Não se pode pensar nas TICs (tecnologias de informação e comunicação) sem antes preparar os educadores para lidar com essas novas ferramentas e tirar delas avanços para o ensino das novas gerações. “O aluno ter um tablet para escrever 2+2=4 não faz o menor sentido, você pode fazer isso na folha de pão”, resume Guilherme Canela, assessor de comunicação e informação para o Mercosul e Chile da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Para ele, o professor precisa trabalhar como um editor das informações disponíveis, para transmiti-las da melhor maneira para os alunos. Mas, para que isso aconteça, ressalta, é necessário investir em uma formação sólida não só dos docentes, mas também dos gestores educacionais. Em entrevista exclusiva ao Instituto Claro, Canela também fala da experiência com TICs em outros países, sobre a importância de as avaliações dos programas governamentais serem reformuladas e como essa tecnologia pode extrapolar os muros da escola e beneficiar não só os alunos, mas também toda a comunidade.

Instituto Claro – Quando se fala em tecnologias de informação e comunicação, quais são os pontos fundamentais a serem discutidos?

Guilherme Canela – A primeira questão é reconhecer que essas ferramentas vieram para ficar. Ignorá-las seria uma atitude contraproducente para a inserção dos alunos em uma sociedade contemporânea. Do ponto de vista pragmático, a aplicação dela na sala de aula é inevitável. A discussão é por que e com que método essa tecnologia será inserida.

Instituto Claro – Quais são os principais desafios a serem vencidos na implantação destas tecnologias nas políticas públicas?

Canela – A questão que se coloca, seja qual for a plataforma ou o suporte, é para o que será usado, qual é a proposta pedagógica. Não há uma resposta definitiva, não podemos dizer se vai ser bom ou ruim porque dependerá da proposta na qual essas ferramentas estarão inseridas. Nesse sentido, é preciso observar algumas questões fundamentais.

Instituto Claro – E que questões são essas?

Canela – Uma delas é sobre o papel dos gestores educacionais no processo. Os governos, às vezes, negligenciam o papel e a importância da direção da escola em fazer essa política funcionar. Avaliações mostram que, quanto menos o diretor está envolvido, mais há a tendência de que o uso da tecnologia não funcione ou tenha menos resultados. A capacitação dos professores é outro ponto fundamental. Hoje ela já faz parte das políticas, mas precisamos repensar como ela é feita. A proposta tecnológica precisa ser entendida a partir de um novo viés, não basta apenas ensinar como mexer na máquina. É entender como essa nova ferramenta pode ajudar na proposta pedagógica e educacional, como o conteúdo pode ser diferente do que era ofertado em condições tradicionais.

Instituto Claro – É necessário, então, repensar a metodologia tradicional, aplicada há anos?

Canela – Sim. Estas políticas não podem ser pensadas apenas como “agora eu entrego um aparelho e pronto”. Como você capacita o professor para integrar essa tecnologia na sala de aula com uma proposta diferente? Porque ter um tablet onde o aluno vai escrever 2+2=4 não faz o menor sentido, você pode fazer isso na folha de pão, no caderno, desenhar com um tijolo no chão, não faz diferença. O que faz diferença é saber como podemos usar essa tecnologia como um diferencial para despertar o conhecimento que está ali, latente.

Instituto Claro – Como seria a capacitação ideal para tirar o melhor destas tecnologias?

Canela – Um dos problemas não só no Brasil, mas também em outros países, é que geralmente a capacitação é em serviço. O problema está na capacitação inicial dos professores [leia-se nas faculdades, nos cursos de pedagogia, nas escolas de educação]. Já existem pesquisas mostrando que é muito pequena a presença da tecnologia nas disciplinas, ou mesmo em horas-aula, na formação inicial. Por isso a capacitação em serviço vira uma coisa pouco sustentável, um “enxugar o gelo”: se o professor nunca teve um espaço de discussão aprofundado sobre a potencialidade das plataformas, é muito complicado que depois, em serviço, com todas as demandas que se colocam no dia a dia, isso seja feito da maneira que teria de ser.

Instituto Claro – Então essa ‘desinformação’ acaba se tornando um círculo vicioso: o aluno não tem contato com as TICs na educação básica nem na faculdade. Depois, quando vai lecionar, também não sabe transmitir esse conhecimento… como romper esse ciclo?

Canela – A questão é que é sempre muito difícil de equacionar. A discussão é essa: que tipo de padrões você precisa, quais são os conhecimentos que se espera em diferentes estágios e para diferentes propostas para que o professor de fato possa levar uma discussão inovadora e de qualidade para os alunos? A Unesco desenvolveu uma discussão, depois transformada em documento, chamada “Padrões de Competência em TIC para Professores”, que aborda essas questões.

Instituto Claro – Mas como saber se as políticas públicas estão dando certo?

Canela –  Elas precisam ser avaliadas de tempos em tempos para sabermos se estão funcionando, se temos de corrigir rumos. Muitas dessas políticas têm muitos anos, um investimento de dinheiro público muito alto e ainda há uma dificuldade tremenda de se dizer qual é o real benefício que elas tiveram.

Divulgação/Conectar Igualdad

Programa Conectar Igualdad, que acontece na Argentina

Instituto Claro – A metodologia de avaliações ainda não dá conta de avaliar as novas tecnologias?

Canela – Temos de analisar duas coisas aqui. É fundamental avaliar as TICs para tomar essas decisões, mas isso não significa que o Estado tem de ficar parado enquanto essas avaliações acontecem. Mas pelo menos uma linha de base tem de ser delineada: antes de entregar o aparelho, vamos fazer uma investigação sobre como estão esses alunos hoje e como estarão daqui a seis meses, daqui a um ano. O monitoramento e a avaliação são fundamentais. Mas, mesmo no cenário internacional, não é fácil fazer isso.

Instituto Claro – No que essas avaliações precisam evoluir?

Canela – Ainda há uma percepção de que tudo tem de convergir para a melhora de notas em português (ou da língua materna) e matemática. Evidentemente, são questões importantes. Mas o que a tecnologia aplicada tem a oferecer não é exatamente a melhora nestes quesitos. Talvez você não encontre muitos benefícios aí, mas sim na motivação do aluno na sala de aula, na diminuição das faltas, em uma maior comunicação. É importante avaliar, mas de maneira complexa, não apenas de aplicação de uma prova e pronto. Existe uma série de novos elementos que precisam ser levados em conta.

Instituto Claro – Como está o Brasil nesse tema em relação a outros países?

Canela –  Difícil dizer. Mesmo os países desenvolvidos ainda experimentam nessa área. Não há um conhecimento definitivo, mas experiências positivas e negativas em todos os lados. Não se pode afirmar que há um modelo novo que tem de ser copiado. Na América Latina, os projetos de todos os países têm fortalezas e fraquezas. O Proinfo brasileiro, por exemplo, tem muitas coisas interessantes. O plano Ceibal, no Uruguai [Conectividade Educativa de Informática para o Aprendizado em Linha, em tradução literal] tem se mostrado muito efetivo, mas o tamanho do país também ajuda. A Argentina começou há pouco tempo o programa Conectar Igualdad, com propostas muito interessantes que devem ser observadas, a Costa Rica tem um dos programas mais antigos nessa área de TICs e educação. Todos os países precisam aprender com os erros e acertos de outras iniciativas, para que não haja repetições. O importante é cometer novos erros, não os mesmos.

 

Instituto Claro – Como levar para fora dos muros da escola todo esse conhecimento?

Canela – É interessante: o grupo social que mais se anima com a introdução da tecnologia nas escolas são os pais. Porque eles vêem ali – e com razão – uma série de oportunidades de evolução, como a inserção no mercado de trabalho, por exemplo. A comunidade fora da escola não pode ser esquecida; ela pode usar o laboratório em um momento em que não é usado pela escola. É importante que essa história de que ‘ah, pode quebrar o computador’, ‘podem roubar o laboratório’, e esse tipo de discurso que aparece no subtexto, seja revisto. Quando a comunidade está dentro do processo, apoiando, a tendência é de os riscos serem cada vez menores. Nos planos como o Ceibal, no Uruguai, o estudante leva o laptop para casa, a família se dispõe a ajudar no cuidado dessa máquina. Além disso, a comunidade passa a desenvolver, por exemplo, LAN-houses em torno da escola, ou mesmo pequenos serviços de informática… tudo isso precisa ser pensado de maneira integrada.

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