Ao assumir como diretora a gestão da Escola Estadual de Ensino Médio (EEEM) Irmã Dulce Lopes Pontes, em Viana (ES), a doutoranda no ensino de ciências e matemática Ana Paula Dutra dos Santos Sampaio notou que cada um dos três turnos escolares parecia uma “escola diferente”. Assim, viu na criação de um calendário escolar colaborativo a possibilidade de engajar alunos e professores nas atividades da instituição de ensino, experiência replicada por quatro anos.
“Um calendário colaborativo significa que ele não foi desenhado por uma pessoa, mas por várias mãos: do professor, do gestor, dos funcionários, do aluno líder de turma que participa do conselho e traz as demandas dos discentes, entre outros”, explica.
“Ele proporciona integração, pois uma escola é composta por professores de diferentes escolas pedagógicas, formados nas décadas de 1980, 1990, 2000, 2010 e 2020. É possível visualizar os eventos que ocorrerão no trimestre e se programar. Para completar, cria envolvimento de toda a comunidade e sentimento de identidade”, analisa.
Em entrevista, Sampaio compartilha os desafios e conquistas relacionados à experiência aplicada na escola pública capixaba.
O que é um calendário escolar?
Ana Paula Dutra dos Santos Sampaio: De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), as escolas devem cumprir pelo menos 200 dias letivos anuais, distribuídos em dois semestres, totalizando no mínimo 800 horas. No entanto, as escolas podem elaborar um calendário que vá além do cumprimento dos dias e horas exigidos, considerando o acompanhamento e monitoramento do desenvolvimento dos alunos. É inadequado, por exemplo, o professor lançar as notas apenas no final do trimestre, pois isso pode dificultar a identificação das dificuldades dos alunos e a possibilidade de intervenção. Além disso, o calendário deve levar em conta as datas que refletem o contexto cultural e social da cidade; por exemplo, o aniversário da cidade, se isso for significativo para a comunidade. Todos esses aspectos devem ser considerados na construção de um calendário escolar.
O que significa dizer que um calendário é colaborativo?
Sampaio: Significa que ele não foi desenhado por uma pessoa, mas por várias mãos: do professor, do gestor, dos funcionários, do aluno líder de turma que participa do conselho e traz as demandas dos discentes, entre outros.
Para a escola, quais as vantagens de construir um calendário escolar colaborativo?
Sampaio: A primeira é pertencimento de todos os envolvidos e envolvimento nas atividades que serão previstas. A segunda é integração: uma escola é composta por professores de diferentes escolas pedagógicas, formados nas décadas de 1980, 1990, 2000, 2010 e 2020. É possível visualizar os eventos que ocorrerão no trimestre e se programar. Para completar, cria envolvimento de toda a comunidade e sentimento de identidade. Teve uma vez, por exemplo, que a equipe de limpeza já havia preparado a faxina da quadra porque sabia que no final de semana haveria uma atividade com as famílias. A própria comunidade escolar sabia do evento e já se organizou.
Há uma relação entre a construção de um calendário escolar colaborativo e o conceito de gestão democrática?
Sampaio: Sim, porque você tem todos os segmentos da escola representados nele.
Quais as vantagens da iniciativa para os professores?
Sampaio: Quando você cria o calendário, os prazos das atividades e do que é preciso trabalhar com os alunos ficam mais claros. É algo menos trabalhoso para o professor, que, por exemplo, ao final do trimestre, ficava com a tarefa de pensar atividades diversas para recuperar a aprendizagem daquele aluno. Também é possível programar atividades de caráter interdisciplinar. Se uma atividade não está no desenho do calendário, o professor faz sozinho com a turma. Quando dentro do calendário, todos podem se envolver. Por exemplo, criamos um evento que abranja uma das grandes áreas por trimestre: Linguagem, Ciências Humanas e Matemática e Ciências da Natureza. Assim, fica mais fácil programar atividades em conjunto; por exemplo, em um ano, para trabalhar questões históricas e culturais do Espirito Santo, abordamos a linguagem do capixaba associada a visitas a aldeias indígenas, colônias de imigrantes entre outros.
Quais as vantagens de um calendário colaborativo para os alunos?
Sampaio: Em um calendário colaborativo bem desenhado, o aluno sabe, por exemplo, em qual data terá um seminário, uma avaliação, um evento cultural… e fica mais fácil programar seus estudos. Ele também pode se identificar mais com as atividades propostas, porque também participou dando sugestões.
Quais são os desafios para criar um calendário colaborativo?
Sampaio: Normalmente, as secretarias [estaduais de educação] não têm muita preocupação com os calendários internos das escolas, focando apenas na visão global. Isso pode resultar em conflitos; por exemplo, quando gestores e professores são convocados para formações, o que pode interferir no calendário interno da escola.
Outro ponto é que a gestão precisa dar subsídios para os eventos acontecerem. Se há uma visita a um museu programada, é preciso que esse gestor mobilize recursos para ela acontecer na data prevista. Mas, em linhas gerais, a principal dica para enfrentar esses desafios é o espírito de equipe e a escuta ativa. É fundamental que todos se sintam parte do processo e se identifiquem com o ambiente.
Quais as orientações para formar um comitê para a construção do calendário?
Sampaio: O calendário que inicia em fevereiro deve ser pensado no final do ano, em momentos de reunião e de conselhos de classe. Como a escola em que atuava tinha três turnos, fizemos um formulário para que cada professor apontasse, no calendário anterior, o que havia dado certo, o que precisava ser excluído, o que poderia ser incluído. As informações dos discentes eram trazidas pelos líderes de turma e por um QR Code que ficava na secretaria, cujas informações eram direcionadas ao e-mail da escola. A partir de todo esse material colhido, fizemos uma proposta apresentada na primeira reunião do ano letivo.
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