A escola nunca foi o único centro irradiador de conhecimento para crianças e jovens, mas é inegável que hoje, com as tecnologias da informação e da comunicação tão presentes na vida dos estudantes, as instituições formais de ensino passaram a dividir espaço com um número muito maior de “atores” nesse processo. Entre as diversas organizações não-governamentais, associações de bairro bem-estruturadas e grupos sem qualquer registro burocrático que têm como objetivo ampliar a formação social de jovens a partir do uso das mídias, estão aqueles que escolheram a produção audiovisual como caminho.

Divulgação/Olho da Rua

Alunos do projeto Olho da Rua gravam vídeo em Vila Velha (ES)

Brasil afora, as iniciativas são muitas. Quando têm uma metodologia bem definida, costumam ter vida longa e realizar projetos que repercutem na sociedade, como mostrará esta reportagem. Coordenadora da ONG cearense “Aldeia”, especializada em educação, infoinclusão e audiovisual, Simone Lima destaca: “Existe uma identidade entre os projetos dessa natureza e o universo jovem, uma identidade que a escola pública ainda não prioriza no seu dia a dia”.

Divulgação/Visões Periféricas

Jovens produtores exibem troféu no festival Visões Periféricas

A crítica da socióloga e professora de roteiros, entretanto, não afasta a “Aldeia” das escolas. Pelo contrário. É essa “defasagem” que a ONG tenta cobrir. Por isso, atua sempre dentro das escolas públicas, após longas conversas com as diretorias e coordenações pedagógicas das instituições. Como argumentos, apresenta a proposta de oficinas, discorre sobre o quanto os debates de roteiros, as produções de vídeos e o domínio de novas tecnologias pelos estudantes pode ser enriquecedor para a educação dos mesmos. “Sempre dá certo, as escolas nos abrem as portas”, afirma Simone.

Mas esse é só um dos formatos. Há experiências de outras organizações nas quais todo o trabalho é desenvolvido numa comunidade, num bairro, longe das escolas. No portal do Fórum de Experiências Populares em Audiovisuais (Fepa), espaço virtual que reúne realizadores dessas iniciativas, diferentes metodologias são listadas. Em comum, elas apresentam o fato de estarem sempre alinhadas às expectativas dos jovens, que preferem o papel de produtores ao de simples receptores de informação.

Divulgação/ONG Aldeia

Sessão de cineclube promovida pela ONG Aldeia, em Fortaleza

Há dois anos, Glauber Xavier coordena, em Alagoas, o “Olhar Circular”, da Associação Artística Saudáveis Subversivos, um dos projetos que integram o Fepa. A relação com a escola existe. Num trailler, o grupo em que Xavier atua carrega filmadoras, ilhas de edição, retroprojetor. Durante seis meses, o trailler fica no estacionamento da escola, onde as descobertas acontecem. “Aqui em Alagoas muitos colégios não têm, sequer, laboratório de informática. Mas quando as oficinas terminam, os alunos estão editando vídeos e discutindo com propriedade formas de se fazer uma produção. Para mim, isso representa inclusão”, afirma.

O reconhecimento “com glamour”
Numa escola do município de Marechal Deodoro (AL), a atuação do “Olhar Circular” resultou na produção de sete documentários. Todos foram escritos em festivais de vídeo como o Visões Periféricas, o CineCufa (organizado pela Central Única das Favelas) e o Festival Jovem. Márcio Blanco, organizador do Visões Periféricas, evento que chegou à quarta edição este ano, avalia que os festivais são o momento de visibilidade para os produtores jovens, na esmagadora maioria das vezes vindos de comunidades carentes, e que costumam encontrar dificuldades para expor o que realizam. “No Visões, as produções resultantes de trabalhos sociais não ficam ‘escondidas’ na programação, em horários que quase ninguém vê, como acontece em muitas mostras”, comenta.

Festivais de linguagem audiovisual

Blanco, cineasta que há oito anos atua com produções de periferia, ressalta, porém, que o Visões Periféricas é mais que somente um momento de visibilidade. É momento de criação de laços, de debates políticos. “O Fórum de Experiências Populares em Audiovisuais (Fepa), por exemplo, surgiu no segundo ano do festival. Hoje, o Fepa ocupa uma cadeira no Conselho Consultivo da Secretaria de Audiovisual e influenciou o lançamento do edital Nós na Tela (concurso do Ministério da Cultura de apoio à produção de obras audiovisuais de curta metragem, voltado a jovens das classes C, D e E, entre 17 e 29 anos, envolvidos em projetos sociais)”.

A jornalista Karina Oliveira, 28 anos, recebeu há dois meses, na edição mais recente do Visões Periféricas, realizado no Rio de Janeiro, o prêmio de melhor documentário pelo vídeo “Mais um”, cuja temática é a relação entre violência e racismo. Hoje coordenadora do projeto Olho da Rua, sediado em Vila Velha (ES), Karina ingressou na iniciativa como estagiária e esse vídeo é apenas uma das produções vitoriosas das quais já participou. “Considero o nosso espaço importante porque tem essa proposta de discutir problemas sociais, opressões. Estamos fazendo mídia ao mesmo tempo em que desenvolvemos um debate crítico e educativo”, diz Karina.

O “Olho da Rua” trabalha com jovens do bairro Paul, um dos que integram a Bacia do Rio Aribiri, região periférica de Vila Velha com alto índice de criminalidade. O projeto não envolve as escolas de forma direta. As oficinas acontecem dentro da sede do projeto e algumas ações que têm a intenção de integrar a população, como o Cineclube, são realizadas nas ruas da cidade. “Todas as semanas exibimos um filme em praça pública. Depois, temos debates. Segundo Karina, temas atuais como a violência e o tráfico de drogas costumam ser recorrentes.

Na ONG “Aldeia”, em Fortaleza, sediada na região de Mucuripe, a coordenadora Simone Lima conta que a tendência, ao se discutir roteiros com os jovens, é que os alunos queiram escolher temas também nessa linha. “Embora esses assuntos tão recorrentes na vida deles – como violência e tráfico – tenham de ser abordados, tentamos ampliar a visão de mundo dos jovens. Por isso, fazemos oficina de Antropologia da Imagem, com intenção de resignificar a bairro, a cidade”, revela Simone. A estratégia traz resultados: vídeos sobre personagens importantes da região, como os pescadores, ganham vez entre os produtores.

A possibilidade de profissionalização
Além de possibilitar o incremento da formação sociocultural dos jovens participantes, a aprendizagem de técnicas de produção audiovisual valoriza o currículo dos mesmos. “Temos a preocupação de envolver nos nossos projetos aquelas pessoas que estão saindo do ensino médio, pois muitos não ingressam numa universidade e ficam num ‘limbo'”, conta o psicólogo Marco Antônio Rocha, gestor da Fábrica de Imagens, ONG que utiliza a cultura digital para trabalhar questões de equidade de gêneros e diversidades.

A partir da tríade cultura/comunicação/tecnologia, a Fábrica de Imagens produz e dissemina produtos audiovisuais que são levados a escolas, seminários e mostras culturais realizadas no Ceará, onde está localizada a sua sede, ou em outros estados do Brasil que abrem espaço para as produções. Os participantes têm entre 16 e 24 anos, integram famílias de baixa renda e são estudantes de escolas públicas. “Podemos abrir exceções, mas esse perfil é o que trabalhamos, por uma questão de metodologia. Visamos formar cidadãos mais críticos, engajados”, explica Marco Antônio.

Ele afirma que muitos dos jovens que integram as iniciativas da Fábrica são absorvidos pelo mercado profissional. “Há uns atuando em emissoras de TV, outros em produtoras, e há também jovens que fazem parte do Conselho de Juventude de Fortaleza. Quando vemos isso acontecer, nos sentimos recompensados, pois, antes da vivência aqui na Fábrica, eles estavam muito longe de tudo isso”, diz o psicólogo.

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