Você é um vírus. Seu único objetivo é contaminar o número máximo possível de pessoas e, para isso, recebe instruções a cada tentativa. Mas não é só contaminar qualquer um, pois existem humanos imunes a você. Sua alternativa é modificar seus genes e torcer para que essas pessoas não sejam resistentes à sua nova variedade genética. E se conseguir infectar alguém que more em uma casa com muita gente ou que vá para uma cidade grande, então é muito melhor! Mas não se esqueça: você tem de ser rápido, pois seu tempo de vida é de poucos dias.

 

É fácil acreditar que durante todo esse processo você entende melhor como o vírus da gripe é transmitido e como ele muda a cada dia, não é? Ótimo. A narrativa também explica por que as vacinas têm de ser modificadas todos os anos e por que as pessoas podem ficar gripadas mesmo que tenham tomado vacina recentemente. É possível compreender melhor a genética e o surto de gripe suína, que figura com destaque e freqüência nos jornais e comparece aos hospitais de diversos países.

– Mas o que é isso exatamente? É um jogo?

Este caso específico é o enredo do jogo Killer Flu, criado a pedido da UK Clinical Virology Network, uma rede britânica de laboratórios, com a intenção de mostrar como uma epidemia se forma, além de apresentar maneiras de prevení-la. E ele se encaixa em uma categoria novíssima de jogos chamada newsgames, mistura das tecnologias e do suporte dos games com os conteúdos jornalísticos.

“O newsgame é um braço dos ‘seriousgames’, que têm como objetivo passar uma mensagem ou ensinar alguma coisa”, afirma Rafael Kenski, editor da Superinteressante Online, que produz seus próprios newsgames dentro da Redação. “No caso do newsgame, essa é uma mensagem jornalística, um outro jeito de passar mensagens mais quentes. O mais legal do newsgame é que é um videogame como qualquer outro, mas todas as suas informações são rigorosamente apuradas. Dá para se informar jogando newsgame”, completa.

O mais recente newsgame da Super Online revela como funcionam os negócios da máfia nos dias atuais, e foi baseado em reportagem publicada pela revista. Texto e jogo estão disponíveis no site junto com um fórum em que os jogadores comentam e discutem estratégias para ganhar as partidas.

Embora afirme que a Super não se preocupa em trazer temas que sejam específicos para a educação, Rafael Kenski reitera o potencial pedagógico desse tipo de tecnologia: “Com os newsgames, você aprende por procedimento, estando lá. A vantagem é que, neles, as informações são apresentadas por meio de ações. Você vai interagindo e vai descobrindo coisas das quais depende a continuação de sua interação. No Jogo da Máfia, por exemplo, você vê estatísticas e logo depois tem que pôr em prática esse conhecimento para que o jogo evolua”.

Também para a Persuasive Games, empresa que fez o Killer Flu e é uma das principais criadoras de newsgames nos Estados Unidos, com clientes como CNN e New York Times, produzir para a educação nunca foi um objetivo. Contudo, Ian Bogost, designer  de games e sócio-fundador da empresa, considera que a combinação entre games e notícias proporciona uma compreensão diferenciada que pode, sim, ser aproveitada pela educação. Ele lembra que, além dos newsgames, os professores podem usar os outros seriousgames, a maior parte disponível online de modo gratuito. “Nossos games tentam explicar as dinâmicas de alguns aspectos do mundo, para que as pessoas possam entender e tomar decisões para suas vidas”, completa.

Para o jornalista Geraldo Seabra, que possui mestrado na área, os newsgames são capazes de “fazer com que os jovens tenham mais contato com a notícia e, por meio dela, possam mudar a maneira como se relacionam com os problemas do seu cotidiano e agir sobre eles”. Seabra explica que, enquanto as notícias são normalmente apresentadas de modo separado em diferentes suportes, “nos games acontece a mescla de todas as narrativas humanas, o que permite a imersão dos jogadores e a assimilação de informação explícita e implícita”.

Geraldo Seabra é um dos poucos pesquisadores de newsgames do Brasil. Isso porque o conceito se tornou conhecido por aqui mais ou menos em 2003 e seu desenvolvimento ainda está em fase de descobrimento no mundo todo. Para se ter uma ideia da novidade do tema, tanto Geraldo Seabra como a Super Online começaram a pensar nisso sem nem saber o que já estava sendo feito no exterior. Talvez isso explique o fato de o modelo de newsgame proposto pelo pesquisador ser um pouco diferente do que é feito pela Super e pela Persuasive e se parecer mais com os RPGs, que são criados e jogados pelos próprios usuários.

“A partir de uma notícia tema, como a guerra no Iraque, começa o jogo”, exemplifica Seabra. “Por RSS, os jogadores recebem, cada um em sua interface, todas as notícias referentes à guerra do Iraque, de acordo com as assinaturas que fizerem e que serão decisivas para o desenrolar do jogo. É uma coisa aleatória, um jogador pode não saber que notícia o outro recebe. A idéia central é que ele, além de participar, usando a notícia como base narrativa, possa usar a tecnologia RSS, que funciona como agregadora de conteúdos”, complementa. No final do jogo, uma outra notícia, chamada por ele de newsnews, é criada e postada pelo grupo de jogadores. “É uma notícia solução, uma notícia proposta para resolver aquela questão social, que pode ser colocada nas redes sociais, para que saia do mundo virtual para o mundo real. Então o newsgame funciona como uma mobilização social de jovens, principalmente, e pretende um retorno social, além de entreter, aumentar a capacidade cognitiva dos jogadores e elevar sua cultura”, defende.

Ian Bogost, da Persuasive Games, também acredita na possibilidade de aprendizagem por meio de uma experiência de criação de newsgames e games em geral. Ele destaca o exemplo da escola Quest to Learn, onde a produção de games é parte do currículo e a dinâmica de ensino tem jeito de jogo. Dessa forma, a escola combina as necessidades pedagógicas tradicionais com o reconhecimento de que o aprendizado pode acontecer de diferentes maneiras, principalmente por meio de mídias digitais, games, redes de relacionamento e tecnologia de mobilidade.

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