Quando começou o curso Repórter Comunidade, Anderson Lima Stela, de 18 anos, imaginava que estaria em uma sala com papel e caneta para as atividades. Mas se surpreendeu. “Aqui temos muita experimentação. Trabalhamos vários segmentos da comunicação que nunca achei que iria ter contato na minha vida. É muito diferente e a hora passa muito rápido, aproveitamos bastante”, conta ele, que está no curso desde o início de 2012.

O Repórter é um curso anual divido em quatro módulos (fotografia, jornalismo, vídeo e gestão de projetos), voltado para jovens, e faz parte do NET Comunidade, que completa três anos neste mês, com espaços no bairro do Cambuci, em São Paulo (SP), e na Vila União, em Campinas (SP). Quando perguntado sobre o dia-a-dia no curso, Anderson não hesita: “muito bom desde o começo. Sempre conversamos e compartilhamos as ideias, um ajuda o outro. Podemos construir junto. Temos essa liberdade”.

O processo de trabalhar de forma colaborativa é uma das premissas do Repórter, segundo o educador do NET Campinas, Eliabe Vicente dos Santos, que trabalha na área da educação há oito anos. “Sentamos em roda para trocar ideias. O meu papel é de ser um facilitador no processo. A partir dos saberes que eles trazem, começamos a trabalhar em cima daquilo. Claro que também trago técnicas de como operar uma câmera, sobre composição fotográfica e outras”, afirma.

No módulo de gestão de projetos, iniciado em outubro, ele começou a oficina perguntando se algum dos jovens já planejou algo e conseguiu realizar. “Eles foram se soltando: ‘uma vez queria comprar um tênis, trabalhei num local e juntei dinheiro, mas não deu para comprar mesmo assim, então, comprei no camelô’, disse um deles. A partir das experiências comecei a falar de gestão de projetos.”

A educadora do NET Cambuci, Renata Martins, considera o processo de ensino do Repórter humanizador. “Aproxima os adolescentes de algumas questões que talvez não tivessem outro espaço para refletir, além disso, podem explorar ferramentas e linguagens de comunicação”, ressalta ela, que ministrou sua primeira aula como oficineira de edição de vídeo, em 2005.

Segundo Eliabe, um dos grandes ganhos é o fato de os jovens se formarem no curso com um olhar diferenciado sobre a comunicação, passando a ter maior senso crítico. “Os educadores nos fazem refletir e ter responsabilidade. Aprendi que não podemos deixar de ter nossa ética”, conta o jovem Anderson.
 


O jovem Anderson em atividade no módulo de vídeo do Repórter Comunidade

Preparação das oficinas
As aulas no Repórter são pensadas a partir de objetivos gerais do projeto. Em reuniões, antes de começar o curso em 2012, foram discutidas quais questões seriam abordadas com os adolescentes. A partir disso, analisaram como utilizar as ferramentas de comunicação nas oficinas. “Por exemplo, achamos importante trabalhar o olhar do adolescente, tanto para o autoconhecimento, quanto para um olhar mais crítico em relação a sociedade, desta forma, achamos que a fotografia é a linguagem que mais nos auxilia. Assim, elaboramos as atividades”, explica Renata.

Eliabe também lembrou que o planejamento não pode ser completamente fechado, já que a comunicação é dinâmica. Uma temática que está sendo muito debatida agora pode não estar em pauta daqui três meses. “O planejamento é mais temático e conseguimos inserir o que está acontecendo no cotidiano. Uma grande preocupação nossa é sempre pensar em um encontro dinâmico para não ficar chato.”

O coordenador pedagógico do NET Comunidade Jean Karlo afirma que a linha do curso permeia a pedagogia de Freinet, que defende a educação como um experimento, portanto a escola deve ser aberta para a comunidade, se aproximando da sabedoria popular. Para Jean, é muito significativo que cada educador social trabalhe conceitos e técnicas conjuntamente. “Em outros projetos de educomunicação, geralmente, há separação do saber e do fazer. Um educador fica com a parte humana e outro ministra a técnica. E no Repórter, a mesma pessoa faz os dois”, pontua.
 


A educadora Renata (no meio) no meio dos jovens em atividades

Também está muito presente na linha do curso o pensamento do educador Paulo Freire. Referência na educação, ele dizia que o ensino acontece em vários espaços, além da escola. “Nosso principal método é a educação pela prática. Todos nós aprendemos juntos, fazendo, refletindo sobre essa prática, ampliando nosso repertório”, completa Renata.

Junto da escola
A ideia de cursos como o Repórter Comunidade, que faz parte do que se passou a denominar como educação informal, é fazer um paralelo com a escola. “Um aprendizado não é melhor que o outro. Os professores na educação formal são heróis, têm que introduzir a questão do conhecimento básico. Já o educador não formal tem outra preparação. Como trabalhar a biologia numa câmara escura? Ele vai fazer isso”, pontua Eliabe.

“Nosso objetivo, assim como o da escola, é educar, possibilitar um espaço educativo. E o processo educativo não se dá somente nesses dois espaços, ele é constante, seja na escola, no âmbito familiar, em uma viagem, passeio, no trabalho, em curso ou em ONG”, lembra Renata.

Desafios
Sobre os desafios do curso, a educadora acredita que uma das maiores dificuldades dos jovens é a de fazer escolhas e organizar o pensamento, “seja através (sic) de palavras, imagens ou da própria fala. Talvez por serem produtos direto dessa sociedade fragmentada, simplificada e veloz”. Por isso, o educador entra em ação na mediação do processo.

Eliabe também lembrou que no início do curso, eles não percebem que o mais importante que aprender a técnica de uma comunicação em si, é saber o que aquela técnica pode proporcionar para ele. “Descobrem depois que não estão ali para ser tecnólogos. Mas que o processo é mais importante. Esse é um grande desafio nosso”, finaliza.


Educador Eliabe conversa em roda com os jovens
 

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