Em 2008, você foi selecionada para o programa Jovens Embaixadores e em 2010 para o encontro anual de jovens do GlobalChangemakers, focado em empreendedorismo jovem. Eles têm propostas diferentes, mas os dois apresentam uma concorrência altíssima. O que acha que pesou a seu favor em cada uma das ocasiões?

Raquel Helen dos Santos – Eles têm mesmo objetivos diferentes, mas ambos apresentam viés social e valorizam o engajamento, algo que eu carrego desde criança, pois já fazia trabalhos voluntários em um projeto de cultura e arte. No Jovens Embaixadores, posso dizer que também contou bastante o fato de eu falar inglês, o que não é tão corriqueiro entre estudantes de escolas públicas [o programa é voltado apenas a estudantes da rede pública]. Lembro que uma garota que era de Belo Horizonte e que havia participado do programa em 2007 foi na escola em que eu estudava divulgar as inscrições e, enquanto ela falava, todo mundo na sala olhava para mim e dizia: “Raquel, você tem que se inscrever. Você é nerd e fala inglês”. Já no GlobalChangemakers, creio que o fato de eu fazer parte de uma ONG, já ter alguma experiência internacional, pois depois dos Jovens Embaixadores muita coisa aconteceu: ganhei uma bolsa de estudos para um curso de verão, em Massachusetts, fui representar o Brasil em uma conferência estudantil em comemoração do bicentenário de nascimento de Charles Darwin, em Londres, e fui à Conferência Woman2Woman America 2010, em Boston.

Seus amigos logo apontaram para você. Então na escola você tinha essa reputação de boa aluna, até “nerd”?

Raquel – Sim. O nerd era brincadeira dos colegas, pois sempre me dei bem com a turma, mas a vida toda busquei mesmo notas boas e levava o inglês a sério, como as outras matérias. Na verdade, por saber que eu tinha de buscar os meus objetivos, por saber que a minha tia e a minha avó não poderiam me dar suporte para sempre, eu me dediquei muito aos estudos, sempre acreditei que por meio da educação eu poderia transformar a minha vida.

Você hoje tem 21 anos, cursa duas faculdades, fala inglês, estuda francês, participa de programas globais e é empreendedora social. É um currículo que destoa da maioria das pessoas que estudam em escolas públicas brasileiras. Acha que apenas “acreditar na educação” foi o suficiente para isso?

Raquel – Não só isso, mas a minha personalidade mesmo, de querer fazer mil coisas ao mesmo tempo, de gostar de me envolver em atividades que não eram obrigatórias, como olimpíadas de física ou matemática. Eu sei que problemas e deficiência temos em todas as instituições. Na minha escola do fundamental ao ginásio [Escola Municipal Tiradentes] também tinha, mas eu fui criada em uma casa onde todos precisavam correr atrás do que buscavam, pois ninguém tinha nada se não fosse assim. Então eu sempre fui uma aluna interessada e acredito que ser assim já é meio caminho andado para que o próprio aluno faça a sua experiência na escola. O professor também é muito importante nesse contexto, e eu tive a sorte de encontrar alguns professores comprometidos.

Raquel apresenta projeto da ONG React and Change no Fórum Econômico Mundial

https://youtu.be/9hHy443q6IU

Você contou que depois do programa Jovens Embaixadores muita coisa aconteceu na sua vida, outras experiências internacionais vieram. Como isso tudo impulsionou o seu lado empreendedor?

Raquel – A viagem proporcionada pelo Jovens Embaixadores já foi muito marcante. Passamos alguns dias nos Estados Unidos em palestras, workshops, visitas a lugares interessantes, como universidades e prefeituras. Discutimos projetos, realizamos trabalho voluntário. E sempre fazíamos tudo isso discutindo o Brasil e os Estados Unidos, suas características sociais, seus governos. Isso me influenciou a escolher o curso de relações internacionais e a me aprofundar mais e mais nas causas sociais, a pensar formas de mudar a realidade. Desde a escola, eu já tinha aquele espírito de “arregaçar as mangas e fazer”, mas com essa experiência, que serviu de formação, ficou mais claro quais caminhos eu poderia seguir.

Em todo esse contexto de descobertas, de experiências, como as tecnologias digitais estiveram presentes? Como grande parte dos jovens da sua idade, você tem perfis nas redes, alimenta um blog, participa de comunidades…

Raquel – Eu não sou daquelas que respiram tecnologia, mas mesmo assim uso bastante, e algumas experiências só foram possíveis porque eu tinha afinidade com a tecnologia. Em 2009, por exemplo, um amigo me encaminhou a inscrição do programa Darwin Now, que selecionaria jovens para uma conferência estudantil em Londres. Soube de última hora da oportunidade e pirei porque eu estava sabendo “tudo” sobre Darwin, estava estudando o trabalho dele na escola. O que precisava para me inscrever era fazer uma redação, saber falar inglês e enviar um vídeo, que eu mesma gravei com uma câmera fotográfica e coloquei no YouTube. Deu tudo certo e lá fui eu.

O programa Darwin Now é iniciativa do Conselho Britânico, assim como o GlobalChangemakers. Você acredita que uma coisa levou à outra?

Raquel – Na verdade, na primeira vez que tentei participar do GlobalChangemakers eu não consegui. Foi para um encontro que aconteceria no Rio de Janeiro, e eu não fui selecionada. Mas como sou insistente, tentei outra vez, para um encontro ainda mais concorrido, em Londres, e da segunda vez eu consegui. Acho que essa perseverança também faz diferença na vida de quem tem projetos e sonhos. Mas isso que você falou, de uma coisa levar à outra, acontece mesmo. Não sei se foi o caso do GlobalChangemakers. Talvez. Mas agora em março, quando a família Obama veio ao Brasil, a embaixada americana me convidou para recepcioná-los, e isso apenas aconteceu porque eu já tinha um histórico de atuação, porque eles já me conheciam do programa Jovens Embaixadores.

E o que ficou dessa experiência?

Raquel – Olha, primeiro a Michelle [Obama, primeira-dama dos EUA] é mais legal do que a Laura [Bush] (risos), que eu tinha conhecido em 2009. Mas falando sério, o que mais me surpreendeu foi ver que a minha história de vida servia mesmo de exemplo para muita gente, senti um pouco de orgulho daquilo. Depois que li o meu discurso, no qual falei da minha vida, das minhas experiências, a Michelle Obama me deu parabéns, disse que o mundo precisava de pessoas como eu. Eu citei durante o discurso que sempre que conhecia alguém nessas viagens, eu procurava saber como se falava “borboleta” no idioma do país, pois era uma forma de guardar uma recordação, e aí contei que hoje já sabia a pronúncia em mais de 20 idiomas. Então a Michelle virou para as filhas [Malia e Sasha, também filhas do presidente Obama] e disse em tom de brincadeira: “Olhem só, vocês precisam aprender borboleta em mais de 20 línguas”. Tudo isso é recompensador.

Durante visita ao Brasil, Michelle Obama pede aplausos para Raquel Helen e diz que filhas precisam seguir o exemplo da jovem brasileira

 

https://youtu.be/ObdPHMloetU

 

E hoje, após o encontro global de empreendedores, após Fórum Econômico Mundial, em Davos, após bolsa de estudo no exterior e elogios da Michelle Obama, o que você busca, quais os desafios?

Raquel – Tudo isso foi essencial para eu ter confiança de que posso realmente fazer a diferença e estimular outras pessoas a fazerem também. Quando eu fui selecionada para participar do Fórum Econômico Mundial, eu tive de responder à pergunta: “O que você diria a um chefe de Estado?”. E eu disse que perguntaria a ele o que ele poderia fazer para melhorar um pouco o mundo, além de cumprir as suas atribuições de praxe. Eu acredito que mesmo que se tenha títulos, muito reconhecimento pelo currículo que se constrói, precisamos sempre olhar para o lado, para o próximo, pois todos vivemos em um mesmo mundo e em um mundo cheio de questões sociais a serem resolvidas.

E hoje qual o seu maior projeto?

Raquel – Eu escolhi defender a causa da luta contra a violência à mulher. E na ONG React and Change venho atuando em ações relacionadas ao assunto. Agora estamos fazendo o plano de ação para o projeto Fórum de Juventude por Capacitação, que eu amadureci bastante no encontro de globalchangemakers, em Londres, onde equipes deveriam encerrar a atividade apresentando um projeto. Eu encerrei mostrando a ideia desse fórum, que na verdade representa o começo de uma ação que queremos desenvolver com muito sucesso lá na ONG. Queremos capacitar jovens para atuarem na busca pela erradicação da desigualdade de gêneros, entre outros assuntos relacionados ao empoderamento feminino.

 

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