Pode parecer clichê, mas boas ideias inspiram novas boas ideias. Na cidade de Cataguases (MG), a educadora Andrea Toledo vem desenvolvendo projetos com turmas da rede pública de ensino e demais jovens que, por meio do uso de tecnologias, tornam o aprendizado mais interessante e enriquecedor. Em outubro de 2009, o Portal do Instituto Claro divulgou o “Escrevendo com o escritor“, em que estudantes do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental pesquisam sobre um autor na internet e se correspondem com ele por um semestre até que, no final, há uma grande festa onde artista e público são devidamente apresentados. Pois foi um pouco antes disso que o “Memórias na Rede” começou. O projeto, inspirado no Museu da Pessoa, propõe que jovens façam o registro audiovisual de histórias de idosos da cidade. Tanto os jovens quanto os idosos frequentam o Instituto Francisca de Souza Peixoto em busca do contato com as tecnologias.

Na verdade, o Memórias na Rede surgiu da junção de dois projetos tocados por Andrea. Um, com os jovens, consistia na iniciação ao programa Windows MovieMaker, da Microsoft, de edição de vídeo. Simultaneamente, ela queria apresentar à sua turma de idosos o Museu da Pessoa (um museu virtual que recolhe e disponibiliza histórias de pessoas sem qualquer tipo de seleção. Basta querer contar a sua para fazer parte do seu acervo). A educadora resolveu unir as duas turmas, englobando cerca de 30 pessoas, e propôs aos jovens que eles contassem, da sua maneira e com o seu olhar – usando o vídeo -, as aventuras que os idosos lhes contassem. “Com isso, os jovens conheceriam a sua própria história, a dos seus pais e a da sua cidade”, conta Andrea. “Ninguém se conhecia antes da atividade começar, mas depois dos contatos entre as turmas, descobriu-se que o avô de um tinha sido amigo do entrevistado, entre outras pequenas coincidências. Afinal, Cataguases é uma cidade pequena.”

Arquivo pessoal

Making of: Professora Andrea ajuda na montagem do ambiente em que as entrevistas foram filmadas

Preparando os pequenos jornalistas
A proposta era que, com alguma orientação de outros profissionais, os jovens fizessem todo o trabalho jornalístico. Eles preparariam as perguntas, ficariam responsáveis por conduzir a entrevista diante das câmeras e, depois, editariam os 30 minutos de filmagem. O resultado final só poderia ter cinco minutos – o que pressupõe um árduo trabalho de edição. Mas alguém se assustou com isso? “Ninguém! Primeiro, porque já são nativos digitais, não se assustam mais com as tecnologias. Depois, porque algum contato com o MovieMaker eles já tinham tido, então não era grande novidade”, explica Andrea.

Entrevistados e entrevistadores foram sorteados. Os casais que existiam no grupo de idosos ficaram juntos nessa hora – eram mais vovôs do que jovens no grupo. Depois de cada dupla – ou trio – se conhecer (além de trocar MSN, Orkut, email…), os jovens fizeram orientação com a jornalista Márcia do Vale. Dessas conversas, eles tiveram dicas de como se vestir na hora de entrevistar, como se portar na frente das câmeras, como fazer as perguntas e induzir os entrevistados a falar mais – ou a falar menos! Com as informações obtidas nos contatos iniciais, os jovens prepararam, com a ajuda de Márcia e de Andrea, o roteiro da entrevista. Algumas perguntas (cidade e ano em que nasceu, influências da tecnologia na vida pessoal, história da família…), todos fizeram, já as outras dependeram da apuração inicial dos jovens com cada entrevistado. No final, cada jornalista amador foi para a entrevista com cerca de 15 perguntas em mãos, divididas em quatro blocos: infância, juventude, fase adulta e 3ª idade. “Esse roteiro, sabíamos, ia facilitar na hora da edição”, conta Andrea.

Arquivo Pessoal

No dia da apresentação dos trabalhos, alunos foram avaliados por uma banca com quatro membros

Muito jogo de cintura e dedicação na hora do trabalho

No dia da entrevista, cada idoso levou materiais antigos para que imagens de apoio pudessem ser feitas, como fotos e objetos representativos, por exemplo. Três câmeras filmaram cada entrevista. Nos bastidores, Andrea, Márcia e Ivaldo Neto, que passava orientações aos jovens na hora da filmagem e da edição, assistiram a tudo. “Quando alguma coisa ia mal – o entrevistador se esquecia de fazer alguma pergunta, pulava bruscamente da infância para a 3ª idade ou o entrevistado falava baixo, a gente escrevia na tela de um computador que estava de frente para eles, avisando”, conta Andréa, sobre as entrevistas do ano passado. “E sempre atualizávamos o tempo que restava, para que eles estivessem atentos.” Ela se lembra de uma situação engraçada em que um dos meninos pegou um casal para entrevistar, sendo que a mulher do casal falava muito. Na hora da filmagem, por várias vezes, enquanto ela falava, o jovem se aproximou do marido incentivando que ele também falasse: “Foi a maneira que ele encontrou de fazer com que a senhora parasse, incentivando o marido a interrompê-la!”.

Mas o trabalho não acabou ali; todo o material coletado tinha de ser editado. Ivaldo entrou em ação. Os principais passos, segundo ele, eram três: cortar o material bruto, selecionando apenas o que ia ser usado; inserir efeitos e, por último, colocar legendas, créditos e música no que foi editado. “Eles evoluíram muito no tempo que tivemos para edição”, conta o rapaz, de 22 anos, formado em Sistemas de Informação. “Antes de começar a trabalhar com as entrevistas do Memórias na Rede, nós praticamos com eles a edição em cima de fotos, colocando músicas e montando vídeos. Na hora de trabalhar com as entrevistas, vi um avanço muito grande. Eles tiveram vários cuidados, ensaiaram antes de entrevistar os idosos, mantiveram uma boa postura e, além de tudo, são bem desinibidos.” Para ele, a grande missão foi fazer os jovens terem sensibilidade para retirar a melhor parte de cada entrevista. Andrea também ajudou: “Depois de os meninos selecionarem o material principal com o Ivaldo, eu ajudava na escolha das músicas e das legendas. Entrava com um olhar não viciado”. Ela conta que também dava alguns toques estéticos: “Tinha menino que colocava fundo verde-limão!”. Mas, no final, parece que a edição não foi um bicho de sete cabeças. Segundo Ivaldo, o contato constante que eles tiveram com o programa facilitou o processo, “isso porque o MovieMaker não exige muitas habilidades, mas sim, prática”.Duas gerações, dois objetivos e uma troca
O material finalizado foi colocado no YouTube e no Blog da Vovó, que é mantido pelo grupo de idosos que frequenta as aulas de inclusão digital do Instituto Francisca de Souza Peixoto. No dia 10 de dezembro, houve o lançamento do projeto em Cataguases. Uma banca composta por quatro pessoas ficou responsável por escolher o melhor vídeo. Um jornalista avaliou os aspectos da entrevista em si; uma psicóloga se focou na interação dos jovens com os idosos; um historiador observou o jeito que as histórias eram contadas; e a parte técnica foi avaliada por um coordenador do núcleo de tecnologia do Instituto.Além da atividade diferente com que os jovens – e os idosos – tiveram contato, os envolvidos no projeto destacam dois pontos principais, como avaliação final. Do lado dos jovens, a interação que lhes foi proporcionada com gente tão mais experiente – “Eles ficaram amigos; jovens e vovôs saíam conversando como se fossem antigos conhecidos”, conta Andrea. Já para a turma dos idosos, o mais interessante foi ouvir a própria história contada através da visão dos meninos. Bela troca, não?

SOBRE O MUSEU DA PESSOA

A missão a que o Museu da Pessoa se propõe é tornar a história de cada pessoa valorizada pela sociedade, preservando-a como mais um registro, não menos importante, porém, da memória social. O espaço é aberto para que qualquer pessoa conte o que quiser contar. Além da internet, existem cabines itinerantes que fazem a captação de material – disponibilizado principalmente no ambiente virtual, apesar do Museu Virtual também possuir sua sede física, em São Paulo. Apesar da grande abordagem se dar no relato de histórias pessoais, uma parte do Museu abraça a memória de instituições brasileiras. Fora o Brasil, pioneiro na iniciativa, o Museu da Pessoa também existe em Portugal, no Canadá e nos Estados Unidos.

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