Das 76 unidades de ensino médio convidadas pela Secretaria do Estado de São Paulo para adotarem o modelo de educação integral, apenas 32 aceitaram aderir ao projeto em 2013 – 56% das escolas selecionadas rejeitaram a proposta, segundo informações do Observatório da Edu¬cação. O convite faz parte do Programa Educação: Compromisso de São Paulo, que tem como um dos pilares criar escolas de referência para a melhoria do ensino médio. O objetivo é o de chegar a 300 unidades até o fim da atual gestão (2014).
Fonte: SEE-SP/ Elaboração: Observatório da Educação
A questão do espaço físico apropriado é considerada uma pista para a alta taxa de rejeição das escolas consultadas. Outra hipótese levantada por pesquisadores questionados pelo Observatório é a falta de participação na elaboração da política e a maneira como ela chegou à comunidade escolar. “Não houve discussão com os alunos, a comunidade ou os professores. Não temos como tomar o rumo da nossa escola”, afirmou ao Observatório o professor da rede, José Quibao Neto, que trabalhou até 2012 na escola Alves Cruz. O colégio é uma das 16 escolas em que o modelo foi implantado no ano passado.
No entanto, mesmo com os desafios, a premissa de que a ampliação da jornada escolar seria a solução para a “crise do ensino médio” não pode ser descartada, de acordo com pesquisadores entrevistados pelo NET Educação. “Não acho que, por si só, a educação em tempo integral possa ser a solução. Mas acredito que ela contribui”, afirma a professora da Universidade Federal da Grande Dourados, Juliana Aquino, autora da tese “Uma ampliação da jornada escolar melhora o desempenho acadêmico dos estudantes?”.
O ensino médio brasileiro é conhecido por suas altas taxas de evasão escolar. Além disso, os alunos dessa etapa educacional são os que apresentam maior defasagem no aprendizado. Menos de um terço, 29,2%, dos estudantes conhecem a língua portuguesa da forma adequada ao período de estudo e apenas 10,3% tem os conhecimentos adequados à sua idade em matemática. Os dados foram divulgados esta semana, no relatório De Olho nas Metas do movimento Todos pela Educação (TPE).
“Todavia os resultados dependem da forma como o programa é implementado. Ainda que tivéssemos em mãos um roteiro de um filme digno de um Oscar, a estatueta só seria alcançada caso pudéssemos contar com diretores e atores, no mínimo, motivados para esse trabalho”, associa ela.
A assessora da Ação Educativa, mestre em sociologia da educação, Raquel Souza, afirma que para avançar, é necessário distinguir os diversos conceitos que estão em volta da palavra educação integral, antes de escolher um modelo. O primeiro está relacionado a aumentar a jornada educativa para além do turno regular. Outra perspectiva diz que educação integral não necessariamente é de tempo integral, mas sim pensar para além dos conhecimentos da educação formal, assim a escola deveria lidar com a dimensão do sujeito integral. Um terceiro viés diz respeito à ampliação de jornada, mas não necessariamente na escola, oferecendo atividades de esporte, cultura e lazer em outros espaços.
Para o coordenador do núcleo de educação integral do Cenpec, Alexandre Isaac, o grande desafio hoje é dar um salto de qualidade no sentido de garantir que a ampliação do tempo tenha um impacto na aprendizagem das crianças e adolescentes. Aumentar o tempo deve implicar na ideia de desenvolvimento integral do sujeito, segundo ele. “Esta sim é o grande objetivo das políticas de educação integral. Para tanto, é preciso repensar a gestão dos tempos e espaços e principalmente implementar um currículo articulado que integre os diversos campos do conhecimento. Também, é necessário que as políticas de educação integral instiguem a ação conjunta entre escolas e demais espaços e organizações socioculturais que atuam no território”, diz.
A Secretaria de Educação de São Paulo divulgou resultados das 16 escolas, que contam com jornada escolar ampliada de seis para nove horas e meia. No exame de leitura e interpretação de texto a comparação de resultados, em escala de 0 a 100, saltou de 47,1 para 61 pontos entre os alunos da primeira série do ensino médio. A melhora foi de 29,5% em sete meses. Para a segunda série, a avaliação avançou da média de 46,4 para 62,9 pontos no mesmo período – 35,5% de crescimento. O melhor desempenho aconteceu na terceira série, quando os resultados saíram de 33 para 60 pontos – 81% de aumento.
Alerta
Apesar do bom resultado, Raquel chama atenção para o fato de que as escolas convidadas já tem uma estrutura que permite uma evolução, o que não acontece com a maioria das unidades da rede. “Essas escolas de ensino médio integral acabam sendo uma ilha de excelência. Trabalham e se organizam a partir de condições especiais. Se o modelo fosse para todos no estado, minha hipótese é a de que os números não seriam esses”, analisa.
De acordo com ela, a avaliação da Secretaria de Educação apresenta resultado de uma experiência ainda muito focalizada. “Todos os jovens têm direito a aprendizado e que bom que eles melhoraram suas habilidades. Mas qualidade, para mim, é quando todos os jovens tiverem acesso. É importante relativizar isso antes de comemorar.”
Além disso, alerta Alexandre, as propostas de ampliação de jornada para o ensino médio devem levar em conta as características e demandas do público jovem, caso contrário estarão fadadas ao fracasso. “Em primeiro lugar, não podemos exigir que adolescentes e jovens permaneçam de oito a dez horas em um mesmo espaço físico. As propostas de educação integral para esse público devem contemplar novas experimentações, como apropriação do território e da cidade, além do acesso às novas tecnologias”, pontua.
Os pesquisadores da área ainda lembram que o desenvolvimento de projetos com foco no público jovem não deve ter como objetivo exclusivamente a realização de atividades ocupacionais, “de modo a prevenir o ócio e as condutas antissociais, é preciso que esse ‘tempo a mais’ acolha os jovens para dialogar, refletir e discutir questões que os afetam, proporcionando-lhes experiências diversificadas que contribuam para ampliação da sua visão de mundo e consequentemente de suas possibilidades de escolhas”, conclui Alexandre.