Uma pesquisa da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo divulgada no mês passado indica que 45% dos alunos da rede estadual de ensino têm preferência pelos quadrinhos na hora da leitura. Por isso, este tipo de recurso deve ser incorporado ao planejamento das aulas, em diferentes disciplinas.

Para Waldomiro de Castro Santos Vergueiro, coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), o motivo do interesse dos jovens pelas HQs parece óbvio. Para ele, a linguagem e a dinâmica peculiar dos quadrinhos são essenciais para sua atratividade e para uma leitura ativa por parte de quem acompanha as tramas. “A todo o momento, o leitor tem que preencher elementos da história: uma parte vem narrada graficamente, e a outra parte o leitor vai completando”, afirma. “Você tem uma cena, por exemplo, em que o personagem está com a mão na maçaneta da porta, e logo em seguida ele está dentro da casa. O espaço entre os dois quadrinhos é preenchido pela imaginação do leitor”, explica.

Uso dos quadrinhos atrelado a objetivos didáticos

Alguns professores ainda se mostram hesitantes em usar as HQs em sala de aula, com receio de misturar os “momentos de lazer” com os de aprendizado. Mas o segredo está em fazer um bom uso didático dos quadrinhos, atrelando-os aos conteúdos que se deseja trabalhar com a turma.

E há incentivos governamentais para a adoção deste recurso nas salas de aula brasileiras. Segundo Vergueiro, o governo tem se esforçado desde o final da década de 90 para incluir as histórias em quadrinhos em projetos educacionais e nas diretrizes curriculares da educação nacional. “Pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola, a rede pública de ensino recebe vários livros e, desde 2006, o Ministério da Educação passou a incluir quadrinhos entre as obras distribuídas. Isso é uma mensagem para o professor: ‘você pode utilizar histórias em quadrinhos’”, observa.

Para Paulo Eduardo Ramos, jornalista e professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coautor do livro Quadrinhos na Educação, há, ainda, outro problema a ser resolvido para que os quadrinhos se consolidem como ferramenta na escola. “Há mais resistência ou falta de habilidade em trabalhar o tema do que experiências bem-sucedidas”, diz. Enfatizando a obrigatoriedade de um objetivo didático-pedagógico atrelado ao uso desse tipo de obra na sala de aula, Ramos alega que a falta de orientação dos profissionais diante dos recursos disponíveis pode invalidar todo esforço e incentivo oferecidos.

Diante disso, o professor Vergueiro observa o quanto a habilidade de inserir os quadrinhos na sala de ala depende de uma preparação didática e do repertório cultural do professor. E indica: a escolha da história abordada deve sempre levar em conta as particularidades de cada turma. “Ele [o professor] deve conhecer bem o seu grupo de alunos, ver que tipo de história é mais eficiente para eles”, lembra.

Histórias na prática: HQ na sala de aula

Sem receios, é possível elencar atividades usando as HQs nas mais diferentes disciplinas, com base em quadrinhos ‘realistas’ ou até mesmo nos de super-heróis. Para Vergueiro, as histórias podem servir como pontos de partida para planejar, inclusive, aulas de Ciências: “Por que seria absurdo o super-herói tal ter esse poder, em termos de leis da Física?”, o professor pode perguntar à turma para levantar hipóteses junto dos alunos até chegar às explicações didáticas sobre o tema central da aula.

É importante atentar-se, também, ao contexto. As tiras da personagem Mafalda, por exemplo, que são as mais utilizadas na educação brasileira, podem gerar confusão se não forem devidamente discutidas e apresentadas aos alunos. “Se o professor quiser usar esse material, ele vai ter que se preparar para conseguir fazer uma ponte entre o leitor da década de 60 [quando as tiras foram criadas] e o leitor de hoje”, argumenta Vergueiro.

Uma proposta diferente pode ser a da confecção de HQs entre os alunos. Com dois códigos diferentes – a imagem e o texto –, essa linguagem é fluida e diferente do que o jovem está acostumado a produzir, por exemplo, em redações.

Waldomiro Vergueiro:

“As melhores tiras, hoje, estão na internet. Tem casos de pessoas cujo trabalho na internet ficou tão conhecido que eles foram contratados em jornais”

O papel da tecnologia na produção e leitura de quadrinhos

No contexto não só da produção de histórias por parte dos alunos, mas também no da distribuição de textos para que eles leiam, a tecnologia pode ajudar bastante. Softwares especializados podem estimular e ajudar o aluno a se expressar por meio dessa linguagem, sem ter que necessariamente saber desenhar. É o caso do “Hagáquê”, ou dos programas disponíveis para uso online, como o Stripgenerator ou o Comeeko.

“As melhores tiras, hoje, estão na internet. Tem casos de pessoas cujo trabalho na internet ficou tão conhecido que eles foram contratados em jornais”, afirma o professor Waldomiro Vergueiro. Esse material disponível gratuitamente na rede permite uma exploração mais livre e barata do mundo dos quadrinhos, tanto por parte do profissional, quanto de seus alunos.

Para adotar os quadrinhos na escola

  • Confira as indicações de autores e títulos populares e mais adequados para cada faixa etária
  • Até o 6º ano – Mauricio de Souza, Disney, Pernalonga
  • Do 6º ao 9º ano – Mangás e quadrinhos de aventura
  • Ensino Médio – Watchmen, Cavaleiro das Trevas, Capitão América, Maus, Persépolis
  • Geral – Asterix, Tintin e Mafalda
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