Programas de mentoria para professores são realizados em universidades e articulam os iniciantes na docência com aqueles mais experientes, funcionando como formação continuada.
“Um profissional mais experiente orienta e apoia o iniciante, havendo troca de conhecimentos e mobilização de saberes. A mentoria ajuda o iniciante a refletir sobre a prática docente, a resolver situações que surgem no ambiente escolar e a crescer profissionalmente”, resume a coordenadora do Programa de Mentoria Construir Docência, da Universidade Estadual da Bahia (Construdoc/Uesb), Lúcia Gracia Ferreira.
Na Uesb, o programa de mentoria é realizado desde 2021, tem duração de três semestres e conecta professores de todo o Brasil com menos de cinco anos de atuação (iniciantes) àqueles com mais de dez anos de experiência (mentores). Os participantes atuam de forma voluntária.
“As atividades incluem formação para mentores sobre como orientar os iniciantes, encontros online periódicos entre mentores e assessorados, indicações de leituras e ambiente virtual de aprendizagem”, explica Ferreira.
Troca de experiências
O professor iniciante é acompanhado por um mentor que atua ou tem experiencia na mesma etapa de ensino. Os encontros podem ser semanais ou quinzenais, nos quais o professor iniciante leva ao mentor desafios e dilemas presentes no seu dia a dia.
“Os iniciantes relatam dificuldades de promover aprendizagem de um aluno com deficiência, de desenvolver projetos sobre relações éticos-raciais ou mesmo de fazer o planejamento das aulas”, relata Ferreira.
Lidiane Soares é pedagoga, licenciada em letras e professora da rede municipal de Macarani (BA), com 18 anos de experiência. Em 2024, atuou como mentora de duas professoras do ensino fundamental II.
“Nos encontros semanais, discutimos bullying, didática, postura ética, relações humanas entre professor com alunos e professores e comunidade, uso excessivo de celular e problemas relacionados às redes sociais”, compartilha Soares.
“Trocávamos experiências, iniciativas e depois discutíamos o que deu ou não certo”, acrescenta.
Professora de sociologia e filosofia do estado de São Paulo (SP), Denise Alves Souza levou para a mentoria a dificuldade de propor novas práticas dentro de um currículo engessado.
“Estávamos obrigados a ensinar um determinado assunto com power point, não podendo discutir temas que aconteciam em sala de aula naquele instante, como racismo”, ilustra Souza.
Para ela, ter uma mentora influenciou na sua prática. “Antes de tomar uma atitude ou seguir para um caminho, lembrava do que havíamos conversado e o que poderia fazer diferente”, descreve.
Apoio emocional
Além da parte prática, a coordenadora do programa cita o apoio emocional como outro ganho da mentoria.
“Professores iniciantes chegam fragilizados por humilhações que passam, mas sabem que os encontros são um espaço no qual podem dividir o que aconteceu e que existe alguém com quem podem contar. Geralmente, são situações pelas quais o mentor também já passou”, acrescenta.
“Uma demanda preocupante e que retornou várias vezes nos encontros foi a saúde do professor, como ansiedade, síndrome de burnout e cobranças excessivas sem que haja apoio pedagógico e psicológico para esse profissional”, complementa Soares.
“Já cheguei na mentoria querendo desistir, inclusive chorando. Enfrentamos o desinteresse dos alunos e a culpabilização do professor por todas as desigualdades que atingem a escola. Mas sabia que teria alguém para ouvir e aconselhar”, aponta Denise Alves Souza.
Impacto no chão da escola
Ferreira explica que os impactos positivos do programa de mentoria chegam aos alunos e às escolas.
“A mentoria é importante porque nos faz perceber que não existe receita pronta; uma intervenção depende de cada turma, aluno, escola e contexto”, opina a mentora Lidiane Soares.
“Professores que foram sensibilizados em seu processo de formação terão uma boa prática de ensino, o que reflete no sistema educacional e nos alunos. Um professor que teve mentor apresentará uma atuação diferenciada em relação àquele que não foi assessorado por ninguém”, analisa Ferreira.
A coordenadora também enxerga mudanças na forma como o professor iniciante se porta na escola após participar do projeto.
“Muitos relatam que se sentiam sem voz no ambiente escolar por serem novos, com os outros educadores decidindo o que eles tinham que fazer. Ao longo do programa, o iniciante desenvolve com mais autonomia e segurança para se fazer ouvir. Percebe que tem o que dizer e que sua opinião contribui para mudanças”, conclui.
Os ganhos também atingem os mentores. “Eu também aprendi com as professoras iniciantes pelas atitudes que tomavam. Elas me ajudaram também a rever práticas e a mudar a minha visão da educação”, revela Soares.
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