O ensino domiciliar — também conhecido como homeschooling — vem crescendo no Brasil. Segundo pesquisa realizada pela Associação Nacional do Ensino Familiar (ANED), em junho deste ano, pelo menos mil famílias já educam seus filhos em casa; em 2009, o número não ultrapassava as 250. A eficácia e a legitimidade da prática por aqui têm gerado polêmicas: até porque não há lei que regulamente ou preveja o ensino domiciliar; o mesmo não acontece em países como Estados Unidos, Portugal, Japão, Canadá e Rússia, onde o ensino domiciliar é apoiado em legislação específica.

Para entender mais sobre a prática, o NET Educação conversou com especialistas no assunto, famílias que praticam a modalidade de ensino e educadores que discordam da questão. Confira!

Aderir ou não?

Mônica De Waal Ryan tomou a decisão de educar o filho em casa ao se mudar para Cingapura. Segundo a educadora, que atua com a educação de crianças com dificuldade de aprendizagem, o filho, na época com seis anos, vinha reclamando da adaptação escolar no país. “Na época não tinha condições de financiar os estudos dele em uma escola internacional, e achei as escolas públicas rígidas demais, sem abertura à criatividade das crianças”, relata a mãe.

O cenário motivou Mônica a tirar o filho do ensino regular e a educá-lo em casa por um ano e meio. Para obter um direcionamento, a mãe foi conhecer um programa americano de estudos, K12 International Academy, que desenvolve um plano de aprendizagem individualizada aos pais ou treinadores e também oferece suporte durante a aprendizagem. Mônica relata não ter encontrado problemas com o método, já que era orientada por professores da empresa e podia acompanhar as avaliações a que o filho era submetido com o intuito de assegurar a aprendizagem.

Por outro lado, a mãe afirma que é preciso compensar a socialização que a criança perde por não estar diariamente em contato com outras crianças. Esse foi o motivo pelo qual a mãe interrompeu a educação domiciliar e recorreu novamente ao ensino regular: o filho dela passará a frequentar as aulas de uma escola internacional a partir do segundo semestre de 2012.

A decisão de Mônica e de tantas outras famílias de abrir mão do ensino escolar e partir para o domiciliar vem dividindo opiniões. Segundo Fábio Schebella, diretor pedagógico da ANED, além de aproximar a criança da família, o homeschooling proporciona um tipo de ensino que ajuda no desenvolvimento intelectual e sócio afetivo. Ainda segundo o profissional, que redigiu o artigo "Os Benefícios da Educação Domiciliar", a manutenção do local da aprendizagem – no caso, a casa do educando – e dos sujeitos responsáveis pela educação — no caso, os pais — faz com que a criança assimile mais facilmente a educação como um processo natural. O fato do ensino ocorrer de maneira individualizada, segundo Schebella, proporciona melhor adaptação da rotina às necessidades do educando, potencializando maior identificação do mesmo com o processo.

Para Carlos Luiz Gonçalves, pedagogo e consultor educacional, a individualidade traz uma visão defasada do que de fato é educar. “Na perspectiva conteudista até acredito que haja boa assimilação por parte do aluno. No entanto, isso tem a ver com treinamento, adestramento. Educar é mais do que isso. Estamos falando de formação de valores, da construção de cidadania, intimamente ligados à convivência social”, rebate o educador. Gonçalves reconhece que muitas famílias possam estar decepcionadas com o papel escolar frente à missão de educar, mas afirma: “não é fugindo da escola que vamos resolver os problemas”. Questões religiosas e morais, filosóficas e pedagógicas e mesmo problemas sociais (como violência, bullying) também vem contribuindo para que muitas famílias considerem o ensino domiciliar.

No Brasil, não há leis que regulamentem o ensino domiciliar e, por conta disso, as famílias acabam encontrando formas diversas de ministrar essa educação. Fábio Schebella reconhece que há um risco de que os pais se percam em meio ao processo, justamente pela variedade de dinâmicas, formas e metodologias. Carlos Luiz Gonçalves, por sua vez, é favorável à não regulamentação brasileira: “é uma salvaguarda pelas crianças e adolescentes que não tem condições de tomar essas deliberações por si mesmos, já que dependem dos pais”, declara.

No entanto, caso a família opte pela modalidade domiciliar, é importante considerar, na visão de Schebella, três pontos fundamentais: planejamento, rotina e avaliação. “As famílias devem ter objetivos claros em relação à educação, estabelecer e cumprir uma rotina ao educando e direcionar avaliações periódicas, não necessariamente provas, desde que seja avaliado o desempenho e reconhecido pontos falhos em meio ao processo”, reforça.

Em relação à falta da socialização, Schebella defende que os pais podem socializar a criança fazendo uso do próprio meio social, como exemplifica: “imagine que uma criança pode aprender sobre matemática e relações comerciais em uma simples ida ao mercado juntamente com seus pais”.

Ainda assim, Fábio Schebella diz não acreditar que o ensino domiciliar deva ser adotado por toda e qualquer família. “Depende muito do contexto familiar, sendo a escolha um quesito importante.” O profissional também afirma que não é contrário ao ensino escolar, e embora ciente dos antagonismos sustentados entre o ensino regular e domiciliar, não vê uma perspectiva excludente e sim complementar: “seria ideal que a educação familiar e escolar pudessem caminhar juntas, em paralelo, garantindo assim um trabalho em conjunto”, finaliza.

Para saber mais:

– Confira três episódios do programa Brasil das Gerais sobre o tema Ensino Domiciliar:

Episódio 1

 Episódio 2

Episódio 3

– Confira o artigo "Os Benefícios da Educação Domiciliar", de Fábio Schebella.

– Conheça o blog Aprender sem Escola.

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