Os alunos da comunidade indígena Paiter, na cidade de Cacoal (RO), não se identificavam com o material didático enviado pelo governo, em Português. “Eles falam preferencialmente a língua Paiter Suruí. Porém, a cada dia, pela influência externa, utilizam mais o Português. Sem materiais próprios, fatalmente o português tomaria o lugar da língua materna”, relata a professora Elisângela Dell-Armelina Suruí.

Os alunos entendiam a oralidade da língua materna, mas tinham dificuldades na escrita. Assim, havia a necessidade de alfabetizá-los. Sem encontrar materiais que ajudassem no processo, a professora e seus estudantes construíram o seu próprio material didático coletivamente. O projeto foi batizado de Mamug koe ixo tig (“a fala e a escrita da criança”, na língua Paiter Surui). Ele rendeu à Elisângela o Prêmio de Educadora do Ano 2017 na 20ª edição do Prêmio Educador Nota 10.

Como você percebeu as dificuldades dos alunos frente à língua materna?

Elisângela Dell-Armelina Suruí: Leciono na fronteira de Rondônia com Mato Grosso, na escola indígena Sertanista Francisco Meireles. O local atende alunos do Ensino Fundamental e Médio, da linhagem clânica “Makor”, da etnia Paiter Suruí. O material oferecido pelo Governo, somente em Língua Portuguesa, não atendia às necessidades dos alunos. Eles falam preferencialmente a língua materna, mas, a cada dia, utilizam mais o Português, pela influência da televisão, internet e da proximidade da cidade. Sem materiais próprios na língua materna, fatalmente o Português tomaria o seu lugar. Eles entendiam a oralidade da língua mãe, mas tinham dificuldades na escrita. Era preciso alfabetizá-los, buscar a compreensão da escrita nessa língua e trabalhar os saberes tradicionais de seu povo. Contudo, não encontrei materiais de alfabetização que superassem tais dificuldades.

Como esse material didático foi elaborado?

Elisângela: Eu e meus alunos criamos um modo de aprendizagem em que pudessem, a partir dos conhecimentos do cotidiano, produzir material didático que relacionasse imagem à escrita. Que pudessem escrever palavras, produzir textos e relacionar os conhecimentos étnicos aos universais.

Isso nos incentivou a discutir na comunidade e pesquisar o conhecimento tradicional, transformando-o em atividades de alfabetização. As crianças pesquisaram e registraram dados linguísticos e culturais do seu povo. Propus de eles mesmos criarem um Caderno de Atividades de alfabetização na língua materna Paiter Suruí e língua Portuguesa. Eu atuaria mediando a criação. Realizamos oficinas em sala e outros ambientes da aldeia, observando e descrevendo a cachoeira, a floresta, a associação indígena, a coleta da castanha, o trabalho na roça, a confecção de artesanatos, a pescaria e as brincadeiras.

Como se deu a adaptação para a linguagem de sinais?

Elisângela: Nas turmas em que desenvolvi o projeto, não há alunos com deficiência. Porém, em outras aldeias do mesmo povo, temos alunos com deficiência auditiva. Quisemos trabalhar a inclusão no sentido de que mesmo a criança que não tenha essa deficiência possa entender e se comunicar com a criança que a tenha.

Quais os desafios deste processo?

Elisângela: O poder público oferta uma educação engessada por legislações que não contemplam a realidade dessas crianças. Ser índio, hoje, é estar o tempo todo em luta pela afirmação identitária e sobrevivência territorial.

Em quais aspectos o seu projeto pode inspirar outros professores do Brasil, de escolas indígenas e não indígenas?

Elisângela: As práticas político-pedagógicas destinadas à Educação, especialmente para as crianças indígenas, precisam de um olhar atento para que a liberdade delas não sucumba ao consumismo. Temos que prepará-las para enfrentar mundo de desigualdades sociais e de preconceitos. Fazer com que eles consigam conviver com as diversidades culturais e aprender com diferentes formas de se olhar o mundo.

Foto da cerimônia: Divulgação/Flavio Santana – Fabio Rizzato – BIOFOTO
Foto do making off das gravações: Ni Ribeiro/Trupe Filmes

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