No fim dos anos 1990, uma turma de jovens de várias favelas do Rio de Janeiro se uniu em busca de espaços em que pudessem expressar seus questionamentos e mudar a realidade em que viviam. Nascia assim a Cufa (Central Única de Favelas), que unindo jovens do movimento hip hop, presidentes de associações de moradores, lideranças comunitárias, artistas e trabalhadores em geral organizava-se em torno de um único objetivo: transformar as comunidades, dando aos moradores oportunidade de mostrar seus talentos.

Dez anos depois, a Cufa conta hoje com representantes em todos os Estados do Brasil. Por meio da internet, do rádio e até de uma TV própria, a associação pode proporcionar mais interação entre os jovens e desenvolver projetos como o Lendo com o rap, que consiste em incentivar a leitura a partir de letras musicais, e o Espaço alternativo de entretenimento comunitário, que valoriza o convívio dos moradores para a articulação de novas ideias. “Trabalhamos a questão da violência com entretenimento cultural e esportivo, cursos e atividades que fortalecem a autoestima e geram novas perspectivas para as pessoas”, afirma Camilla Silva, membro do núcleo da Cufa de Dourados, no Mato Grosso do Sul.

Exemplo de iniciativa bem-sucedida, a Central Única de Favelas surgiu no mesmo momento em que o empreendedorismo social começou a ganhar força no Brasil. Nos anos 1990, os problemas sociais se encontravam sem solução, e essas ações passaram a ser uma alternativa de mudança, principalmente por buscarem um modelo sustentável de gestão. Vinte anos depois, o empreendedorismo social ainda está em desenvolvimento, mas nesse cenário de romper paradigmas, a tecnologia tem aparecido como uma importante aliada, seja como agente que possibilita a transformação, exemplo de vários projetos da Cufa, ou proporcionando acesso e troca de informação de forma muito mais veloz e organizada.

Projeto Mandalla

Éderson Lucena, gestor de articulação da Mandalla, ONG pernambucana que trabalha com empreendimentos sustentáveis, que utiliza garrafas PET como instrumento de irrigação do solo, é um exemplo do que as TICs (Tecnologia da Informação e Comunicação) podem contribuir para o desenvolvimento de um projeto. Ele conta que quando começou o trabalho seu único objetivo era solucionar o problema da falta de renda e alimentação no campo, que muitas vezes ficava comprometido por causa dos custos com os sistemas tradicionais. “Fomos nos dar conta de que éramos empreendedores sociais quando adotamos um novo posicionamento no mercado. Queríamos crescer e, para isso, começamos a fazer parcerias no Brasil, o que fortaleceu nossas soluções e multiplicou nossa metodologia inovadora”, afirma ele.

A expansão foi possível por meio das tecnologias: em quase sete anos, diz Lucena, mais de 200 comunidades rurais e urbanas em 18 Estados do país foram atendidas pela Mandalla apenas por meio da internet. Isso representa cerca de 2.500 projetos e um benefício direto a 4.500 famílias. “Com esse sistema, galinhas, patos e peixes, entre outras espécies de pequenos animais, e uma diversidade de plantas convivem em uma área comum, formando assim um sistema interativo onde as necessidades de um são supridas pela produção do outro.”

Multiplicador

Além de encarar a tecnologia como aliada, fica claro nesses dois projetos o papel de multiplicador do empreendedor social, que busca soluções para os problemas e quer ser um disseminador de informação, capacitando um número cada vez maior de pessoas. Seus esforços se voltam para criar alternativas capazes de diminuir a desigualdade e criar meios para que as pessoas se desenvolvam. Segundo Mônica de Roure, da Ashoka, o empreendedor social tem um perfil diferenciado justamente por ter um objetivo maior. Enquanto o empreendedor de negócios se preocupa com a autoria do projeto, o social caminha no sentido contrário, quer que sua ideia seja copiada. “Uma solução social tem a intenção de virar política pública e, se o problema desaparecer, ela deixa existir. E essa é a intenção.” Ou seja, são pessoas que não apenas têm uma solução inovadora capaz de transformar uma realidade, mas iniciativa para replicar o projeto em uma cidade, em um país e até no mundo.

Para Camilla Silva, da Cufa de Dourados, só entra no empreendedorismo social quem está disposto a trabalhar duro para transformar os problemas, já que muitas vezes o governo não dá atenção ou não acha uma solução. “Todo mundo se junta, se engaja e com muita garra resolvemos questões, pois acreditamos que há uma solução. O resultado é gratificante.” E completa: “Tem que ser apaixonado pela causa e lutar com todas as forças”.

Na prática

Mais do que uma conquista pessoal, a solução encontrada tem de conseguir mudar o pensamento da sociedade, fazer com que as pessoas reflitam sobre determinado tema ou questão social.“O essencial é convencer as pessoas a acreditarem naquele sonho e mobilizar recursos e parcerias. O perfil de um empreendedor social está ligado à sua capacidade de articulação. Além do carisma e da credibilidade, isso ajuda muito na consolidação do projeto”, afirma Mônica.

No dia a dia, diz Rodrigo Brito, um dos diretores da Aliança Empreendedora, é preciso trabalhar o ciclo de vida do empreendedor social em pelo menos três pilares: crédito, conhecimento e comercialização. Isso implica em conseguir recursos que podem ser recuperados quando o projeto se estabelece, capacitar e dar assessoria para que o empreendedor possa gerir, produzir e empreender corretamente de acordo com o seu produto e, por fim, encontrar canais de vendas, como redes varejistas e e-commerce. “Esse último quesito muitas vezes não é trabalhado e o projeto deixa de existir por isso”, conta Brito.


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