Campo Grande (MS), conta que até a formação de gelo no carburador, pane no motor e queda de avião podem ser simuladas.

 

Para uma maior sensação de realidade, o instrutor fica fora da cabine de simulação, sem contato visual com o aluno. Sua comunicação é feita por meio do rádio, como acontece na realidade. Dentre os exercícios, ele pode pedir ao aluno a localização do avião constantemente e que ele mantenha velocidade constante e direção. Com as cartas de voo (mapas para pilotos que fornecem rotas) e os equipamentos necessários, pode-se voar do aeroporto de Cumbica, na Grande São Paulo, até o Charles de Gaulle, em Paris, por exemplo. Não há limites.

 

A grande diferença no treino em simuladores de voo está no custo, explica Claudemir: “Em vez de pagar mil reais por hora na prática com aviões, o aluno opta por um pacote de aula com simuladores; neste caso, 25 aulas custam os mesmos mil reais”. O instrutor explica que as aulas com simuladores permitem que o aluno obtenha não somente a habilitação para ser piloto comercial como para fazer voos por instrumento, o que o capacita a voar em condições meteorológicas adversas: no escuro, dentro de nuvens sem relâmpagos e sobre nuvens.

 

https://youtu.be/T0_5gRG-rI4

Tutorial, em espanhol, para iniciantes em simuladores

 

Entretanto, para obter o licenciamento, o aluno deve fazer um mínimo de horas em aviões, de acordo com a carga obrigatória para o tipo de habilitação. No caso de pilotos comerciais (empresas aéreas, táxis aéreos), as 40 horas de voo em avião de verdade podem se reduzir a 20 horas caso o aluno faça o curso de 25 horas em simuladores. Com uma conta simples, vê-se que economicamente vale a pena. Na hora da avaliação, não interessa ao checador onde o aluno aprendeu a pilotar.

 

Mas os usos da simulação não param por aí. “Tem muita gente que se inscreve no curso de voo por instrumento para aprender a controlar o programa, comprá-lo e usá-lo como se fosse um videogame dentro de casa”, conta Claudemir. “Essas pessoas muitas vezes até sabem pilotar, mas não sabem usar um simulador.”

 

No exército também tem
Os simuladores de voo também são usados pelo Exército Brasileiro. Dentro do Centro de Instrução de Aviação (CIAvEx), em Taubaté, há quatro cabines do tipo, completamente desenvolvidas por cabos e outros oficiais, segundo o Major Navarrete, instrutor da unidade. Os equipamentos são usados no curso para formação de pilotos e no treinamento de pilotos de combate para os batalhões de aviação, no caso dos que já sabem pilotar. “O uso de nossos simuladores é um pouco mais amplo do que apenas aprender a pilotar. Treina-se a parte tática de orientação da aeronave, assim como manobras de fuga, formação de combate e manobras de pelotão com outras duas ou três aeronaves, além de voos táticos bem próximos do solo, acompanhando cursos de rios, por exemplo”, diz o major.

 

Diferentemente do exemplo da Fly Company, no caso do exército há dois assentos dentro da cabine de simulação, um para o aluno e outro para o instrutor, que monitora os procedimentos. Ainda há uma ilha de gerenciamento de voo, onde são registrados todos os movimentos do aluno para posterior análise na busca de melhores desempenhos.

 

Simulação sobre trilhos
Em um outro centro, desta vez na capital paulista, o treinamento com simuladores parece um videogame urbano. A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) simula um Centro de Controle Operacional (CCO) – onde as decisões sobre percurso dos trens e sobre quais trilhos são tomadas – para as linhas 9 (Marginal Pinheiros) e 11 (Expresso Leste), duas das mais movimentadas da Companhia.

 

Para isso, como explica o diretor da escola do Centro de Formação Profissional da CPTM, Ivan Moreno, criou-se um ambiente igual a um CCO. Oito computadores para alunos (que seriam os postos de trabalho) ficam posicionados diante de um painel onde se pode observar o que acontece nas linhas 9 e 11. No treinamento, o professor propõe situações, que podem ser de normalidade, como traçar uma rota comum, ou de adversidades, como interrupção na linha devido a um trem quebrado. “Neste caso, a solução que o controlador deve buscar é transpor os trens para outra via, o que interfere no sentido contrário e exige adaptações no sistema de controle”, explica Ivan. Assim como ocorre nos simuladores de voo, a quantidade de situações possíveis de serem reproduzidas é grande: acidente, queda de energia, interrupção do trilho para manutenção…

 

Esse treinamento é dado não só para um ciclo básico de alunos que terão algum contato com o CCO, mas também como reciclagem de funcionários que estiveram um tempo afastados de seus cargos. Os funcionários das estações da CPTM também fazem treinamento ali, porque, caso ocorra uma falha no sistema dos controladores centrais, o serviço é feito em postos de controle setorial, existentes nas estações.

 

O centro de formação da CPTM também possui 50 metros de via permanente, com rede aérea – de onde o trem capta energia – para simulações na linha. Para as atividades do curso no próximo ano, o centro contará com toda uma estação ferroviária simulada de 30 m2, sendo cinco metros de plataforma. O investimento feito foi de 350 mil reais, conquistado com a vitória do projeto em um concurso focado em apoio à tecnologia. Ali, do elevador à catraca, da rotina do dia a dia às brigas de torcida em dias de jogo, tudo estará mais próximo dos futuros profissionais, que pensarão desde já em como lidar com tais situações.

 

Divulgação/UFRJ/COPPE

Simulação ajuda a aprender a analisar poços de petróleo

 

Na indústria do petróleo, simular decisões para avaliar retornos
A simulação na formação profissional também pode estar longe do ambiente físico e se posicionar sobre processos econômicos e sociais. Em um laboratório dos cursos de Engenharia de Produção e Engenharia de Petróleo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o professor Virgílio José Martins simula a tomada de decisões com os seus alunos. Ele explica: “Se perfuro um poço aqui, o que acontecerá na região? Quais serão os resultados? Qual a quantidade de óleo produzida após um período de 20 anos? E o retorno de investimentos? Levando em consideração essas informações, valeria a pena perfurar um segundo poço? Este é um exercício que fazemos no nosso laboratório”.

 

Um programa de computador usado neste treinamento funciona como simulador de reserva de petróleo. Nele, são inseridos dados como as características geométricas do local a ser perfurado, condições físicas (pressão, temperatura), geológicas (porosidade do solo), químicas (ponto de fusão e de ebulição, composição) e este programa trabalha com um conjunto de equações que tentam responder às perguntas dos estudantes e servem de base para a tomada de decisões naquele local.

 

O tempo de uso desses programas difere se o aluno está na graduação ou em um curso de pós-graduação. Para disciplinas semanais de três horas, em um semestre se passa até dez horas resolvendo esse tipo de exercício com situações hipotéticas. No doutorado e em projetos de pesquisa, a dedicação chega a ser integral.

 

E na Fórmula 1…
Mundo à parte como é, a Fórmula 1 também tem os seus simuladores, como conta o jornalista Livio Oricchio, especialista do esporte. “As equipes colocam os carros sobre quatro eixos hidráulicos para reproduzir as condições da pista e, a partir daí, o desempenho do carro, levantando se há ou não necessidade de modificações”, explica. Mas o verdadeiro videogame está na mão dos pilotos, que usam simuladores de corridas para se familiarizarem com os circuitos.

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