Nada de meias palavras. No Núcleo de Arte-Educação do Projeto Portinari, a palavra de ordem é dita em alto e bom som: acesso. E a política adotada para que o discurso seja posto em prática é a democratização cultural com forte apoio da ciência e da tecnologia. É assim desde que o núcleo surgiu, em 1997, com a exposição “O Brasil de Portinari”, que levou ao público do Rio de Janeiro 45 réplicas digitais de obras do pintor brasileiro e formou professores para articularem suas atividades curriculares ao conteúdo da exposição.

Hoje, 15 anos depois, o núcleo – parte integrante do projeto Portinari fundado em 1979 com a proposta de catalogar toda a obra do artista – segue na mesma trilha. Mas com as tecnologias digitais como aliadas, a palavra “acesso” teve o seu sentido ampliado. Até janeiro de 2013 toda a obra de Cândido Portinari catalogada estará disponível na web em novo site para consulta gratuita. Em números, isso significa 5 mil obras e cerca de 30 mil documentos de acervo organizados num mesmo endereço web.

Arte para a educação, educação para a arte

O esforço de levar constantemente o acervo ao público e atrelar isso a ações educativas é uma busca, segundo o diretor do Projeto Portinari, João Cândido Portinari, por manter a coerência com a trajetória do pintor. “Meu pai não pintava traços ou figuras abstratas, ele trazia à tona, em imagens, a sua mensagem de comprometimento com as causas sociais”, afirma.

Já dizia o educador Paulo Freire que, do ponto de vista crítico, é tão impossível negar a natureza política do processo educativo quanto negar o caráter educativo do ato político. Ao conversar com o filho do pintor percebe-se que, conscientemente ou não, isso está incorporado no projeto que leva o nome da família. Para cumprir o que João Cândido chama de “propósito social” do Projeto Portinari, ele e sua equipe, que trabalham diariamente em um espaço da PUC-RJ, não dão muito ouvido aos críticos conservadores e são um tanto militantes da inclusão social por meio das artes.

O herdeiro conta que viu gente torcer o nariz quando foi anunciada a exposição de réplicas. Sem titubear, Suely Avellar, coordenadora do Núcleo de Arte-Educação do Projeto Portinari, justifica ao lado de João: “Se podemos colaborar para ampliar a formação cultural de um determinado público por meio de réplicas, por que não vamos fazer isso?”.

O diretor do projeto explica que trabalhar com cópias em atividades educativas em nada o distancia da seriedade quando o assunto é autenticidade. “Para a catalogação de qualquer nova obra no acervo de Cândido Portinari é feita uma minuciosa pesquisa, com levantamentos e estudos de especialistas e por isso não temos contestação das obras catalogadas”, diz João Cândido, que desde o início do projeto conduz as atividades de dentro da universidade. “Aqui temos um caráter multidisciplinar que considero fundamental para tudo o que já conseguimos fazer”, atesta.

https://youtu.be/BdkD7Sby220

Democratizar e promover a formação

A disponibilização das obras ao público estudante, em réplicas emolduradas ou em arquivos digitais, está longe de ser o maior objetivo. Acesso, no Projeto Portinari, também tem a ver com formação de qualidade para estudantes e professores. Chegar até eles, muitas vezes, é um desafio.

Enquanto mostra fotos das atividades no laptop, Suely Avellar conta sobre a primeira vez que subiu os morros cariocas para levar os traços do artista de Brodowski. “Foi o Dona Marta, ainda em 1999. Não tinha nada disso de UPP (Unidades de Polícia Pacificadora) e fizemos uma parceria com o Comitê para a Democratização da Informática”. Ali ela já trabalhava, por exemplo, o conceito de remix, estimulando os jovens, por meio do projeto “Se eu fosse Portinari”, a interferirem nas imagens e a acrescentarem elementos conforme suas interpretações. Suely também já esteve navegando pelos rios do Norte do país, realizando exposição em barcos e palestras em comunidades e escolas Ribeirinhas. Recentemente, de caminhão, ela levou as réplicas até o Sul da Bahia. “A população costuma se envolver, mas se não temos tempo para fazer formação, não pensamos em atividades com computadores. Há professores, nessas regiões muito distantes dos centros, que nunca tiveram acesso a um”, pontua.

Na Casa da Ciência, no Rio de Janeiro, onde esteve aberta ao longo de novembro deste ano a exposição “Portinari – Arte e Meio Ambiente”, as atividades, ainda como nos tempos do Dona Marta, contemplaram a vivência dos participantes e os jovens criaram, em argila, personagens das obras , além de outros, frutos da própria imaginação. “Levar em consideração a realidade do estudante é fundamental para aproximá-lo da arte, que à primeira vista pode parecer tão distante”, teoriza Suely, deixando claro o viés construtivista do seu trabalho, que preza sempre pela aprendizagem como um processo de construção de relações entre o aluno e o meio com o qual ele interage.

Seja com argila ou computador, a atuação dessa arte-educadora e sua equipe mostra que as tecnologias não são indispensáveis a todo o momento no Projeto Portinari. Fazem parte de uma metodologia que as incorpora como ferramentas de um rico processo de aprendizagem que não relega a segundo plano a reflexão do aluno na construção do conhecimento apoiado pelas artes. Tecnologia sim, mas metodologia também: a fórmula vem dando certo.

Para os professores, um convite

Entusiasta do trabalho de Portinari, a professora Célia Linhares, da Universidade Federal Fluminense, lançou em 2011 o livro “Portinari e a Cultura Brasileira: um convite à educação a contrapelo”. A obra reúne artigos de pesquisadores, inclusive da própria Linhares. No seu texto “Portinari na educação: potências a serem atualizadas a cada dia”, ela convida os leitores a refletirem profundamente sobre outras formas de pensar e educar. Destaca que “se os desafios e os enigmas contemporâneos são sérios e difíceis de serem bem encaminhados é porque eles também exigem outras formas de pensar e educar, como ações políticas que são” e defende, em seguida, que essas políticas precisam estar conciliadas com os avanços das tecnologias e ciências.

Linhares integra o grupo dos que não creem no modelo de escola que ainda predomina atualmente, onde os alunos, passivos, não são convidados a criar, mas apenas a repetir fórmulas. Por acreditar que o caminho da educação é outro, ela faz a ponte com as obra de Portinari, artista que criou a sua própria forma de expressão. Uma expressão, de fato, tão original, que para o amigo e poeta Carlos Drummond de Andrade trata-se de um universo à parte.

[…] o universo portinariano,

Se às vezes doi, sempre fulgura:

Entrelaça como num verso

O que é humano ao que é pintura […]

(Carlos Drummond de Andrade).

Confira canal no youtube e o twitter do projeto.

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