Imagine os seguintes cenários: Um curso de administração que permita a seus alunos criar uma empresa; um curso de arquitetura que incentive o desenvolvimento de projetos; um curso de hotelaria que constrói hotéis para serem administrados pelos próprios estudantes; um curso de idiomas que proporcione o diálogo com falantes nativos. Você consegue imaginar uma maneira de tudo isso ser feito a distância?

Junto com formas mais tradicionais de ensino a distância e semi presencial, estas são algumas das possibilidades vislumbradas por educadores para o uso de mundos virtuais na educação.

Criados com a tecnologia de computadores, esses mundos tridimensionais permitem criar um ambiente de imersão em que o usuário é capaz de interagir, simulando a realidade. Aqui no Brasil, o exemplo mais conhecido de mundo virtual talvez seja o Second Life (SL), desenvolvido em 2003 pela empresa Linden Labs. Nele, o usuário cria um avatar, isto é, um bonequinho em 3D, cujas características físicas e vestimentas ele pode escolher. É com esse avatar que o usuário interage com outros usuários – por meio de chat e até voz – como numa rede social, explora os inúmeros ambientes e objetos criados por esses usuários e por ele mesmo, ganha e gasta dinheiro. Curiosamente, o jogo não tem nenhum objetivo definido, o que acaba criando o objetivo de encontrar objetivos – como na própria vida real – multiplicando as possibilidades de ação.

Empolgação / Entusiastas
A crítica positiva e a divulgação da mídia fizeram crescer as expectativas em torno do Second Life e de suas potencialidades econômicas e educacionais. Dentro desse contexto, muitas universidades de todo o mundo criaram seus ambientes – chamados “ilhas” – dentro do mundo virtual. Algumas delas construíram no SL réplicas de seus campi reais, como uma maneira de facilitar a aproximação de possíveis alunos.

Auditório para realização de debates no Second Life

Em Portugal, a Universidade de Aveiro (UA) foi a primeira a entrar no SL, oferecendo salas de aulas equipadas com tecnologia de áudio, vídeo e slide show, espaço para palestras, reuniões e conferências, exposições de investigações e artigos. Entre os propósitos da criação da ilha, estão divulgação de informação acerca da UA, atividades curriculares ou complementares às aulas e participação de um público mais amplo em iniciativas da Universidade, promovendo o contato social e permitindo a aprendizagem no SL.

Carlos Valente, consultor de Tecnologia de Informação e professor e Pesquisador da Universidade Anhembi Morumbi e ESAB (Escola Superior Aberta do Brasil), sem sair do Brasil, já realizou uma conferência na ilha da UA. Para ele, que é co-autor do livro “Second Life e Web 2.0 na Educação”, um dos principais diferenciais do SL é a possibilidade de dar aulas em qualquer lugar do mundo. “Além disso, é mais fácil fixar conteúdos quando muda o ambiente da sala”, defende.

Ele também participou da segunda Conferencia de Second Life na Educação, onde apresentou a um auditório real o trabalho com SL desenvolvido na Unisinos, por meio de uma projeção da ilha da Unisinos para o auditório e da interação com seus avatares ali. Na ilha, constam a Biblioteca Unisinos, um auditório, um grupo de pesquisa em Educação Digital e acontece a promoção de apresentação de pesquisas, discussão e trabalho em grupos.

Ilha Unisinos no SL

https://youtu.be/dcNj_zkHqrc

 

Imaturidade?
“Na primeira vez que eu joguei o Second Life, meus sonhos ficaram meio atrapalhados na hora de dormir. Eu ficava ‘caramba, em que mundo que eu estou? No real, no virtual?’ Mexe muito com a cabeça”, afirma Carlos Valente, que, por isso, acredita que o Second Life deve ser usado como recurso somente no ensino superior. “Não é mero joguinho. Exige um alto nível de maturidade intelectual e tecnológica”, afirma.

Esse é um dos motivos encontrados por ele para explicar os poucos usuários do Second Life. Além desse, na sua opinião, o ambiente “tem as suas limitações, dependendo dos recursos que as pessoas têm de banda larga, máquina mais atual, memória, disco etc, que ainda é um limitante para muita gente”. Segundo o professor, há poucos dias ele teve de cancelar uma palestra em uma das unidades do Sesc no interior de SP porque a equipe do local não conseguiu instalar o Second Life dentro do laboratório local. “Isso porque era um Sesc!”, desabafa.

Wilson Azevedo, diretor da Aquifolium Educacional e da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), também concorda que as exigências de hardware, software e conectividade são mais obstáculo que apoio. “O SL é um dos maiores fenômenos da internet de abandono de uso: o sujeito entra uma vez e não volta nunca mais. Acho que isso acontece porque ele tem uma péssima experiência de usuário: dificuldade de conexão, de sustentar o uso contínuo, lentidão absurda mesmo para quem tem banda larga e computador de última geração, dependendo do número de pessoas que estão usando. Mas isso precisa ser investigado, claro”, defende.

Ele não faz parte do grupo de entusiastas das possibilidades educacionais do SL e desconfia do que classifica como deslumbramento em relação à tecnologia. “As pessoas conhecem uma coisa, ficam fascinadas e acham que aquilo tem que ser usado porque elas gostam. Quem sabe daqui a dois ou cinco anos poderemos saber em quê o uso de mundos virtuais pode ser mais vantajoso ou melhor para a aprendizagem e em que também ele deve ser evitado, porque todo recurso implica potencialidades e riscos”.

Embora Carlos Valente defenda a importância desse mundo virtual e tridimensional por ajudar a aprender por meio de modelos e simulações, o professor tem dúvidas quanto à sua aplicabilidade no atual momento. “O Second Life veio um pouco antes do que deveria vir. O nível de complexidade e maturidade intelectual e tecnológica tem que ser um pouco mais avançado. Hoje, a web 2.0 ainda é mais aplicável e abrangente”, explica.

Wilson Azevedo considera que “no SL, as pessoas passam muito tempo pensando ‘com que roupa eu vou'” e que, por isso, adotar a tecnologia não é garantia de nada. “O que temos hoje é uma tendência muito forte de adotar tecnologia porque existe uma sensação de que precisa, pois o mundo usa tecnologia e então na educação tem que usar tecnologia. Tem que haver motivo para usar a tecnologia, usar só o que precisa, onde funciona melhor”, diz.

Assim, ele observa que a tecnologia acaba sendo uma máscara para a questão do ensino-aprendizagem que deve ser tratada pedagogicamente e não tecnologicamente. Como exemplo, ele questiona o uso de SL para fazer palestras a distância. “É a maior roubada. Poucas coisas são tão chatas quanto um bonequinho que apresenta coisas em Power Point. Essencialmente, as pessoas têm potencial para serem chatas. Transformadas em bonequinhos, esse negócio pode ser elevado a ‘n’ potências para transformar algo ‘chato’ em ‘muito mais chato’ e não necessariamente transformar algo que ‘pode ser interessante’ em ‘mais interessante’. Acho que o SL precisa ser estudado e pesquisado mais. É necessário tempo para amadurecer e para que a gente possa sentir que melhores aplicações ele tem para a aprendizagem.”

Assista, abaixo a vídeo do professor Carlos Valente na 2ª Videoconferência de Novas Tecnologias na Educação, em 16 de julho de 2009 na Universidade Gama Filho.

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