Formar pessoas com capacidade empreendedora é um grande desafio educacional. Isso acontece não somente porque empreededores são essenciais para uma economia que trabalha a tecnologia de forma inovadora, mas porque é a partir de uma visão também empreendedora que são criados novos processos educacionais, capazes de serem multiplicados em outros espaços de aprendizado. A equipe do Portal Instituto Claro conversou com dois especialistas na questão e constatou uma realidade adversa, porém promissora: diversas universidades brasileiras, apesar das dificuldades, estão incorporando a cultura empreendedora em seus cursos e tentando articular uma rede nacional para tornar mais eficaz a relação entre produção tecnológica, educação e empreendedorismo.

 

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Para Renata Chilvarquer, empreendedorismo é visto como necessidade, não como oportunidade de carreira

 

De acordo com Renata Chilvarquer, coordenadora de Educação Empreendedora do Instituto Endeavor – organização mundial sem fins lucrativos que trabalha para gerar emprego e renda, incentivando o empreendedorismo – a pouca oferta de cursos superiores que incluam esse segmento acontece por ser um assunto ainda recente no País.

 

A pesquisa “Empreendedorismo de Alto Impacto”, realizada em 2009 pela Global Entrepreneurship Monitor (programa que acompanha o nível nacional da atividade empresarial), mostra que o Brasil está abaixo da média global no uso das universidades como ferramenta de apoio e educação para futuros donos de empresas. Em comparação com outros países da América do Sul, a porcentagem de adultos que aprenderam a empreender nas universidades no Brasil foi de 9%, atrás da Argentina (11%), Bolívia (16%), Peru (27%), Chile (29%) e Colômbia (33%).

 

Um ranking produzido pela Endeavor, em 2008, mostra os cinco principais países que investiram em cursos de empreendedorismo nas universidades, que são em ordem decrescente: Irlanda, Noruega, Finlândia, Dinamarca, Eslovênia e EUA. “As pessoas gostariam de se tornar empreendedoras (no Brasil), mas não sabem como. Hoje a grande maioria tem inspiração para abrir seu próprio negócio, só que não sabe como fazer”, pontua Renata.

 

A coordenadora educacional avalia que a falta dos cursos de empreendedorismo nas universidades está relacionada a duas determinantes: cultural e educacional. Segundo ela, por aqui, a sociedade ainda enxerga esse conceito como uma necessidade e não como uma oportunidade de carreira. “Não faz parte da nossa cultura e, muitas vezes, as pessoas se tornam empreendedoras porque perderam o emprego e foram obrigadas a conseguir uma nova forma de captar renda”, diz. “Elas precisam começar a avaliar como uma oportunidade profissional”, alerta.

 

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Para Sergio Yates, é necessário mostrar aos alunos que empreender é a “terceira via”, complementar a empregos públicos e privados

 

Para o professor Sergio Yates, da PUC-Rio, essa visão “não é uma verdade absoluta em relação à pequena oferta de cursos”. O especialista defende que o empreendedorismo ainda é bastante incipiente no mundo todo e que, por se tratar de um conceito multidisciplinar, trabalhando com vários conhecimentos (engenharia, administração, marketing, tecnologia da informação etc.) há uma demora para chegar ao nível de empreendedor educacional. “Temos visto esse processo crescendo cada vez mais”, afirma o docente ao utilizar a PUC-Rio como exemplo, onde possui aproximadamente 400 incubadoras de empresas e que grande parte delas está ligada à universidade.

 

Exemplo de incentivo ao empreendedorismo relatado pelo professor, a PUC-Rio oferece cursos de educação continuada para quem tem graduação ou pós. São 120 horas de aulas que se baseiam em um sistema de um treinamento em empreendedorismo especifico, para cada necessidade profissional. Os ensinamentos são direcionados a quem pretende empreender nas áreas de marketing, direito, tecnologia da informação ou mesmo arte gráfica.

 

Os especialistas consultados acreditam que a visão educacional das universidades sobre a pequena e média empresa (PME) é pouco difundida. De acordo com Renata, a maioria dos alunos se forma com a visão de trabalhar em uma grande empresa. “A PME não tem grande enfoque, é uma falta de tradição por aqui, além de existir uma lacuna de informação e incentivo às corporações menores”, pontua.

 

Segundo o professor da PUC-Rio, o número de alunos que abre uma empresa ao término da graduação ainda é pequeno: não superior a 15%. A principal preocupação dos educadores, para fazer aumentar esse número, deve ser mostrar que existe uma terceira via para a carreira. “Antes a pessoa se formava e trabalhava para o governo ou iniciativa privada, hoje, a terceira opção é que você pode ter seu próprio negócio”.

 

Nesse processo, os especialistas analisam que um problema específico é a deficiência ou a baixa troca de conhecimento entre as instituições de ensino. “Não existe uma formação própria de empreendedorismo, nem um espaço muito amplo para a troca de conhecimento e, com isso, os professores se sentem isolados no seu próprio grupo”, afirma Renata.

 

Já o docente da PUC-Rio é mais brando, considerando que a rede de conhecimento está em formação e que “dentro do ponto de vista da pesquisa (universidades), estão sendo realizados mais congressos para a troca de informação”. Além disso, afirma, “é bom lembrar que o Brasil tem vários brasis, e quando se fala do empreendedorismo de alto impacto, trata-se do universitário desenvolvido dentro das faculdades e não daquele dono da banca de jornal que também é um empreendedor”.

 

“Terceira via”

Mesmo com as sinuosidades existentes para chegar ao sucesso na carreira profissional, Renata afirma que há mudanças na percepção do brasileiro e, assim como mostrado no levantamento de 2009, o número de pessoas que enxergam o empreendedorismo como oportunidade de carreira – e não mais como necessidade – é cada vez mais expressivo. No ponto de vista do professor Yates, também existe um aumento de cursos em realizados em conjunto. Algumas instituições de ensino superior, como PUC e as Universidades Federal de Alagoas e de Santa Cantarina, estão estudando desenvolver um mestrado em rede sobre o tema.

 

Junto a essa mudança de conceito, a representante do Endeavor diz que uma boa ferramenta de auxílio às universidades é a introdução de práticas educacionais internacionais no Brasil, licenciando algumas metodologias de educação, como o da Kauffman Foundation (EUA). “Queremos distribuir esse método de ensino (Kauffman) nas universidades brasileiras, que é fácil de incorporar na sala de aula”, afirma.

 

Por outro lado, afirma o professor Yates, “fazer empreendedorismo por aqui não é uma tarefa trivial”, porque envolve questões como a “legislação que não facilita abrir uma empresa” e os altos juros das linhas de crédito. Para ele, é fundamental conseguir sensibilizar os estudantes sobre a “criação de sua própria empresa como uma opção de carreira”.

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