Não há melhor título para uma reportagem sobre o projeto vencedor do Prêmio do Instituto Claro na modalidade Vivência / Categoria pós-graduação do que o seu próprio nome. Parte de um programa de doutorado da Unicamp que visa a investigar a utilização de recursos de áudio e vídeo na internet para a construção de conhecimento, o Re@ge é alimentado por um grupo de 20 agentes do Programa Saúde da Família (PSF) da cidade de Pedreira (SP) e outros profissionais da área. Antes, excluídos digitalmente em sua maior parte, eles agora têm a oportunidade de reagir utilizando máquinas digitais, aparelhos de MP5 e telecentros para documentar o seu trabalho nas comunidades e, posteriormente, discuti-lo em rede.

A doutoranda Carla Rodriguez montou uma série de atividades a serem propostas ao grupo, que tem um encontro virtual por semana no telecentro da cidade. Os participantes, cuja média de idade está na faixa dos 30 anos, revezam durante a semana uma câmera digital e um MP5 em minigrupos que vão atender comunidades carentes da região coberta pelo PSF. Durante o atendimento, os próprios colegas gravam o contato com o público, fazem fotos e entrevistas. Essa atividade é chamada de “registro do cotidiano”.

Depois dessa fase, todo o material é colocado na rede, assistido pelos próprios agentes e seus colegas e, a partir daí, são abertas discussões das quais médicos e outros profissionais da área também participam. “Esta é uma oportunidade que eles nunca tiveram: ver o próprio trabalho e crescer discutindo-o”, afirma Carla, que também aponta a escassez de recursos como problema: “O ideal seria que eles participassem dos nossos encontros virtuais nos seus locais de trabalho, mas nos postos de saúde não há computadores com internet. Inclusive, o certo seria deixar um laptop na mão de cada agente, para que o processo de apropriação da tecnologia fosse mais rápido”.

A construção do conhecimento no processo está justamente na possibilidade de assistir a um trabalho sendo feito com o intuito de aperfeiçoá-lo. Carla cita o exemplo de um enfermeiro que documentou o atendimento a uma mãe e a um bebê. Depois de assistir ao vídeo, ele mesmo disse: “Nessa hora, eu devia ter falado de uma maneira diferente, porque a mãe não entendeu o que eu quis dizer” e “Nunca pensei que gesticulasse tanto!”. Na mesma discussão, surgiu ainda a observação de que o enfermeiro, enquanto falava com a mãe, devia ter dado mais atenção à criança, que estava inquieta.

Maíra Soares

Carla Rodrigues (centro) recebe o Prêmio Instituto Claro

No momento, a equipe do projeto está montando um informativo digital e impresso sobre o PSF. Os agentes perceberam nos atendimentos que o funcionamento do programa não bem era conhecido, muitas famílias não sabiam que tinham direito à participação e, por falta de informação, acabavam recusando contato, o que prejudicava, também, a atuação nas comunidades.

Vitrine: o trabalho dos agentes numa rede social
Além da divulgação em folhetos, que permitirá o aperfeiçoamento do próprio trabalho, abrir esse canal com a sociedade é importante para que se obtenha um retorno das famílias atendidas. Foi pensando nisso que, ao planejar seu doutorado, a pesquisadora Carla utilizou uma rede social para servir de plataforma de troca entre agentes (que até então também eram excluídos) e comunidades atendidas. O Vila na Rede já existia antes do Re@ge e começou em Campinas, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Microsoft Research a pesquisadores da Unicamp. Trata-se de uma rede social para o público que está sendo incluído digitalmente, mas não apenas com a finalidade de manter contatos. As três frentes do Vila na Rede são eventos; debate de idéias e divulgação, produção e serviços.

Essa rede, que começou em meados de 2007, hoje é utilizada além da Vila União, em Campinas, e da Vila Monte Alegre, em Pedreira. Um pesquisador de Minas Gerais colocou-a em prática também na cidade de Campanha e usuários de outras partes do país estão conhecendo a ferramenta, já que se trata de uma rede aberta. Assim, o Vila na Rede se tornou uma vitrine para as atividades que são desenvolvidas dentro do Re@ge, ou seja, “um canal muito mais rico do que era o YouTube, onde os agentes disseminavam os vídeos produzidos por eles, porque o Vila está em contato com pessoas que fazem parte desse contexto” – comunidades carentes e em fase de inclusão digital, segundo Carla. Logo, esse contato permite um retorno ainda mais significante do que o obtido nas discussões do grupo no ambiente virtual, pois pessoas de fora passam a interferir, reconhecendo pontos positivos e apontando pontos negativos do PSF, por exemplo.

Agentes de saúde se tornam educadores
A pesquisadora deve terminar seu doutorado até 2011, mas essa série de atividades que vêm sendo desenvolvidas não pode parar. A ideia é que a comunidade se aproprie desse conhecimento tecnológico de forma crítica, para que todos saibam, depois, disseminá-lo – dando continuidade à promoção da educação. Os agentes, que já cooperam entre si no uso de equipamentos e promovem discussões sobre o seu trabalho, têm autonomia para seguir com o trabalho, afinal, a estrutura do telecentro de Pedreira permanecerá após a integralização de Carla na Unicamp. “O tempo da academia não é o mesmo da comunidade, temos que respeitar o tempo deles, e por isso o projeto deve se sustentar mesmo com o fim da pesquisa”, diz a doutoranda.

Enquanto isso, a Prefeitura de Pedreira já mostrou simpatia para com o projeto e investimentos devem ser feitos. Os próximos passos dos agentes, que continuam fazendo o registro do cotidiano e o folheto de informações sobre o PSF, serão dados na produção e impressão de um jogo – que terá como tema a prevenção da gravidez – a ser distribuído em escolas. Se ideias não faltam, o Re@ge mostra que o acesso a uma máquina digital e a um computador pode ajudar a produzir muito conhecimento, além de disseminar e semear outras boas idéias.

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