Historiadora, Márcia Padilha Lotito adentrou a área da educação pela porta da pesquisa, focando estruturas que podem ser inseridas no conceito de “ecossistema comunicacional”. Definido pelo teórico espanhol Jesús Martín-Barbero, o conceito propõe um diálogo da comunicação com diversas áreas do conhecimento (economia, sociologia, antropologia etc). Aos poucos, Padilha mergulhou nas escolas públicas estudando, entre outros aspectos, as dinâmicas pedagógicas que se relacionam com as TICs. Coordenou, no Brasil, ações do projeto Educarede, e, durante a sua atuação no Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), escreveu em parceria com outros pesquisadores a coleção “Jovens e Escola Pública”.

 

 

Atualmente, ela coordena o IDIE Brasil (Instituto para o Desenvolvimento e a Inovação Educativa). Inaugurado no ano passado, é um dos 16 institutos mantidos pela OEI (Organização dos Estados Ibero-americanos) e tem como primeiro grande projeto o desenvolvimento de indicadores que visam avaliar ações de integração de TICs na educação. Em entrevista ao Instituto Claro, Márcia Padilha fala sobre o processo de construção dos indicadores que poderão apresentar um real panorama de como a escola tem se relacionado com a tecnologia.

 

Por que o IDIE priorizou o desenvolvimento de indicadores no seu primeiro projeto no Brasil?

O IDIE surgiu num processo de revisão e ampliação dos recursos institucionais da OEI. Nesse mesmo momento, foram criados grupos de estudo. Hoje, a OEI tem cerca de 11 grupos de especialistas, que reúnem, ao todo, cerca de 1.200 especialistas. Entre esses grupos há muito intercâmbio de ideias e de informações e, para que a integração seja potencializada, os institutos sempre buscam tratar temas que se encaixem na realidade regional. Portanto, trabalhar o desenvolvimento dos indicadores foi uma decisão estratégica. Além de esse tema estar em efervescência de alguns anos para cá, a OEI já estava envolvida com o desenvolvimento de parâmetros para avaliar a transição da Ibero-América para a sociedade da informação e percebeu, após muito estudo, que havia espaço para indicadores de educação.

 

Vocês enxergaram que havia uma brecha deixada pelos indicadores relacionados à educação já existentes?

O que a gente fez, desde o início, e acho que foi fundamental para a credibilidade que ganhamos na região, foi nos colocarmos sempre como um ator a mais, interessado em desenvolver parcerias, em somar quando o assunto era indicadores. Nunca foi nossa proposta criticar o trabalho de ninguém, até porque todas as instituições que nos cercam e que trabalham com indicadores são muito comprometidas com o que fazem. Mas quando enxergamos que a gestão escolar não era tão trabalhada de forma macro, de forma que pudéssemos fazer uma avaliação do que acontece nas escolas da região, vimos que aquele era um bom caminho para contribuirmos.

 

Qual a avaliação que vocês fizeram do panorama de indicadores de educação?

Vimos que faltavam indicadores para avaliar quem faz a ponte entre as políticas públicas e os processos da ponta, os quais consistem no ensino/aprendizagem, na relação entre o professor e o aluno. Os modelos da Unesco, por exemplo, já são muito voltados para a ponta, para o professor, mas não para a escola. É verdade que os professores que estão em sala têm autonomia para montar a sua aula, inserir tecnologias, mas esse professor atua dentro de uma gestão, com toda uma organicidade própria. O que o IDIE via era que poderia contribuir muito ao debate se fizesse uma avaliação e mostrasse em que contexto esses professores atuam. Como a escola está organizada para que as tecnologias favoreçam os processos? De fato, a tecnologia melhora ou não a educação nos moldes em que ela funciona hoje? Foi essa a questão que decidimos explorar. E, para ela poder ser respondida com profundidade, com a devida complexidade e honestidade que exige por ser tão divisora de águas, precisava de investimento intelectual, de indicadores e do estudo de questões políticas.

 

Quais são essas questões políticas?

Primeiro é preciso entender de que filosofia de educação está se falando, de que projeto político de educação eu estou partindo. Porque a tecnologia vai estar a serviço desse projeto, dessa visão de educação. E isso é uma pergunta fundamental. Outra questão é: em que condições isso está acontecendo na escola? Ficamos, no IDIE, muito contentes com a boa aceitação sempre que apresentamos a ideia dos indicadores. Parecia até que existia um certo alívio. Algo como: “Que bom que estão pensando na gestão!” Porque, por mais que o questionário que desenvolvemos não chegue no miudinho do professor e do aluno, chega no miudinho da escola.

 

E quais diretrizes guiaram a construção desse questionário?

Avaliamos oito pontos. Cada um deles se desdobra em itens. Vamos indagar “Qual a disponibilidade de equipamentos?”; “Qual a manutenção de equipamentos realizada na escola?”; “Como é a organização de uso?”; “Qual é o nível de integração da tecnologia no projeto pedagógico?”; “Como é o planejamento e a avaliação do que é feito pela própria escola?”; “Qual a formação docente (a escola proporciona formação?)”; “Qual o uso de apoios disponíveis (direção consegue dizer aos professores o que a política oferece? quais sites têm ferramentas legais, por exemplo?)?”; e “Qual o nível de acesso comunitário aos equipamentos da escola (a comunidade no entorno pode fazer uso?)”.

 

Para desenvolver as perguntas que compõem esse questionário o IDIE houve a contribuição de escolas e professores?

O IDIE tem a característica de trabalhar em rede, com muita colaboração. Apresentamos esse projeto em vários encontros internacionais e para pessoas de ministérios de educação e órgãos de cooperação internacional. Buscamos atores dessa área de diversos países que estão à frente de projetos de tecnologias e que conhecem muito bem os problemas e as características positivas dos diversos programas. Então esse grupo de gestores das políticas nos ajudou a identificar quais dimensões podem dizer se a tecnologia esta mais ou menos integrada à escola. Fomos atrás de questões que tratassem o pedagógico, mas também de questões que focassem o operacional, porque isso é a gestão, quando você tem a questão operacional mesclada com a educação.

 

Esse processo de troca de informações para a concepção dos indicadores levou quanto tempo?

Um ano. Foi uma discussão que aconteceu muito no presencial e a distancia durante setembro de 2008. Depois, o questionário levou mais seis meses. E, neste momento, a gente está testando não mais as dimensões a serem avaliadas, mas as perguntas que nos ajudam a fazer as aferições e também a metodologia da aplicação do questionário.

 

O IDIE chegou a discutir essa metodologia com algum órgão?

Isso é uma questão em que o piloto se coloca. Estamos testando as perguntas. Entendemos que um projeto de âmbito regional tem que ser diretivo quanto aos objetivos e quanto às finalidades, mas quanto aos procedimentos é necessário ter uma certa flexibilidade que respeite as particularidades dos processos de cada país, desde não comprometa a comparabilidade dos resultados. O piloto testa a pertinência das perguntas em relação ao que se quer investigar e testa um grupo de perguntas que tenha flexibilidade para ser aplicada em contextos diferentes sem perder a validade. Consideramos que São Paulo seria o lugar ideal para fazermos o piloto não apenas por questões de custos operacionais, mas muito mais porque a rede de São Paulo tem tamanha diversidade, é muito plural, e a gente imagina que cada divisão no município pode representar realidades muito próximas a outros municípios e outros países.

 

E qual foi o envolvimento da Secretaria de Educação de São Paulo, que decidiu utilizar o questionário nas escolas da rede municipal?

Nós fomos procurá-los porque o município de São Paulo já é um parceiro da Fundação Telefônica (parceira do IDIE no Brasil) em outros projetos. Então fomos procurá-los e eles prontamente aceitaram que a sua rede fosse avaliada. Essa gestão, a gente percebe que tem afinidade grande com a ideia de uma avaliação formativa, com uma avaliação que seja um instrumento para que a rede se conheça melhor.

 

O questionário é composto por quantas perguntas e como é a dinâmica de aplicação?

É formado por 40 perguntas. São 20 perguntas para a direção e 20 para os professores. No primeiro grupo que aplicamos, observamos que eles gostaram do exercício de responder sobre questões que eles não tinham parado para pensar. A metodologia prevê que um grupo leia as perguntas e as respostas do outro grupo. Isso também já causou algum efeito nesse grupo de pré-testes. O grupo olhou para si. A metodologia proposta pelo IDIE tem essa ambição: fazer com que, ao mesmo tempo em que o gestor da política seja informado sobre o que está acontecendo na escola, professores e direção conversem entre si, cada um pensando no seu grupo de perguntas, mas entendendo que a gestão é justamente a construção desse grupo para que as pessoas possam desenvolver os seus trabalhos com qualidade.

 

A fase de teste segue até quando?

Até o final do ano. Depois, a análise dos resultados do município e o debate do piloto com os demais países acontece no primeiro semestre do ano que vem.

 

Márcia, e você, como educadora, acredita que, com esse questionário será possível responder à pergunta “a tecnologia melhora a educação”?

Existe essa expectativa por parte das pessoas em relação ao IDIE. Mas, sem querer fugir da questão e justamente querendo esclarecer o quanto essa questão é complexa, a gente só vai conseguir responder a essa pergunta se tivermos também indicadores de quais políticas públicas estão sustentando a entrada dessa tecnologia na escola, de como a gestão escolar está sendo feita para que a tecnologia consiga efetivar o potencial que ela tem de transformação, de quanto os professores estão se sentindo à vontade para serem criativos. E aí, dentro dessa visão bastante complexa, vamos buscar os impactos que tudo isso está tendo na aprendizagem dos conteúdos tradicionais. A gente está vivendo um mundo complexo. Não existem mais respostas curtas, rápidas e que caibam em aspas. As respostas são complexas se a gente quer ter honestidade política e intelectual, uma verdade com que a gente está falando. Eu acredito que a questão que o IDIE foca é muito importante até mesmo isoladamente, porque ela traz à luz a questão da gestão escolar. Mas ela só irá promover um debate amplo na sociedade se for complementar a outras iniciativas, que vão desde política de estrutura das telecomunicações até formação docente inicial.

 

E como exatamente os resultados do questionário poderão ser medidos?

Esse indicador vai falar o quanto essa escola conseguiu integrar ou não integrar. E, se eu aplicar isso numa rede, eu vou dizer: dessa rede, por exemplo, 70% das escolas têm uma integração mediana, 25% têm integração excelente e 5 % têm integração muito ruim. O que pode ser feito? Podemos ir até aquelas que têm integração excelente e estudar e entender como elas chegaram nisso. Em escolas que têm integração péssima, podemos criar um programa para que elas possam melhorar aquele determinado indicador de integração. A partir desses indicadores também poderemos perceber quais escolas se sustentam em ações de um professor isolado e quais escolas realmente já estão com o processo enraizado.

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