Graduado em Psicologia, pesquisador e consultor internacional sobre as relações entre as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e a subjetividade, o uruguaio Roberto Balaguer dedica a maior parte do seu tempo aos estudos dos impactos que o uso de tecnologias tem na formação de grupos e na educação – isso quando não está trabalhando numa clínica psicoanalítica. Ele se interessa pela maneira como a socialização dos jovens ocorre, pela sua forma de buscar conhecimento, pelas mudanças cognitivas que as tecnologias têm trazido e pela forma de pensar – e pensar-se no mundo.

 

Maíra Soares

Roberto Balaguer, que estuda as mudanças cognitivas que as tecnologias trazem às nossas formas de pensar

 

O estudioso, que busca associações entre a educação tradicional e as novas gerações, através de metodologias diferentes, esteve no Brasil, em novembro, para participar do IV Fórum do Instituto Claro, em que fez a palestra de abertura. O evento também contou com a participação da educadora Léa Fagundes e do cientista-tecnológico Silvio Meira, mediados pela diretora da Estação Ciência da USP, Roseli de Deus. Algumas horas antes, no saguão do hotel em que ficou hospedado, Balaguer cedeu a seguinte entrevista ao repórter Carlos Giffoni.

 

Qual o conceito de “subjetividade”, no qual você concentra seus estudos na área de educação?

A subjetividade vem a ser o encontro de uma geração com um momento histórico. É uma forma de estar no mundo. O que para a geração de hoje, na era digital, é tecnologia, talvez não seja para outra. Tecnologia é o que aparece depois que a gente cresce. A televisão, por exemplo, não é tecnologia para as pessoas que hoje têm 40 anos. A televisão é televisão, simples. Segundo essa subjetividade, os alunos em diferentes épocas têm uma forma diferente de manejar informação e compartilhá-la, de pensar o que é notícia, o que é conhecimento. Isso muda entre gerações. Para a minha geração, um livro ou um disco eram materiais importantes. Hoje, o importante não é o objeto, mas sim o conteúdo. Trata-se de uma mudança conceitual; para os jovens, o que interessa é acessar o conteúdo.

 

E como essas mudanças são absorvidas pelas instituições de ensino?

Há um fator curioso: o ensino passou de “just in case” para “just in time”. Ou seja, antes, aprendia-se um conteúdo porque em algum momento você podia precisar dele. Hoje, a forma de lidar com o conhecimento é diferente: você aprende porque precisa. Não vale a pena aprender tudo, porque todo dia a dimensão do conhecimento muda. Esta é outra marca da subjetividade. Basta ter uma matriz importante e, depois, saber onde procurar, contestar, verificar… O importante não é saber; o importante é saber o telefone de quem saiba – ou o MSN. A subjetividade existe, e ponto. Temos que saber manejá-la.

 

Em algum momento o processo objetivo se torna subjetivo? Ou seja, uma tecnologia pode deixar de ser encarada como tal segundo o seu ponto de vista de apropriação?

Sim. Até que a pessoa se familiarize com aquilo, claro. Na realidade, observamos que nem se leva tanto tempo para que isso ocorra. Depende do contato que o indivíduo tem com a tecnologia.

 

Quando você percebeu a existência de uma relação entre subjetividade e as TICs?

Há cerca de dez anos desenvolvo estudos na área. No início, percebi que essas mudanças proporcionadas pelas tecnologias não se acabavam em si. Atrás delas há mudanças culturais muito importantes. Comecei a ver situações que aconteciam em fóruns de discussão onde jovens começavam a brigar no mundo virtual e acabavam trazendo esses problemas de socialização para o mundo real. Dei-me conta de que esta geração está vivendo fenômenos que não conhecíamos. Os problemas do virtual transcendem para o real.

 

Quando os jovens de hoje têm contato com as novas tecnologias eles refletem sobre o processo de aprender a usá-las? É algo natural ou há a consciência de que se está aprendendo?

 

Maíra Soares

“Muitos professores dizem que não têm tempo, mas, com o uso da tecnologia, acaba-se ganhando tempo”, diz Balaguer

Eu penso que a existência de diferentes níveis socioeconômicos influencia. Para quem possui acesso à tecnologia, é natural, devido ao constante contato. Para aqueles que não têm esse acesso, a aprendizagem ocorre nos moldes tradicionais, apesar do contato com os dispositivos móveis, como celulares, que são mais comuns. Esses dispositivos também funcionam como importantes alfabetizadores. Através deles, pode-se fazer qualquer coisa: mandar e-mail, participar de uma conversa instantânea, escrever no Twitter. Ou seja, dispositivos móveis ajudam muito a tornar este processo natural, considerando que eles são mais acessíveis, mas não podemos generalizar.

 

Existe uma nova metodologia de ensino com a inserção das TICs na educação que veio para substituir a anterior?

Acho que há uma cultura a se transmitir pela velha metodologia e pelo ensino tradicional, que é fundamental que não se percam. Para mim, não é a mesma coisa ler um livro ou um PDF. No primeiro, há mais interioridade, silêncio, reflexão, enfim, um contato com outros aspectos que, quando estamos conectados, não possuímos. No computador, trabalhamos com multitarefas, porque mantemos várias janelas abertas e a atenção é mais fragmentada. Torna-se difícil dedicar toda a atenção somente à leitura, porque há o e-mail, os amigos chamando no MSN ou que comentam numa foto do Facebook. A alfabetização digital também se pauta na alfabetização tradicional, porque uma pessoa não sabe fazer nada no computador se não souber ler e escrever.

 

Os jovens estão dispostos a ceder um espaço que era só de lazer para o aprendizado “formal”? E os professores, eles estão dispostos a se apropriar de novas ferramentas de ensino?

A porcentagem de docentes que se anima em usar as tecnologias na educação é muito baixa. Que se animam mesmo, eu não diria mais de 20%. Essa é uma realidade mundial. Há, evidentemente, quem vá se acostumando aos poucos. E, por último, há quem pense ser muito mais caro trazer a tecnologia para o ensino. Não penso que essa maioria não tenha vontade, o que ocorre é um medo natural por pensar que este é um campo muito complexo. Muitos professores dizem também que não têm tempo para aprender. Eles não consideram que, com o uso da tecnologia, acaba-se ganhando tempo. Existe uma dedicação inicial que pode dar mais trabalho, mas logo ela é compensada. Os jovens, que nascem nesta nova realidade, têm muito menos medo de errar do que os docentes. Por outro lado, muitos jovens pensam que algumas tecnologias servem somente para a comunicação e diversão, e não para o aprendizado. As redes, para eles, serviriam para conversar com os amigos, mandar mensagens, subir fotos e não para aprender. Este é um desafio de implementação das redes no ensino.

 

Como fazer, então, para que as redes sociais não sejam apenas uma ferramenta de diversão?

Este é um grande desafio. Eu não tenho uma resposta. Mas o uso das redes pode fazer com que os jovens vejam a educação relacionada ao “mundo de fora”. Elas podem ser usadas como plataformas em que se maneje o conhecimento e a participação de maneira mais ativa – fora do ambiente escolar. Houve a época em que os alunos entravam na escola e pensavam que ali estava o conhecimento; fora dali, não. Esta realidade vem mudando.

 

Pensando nas mudanças trazidas pelas novas tecnologias para a educação, qual o papel do educador? Ele deixa de ser o detentor do conhecimento e passa a atuar como mediador?

No ensino tradicional, a posição do docente é central. Todos giram em torno dele. Quando se introduz a tecnologia, o seu papel passa a ser mais de facilitador, alguém que não saiba de tudo, mas que seja capaz de conduzir o aluno ao conhecimento e ensiná-lo a traçar seu próprio caminho. O lugar do docente muda, o que acaba sendo um descanso para ele. Há menos pressão, já que ele deixa de ser o personagem central e adquire maior liberdade. Sua atuação, com o auxílio das tecnologias, tende a ser menos estressante. Cabe ao docente, por exemplo, orientar quais páginas na internet podem ser interessantes. Evidentemente, alguns alunos, quando usam a tecnologia, podem ir mais adiante que outros. Quem não tem capital cultural, não pode ir muito além de se comunicar e usar o computador para lazer. De qualquer maneira, há um nível em que o aprendizado ocorre sozinho, mas também há um teto para isso. A questão é possibilitar que os docentes se apropriem das tecnologias e sejam capazes de transferir conhecimento para os alunos. E isso exige uma capacitação forte desses profissionais. A sua mediação é fundamental.

 

Então um bom educador na era digital é aquele que faz bem a mediação entre alunos e tecnologia?

 

Maíra Soares

Atuação dos professores, com o auxílio das tecnologias, tende a ser menos estressante, afirma pesquisador

 

Há bons docentes tradicionais e que são valorizados pelos jovens porque eles os ensinam a pensar de uma forma não habitual. Esses são docentes que não gostam de tecnologia, não a utilizam e podem ser tão bons quanto os que a utilizam. Ser um bom educador não passa necessariamente pelo uso das tecnologias. Mas, evidentemente, há também bons educadores que são capazes de inserir novas formas de geração de conhecimento e fazer seus alunos verem as relações que o aprendizado pode ter com a sua vida, com o seu futuro. Creio que, neste momento, o professor digital ideal é aquele que se anima a sair do lugar central e compartilhar informações.

 

Os professores devem sair da faculdade já preparados para usar as tecnologias no ensino ou eles devem buscar por conta própria fora da graduação?

É importante que os docentes saibam ensinar seus alunos como se apropriar das tecnologias. A sua formação deveria vir tanto de cima para baixo, na faculdade, como de baixo para cima, na escola. As trocas poderiam acontecer entre gerações: docentes e alunos. Eu também acho importante a colaboração voluntária dos que trabalham com informática, que são as pessoas com o domínio de ferramentas úteis.

 

Estar o tempo todo conectado é positivo para o aprendizado? Como moderar o tempo que os jovens passam diante do computador?

Gosto de dizer que há tempo para pescar e para secar as redes. É importante estar conectado, mas é necessário ter tempo para avaliar o conhecimento adquirido. Se uma pessoa está sempre conectada, não consegue avaliar a quantidade de coisas com as quais teve contato. Agora, no caso dos jovens, enquanto jogam, por exemplo, eles estão desenvolvendo uma série de habilidades que podem ser aprendizados muito específicos, mas também importantes. É necessário que haja limites na conexão, porque, se não, afasta-se de alguns aspectos essenciais da educação, como a narrativa e a palavra. Muitos jovens preferem falar no MSN, por exemplo, a conversar no “mundo real”. Esse é um ponto da subjetividade que me interessa. Cada vez mais os dispositivos tendem a se tornar mediadores da palavra. De fato, já há consoles de videogames que funcionam com o pensamento.

 

Como você vê a formação e o trabalho dos docentes brasileiros em relação ao uso das TICs na educação?

Acho difícil avaliar o Brasil como um todo. Há muitas realidades. Certamente, a realidade mais comum a todos é a em que os docentes não conhecem ou não sabem como usar as TICs na educação. Mas eles, tampouco, perguntam para os seus alunos o que poderiam fazer para utilizá-las e o que seria interessante. Entretanto, há um outro Brasil de vanguarda em pesquisas nessa área. Sei, por exemplo, que há forte investigação em realidade virtual. Uma pessoa pode trabalhar a distância de uma forma, mas trabalhar com a realidade virtual faz parte de outro paradigma. O desafio é claro: como fazer para que todo o sistema de educação mude? Suponho que não seja fácil. Para nós, no Uruguai, é mais tranquilo. Vocês são 190 milhões; nós, três milhões. Então, para a gente foi possível instaurar o programa One Laptop per Child (Um computador por criança), sendo que temos 160 mil crianças em cerca de 2300 escolas públicas. Em muitos aspectos, no que diz respeito ao uso das TICs na educação, a América Latina já está junto aos países desenvolvidos.

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